HOMILIA DO PAPA NAS VÉSPERAS DO I DOMINGO DO ADVENTO
Cidade do Vaticano, 27 nov (RV) - Segue a homilia do Papa na celebração das
Primeiras Vésperas do I Domingo do Advento.
Queridos irmãos e irmãs,
Com
esta celebração vespertina, o Senhor nos dá a graça e a alegria de abrir o novo Ano
Litúrgico iniciando da sua primeira etapa: o Advento, o período que faz memória davinda
de Deus entre nós. Cada início trás consigo uma graça particular, porque bendiz ao
Senhor.
Neste Advento nos será dado, mais uma vez, fazer experiência da proximidade
Daquele que criou o mundo, que conduz a história e que cuida de nós chegando até a
se fazer um de nós. Este mistério grande e fascinante do Deus conosco, também de Deus
que se faz um de nós, celebraremos nas próximas semanas caminhando para o santo Natal.
Durante o tempo do Advento sentiremos a Igreja que nos toma pela mão e, qual imagem
de Maria Santíssima, expressa sua maternidade fazendo-nos experimentar a espera alegre
da vinda do Senhor, que a todos nós envolve com seu amor que salva e consola.
Enquanto
os nossos corações se propendem para a celebração anual do nascimento de Cristo, a
liturgia da Igreja orienta o nosso olhar para a meta definitiva: ao encontro com o
Senhor que virá no esplendor da glória. Por isso nós que, em cada Eucaristia, “anunciamos
sua morte, proclamando sua ressurreição na espera de sua vinda”, vigiamos em oração.
A liturgia não para de nos encorajar e de nos sustentar, colocando em nossos lábios,
nos dias do Advento, o grito com o qual se fecha totalmente a Sagrada Escritura, na
última página do Apocalipse de São João: “Vinde, Senhor Jesus!”(22, 20).
Queridos
irmãos e irmãs, o nosso reunir nesta tarde para iniciar a caminhada do Advento se
enriquece de um outro motivo importante: com toda a Igreja, queremos celebrar solenemente
uma vigília pela vida nascente. Desejo exprimir meu agradecimento a todos aqueles
que aderiram e àqueles que se dedicam de modo específico no acolhimento e proteção
da vida humana nas diversas situações de fragilidade, particularmente em seu início
e em seus primeiros passos.
É próprio do início do Ano Litúrgico nos fazer
viver novamente a espera de Deus que se faz carne no ventre da Virgem Maria, de Deus
que se faz pequeno, se torna criança; nos fala da vinda de um Deus próximo, que quis
vivenciar a vida do homem, do início ao fim, para salvá-lo totalmente, plenamente.
E assim o mistério da Encarnação do Senhor e o início da vida humana são intimamente
e harmonicamente coligados entre eles dentro do único desejo salvífico de Deus, Senhor
da vida de todos e de cada um. A Encarnação nos revela com intensa luz e de modo surpreendente
que cada vida humana tem uma dignidade altíssima, incomparável.
O homem apresenta
uma originalidade inconfundível em relação a todos os outros seres viventes que povoam
a terra. Apresenta-se como sujeito único e singular, dotado de inteligência e vontade
livre, também composto de realidade material. Vive simultaneamente e inseparavelmente
na dimensão espiritual e na dimensão corpórea. Isso também é sugerido pelo texto da
Primeira Leitura da Carta aos Tessalonicenses que foi proclamada: “O Deus da paz vos
conceda santidade perfeita; e que o vosso ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo
sejam guardados de modo irrepreensível para o dia da Vinda de nosso Senhor Jesus Cristo,”
(5, 23). Sejamos pois espírito, alma e corpo. Sejamos parte de nosso mundo, entregues
à possibilidade e aos limites da condição material; ao mesmo tempo sejamos abertos
sob um horizonte infinito, capaz de dialogar com Deus e tender a Ele, verdade, bondade
e beleza absoluta. Saboreamos fragmentos de vida e de felicidade e anelamos à plenitude
total;
Deus nos ama de modo profundo, total, sem distinção; nos chama à amizade
com Ele; nos faz participantes de uma realidade acima de qualquer imaginação e de
cada pensamento e palavra: a sua mesma vida divina. Com comoção e gratidão tomemos
consciência do valor, da dignidade incomparável de cada pessoa humana e da grande
responsabilidade que temos para com todos. “ Cristo, que é o novo Adão – afirma o
Concílio Vaticano II, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, manifesta
plenamente o homem ao próprio homem e lhe descobre sua altíssima vocação... Com sua
encarnação o Filho de Deus se uniu de certo modo a cada homem” (Const. Gaudiu et Spes,
22).
Acreditar em Jesus Cristo comporta também ter um olhar novo sobre o homem,
um olhar de confiança, de esperança. Além disso, a própria experiência e a reta razão
mostram que o ser humano é um sujeito capaz de entender, de querer, autoconsciente
e livre, único e insubstituível, ápice de todas as realidades terrenas, que deve ser
reconhecido como um valor em si mesmo e merece ser sempre acolhido com respeito e
amor. Ele tem o direito de não ser tratado como um objeto a ser possuído ou como algo
que você pode manipular como quer, de não ser reduzido a um mero instrumento para
o benefício de outros e de seus interesses. A pessoa é um bem em si mesmo e é necessário
procurar sempre o seu desenvolvimento integral. O Amor pelo próximo, se é sincero,
tende naturalmente a ter uma atenção preferencial pelos mais fracos e mais pobres.
Nesta linha, se insere a solicitude da Igreja pela vida do nascituro, a mais frágil,
a mais ameaçada pelo egoísmo dos adultos e pela escuridão da consciência. A Igreja
continuamente reitera o que declarou o Concílio Vaticano II contra o aborto e todas
as violações contra a vida dos nascituros: “A vida uma vez concebida deve ser protegida
com o máximo cuidado” (ibid., n. 51).
Há tendências culturais que buscam anestesiar
as consciências com subterfúgios. No que diz respeito ao embrião no útero materno,
a ciência mesma coloca em vidência a autonomia capaz de interação com a mãe, a coordenação
dos processos biológicos, a continuidade do desenvolvimento, a crescente complexidade
do organismo. Não se trata de um acúmulo de material biológico, mas de um novo ser,
dinâmico e maravilhosamente ordenado, um novo indivíduo da espécie humana. Assim foi
Jesus no ventre de Maria; assim foi para cada um de nós no ventre da mãe. Com o antigo
escritor cristão Tertuliano, podemos afirmar: “É já um homem aquele que o será” (Apologia,
IX, 8); não há razão para não considerá-lo pessoa desde a sua concepção.
Infelizmente,
mesmo após o nascimento, a vida das crianças continua a ser exposta ao abandono, à
fome, à miséria, à doença, aos abusos, à violência, à exploração. As muitas violações
dos seus direitos que são cometidas no mundo ferem gravemente a consciência de cada
homem de boa vontade. Diante do triste panorama de injustiças cometidas contra a vida
do homem, antes e após o nascimento, faço meu o apaixonado apelo do Papa João Paulo
II à responsabilidade de todos e de cada um: “Respeite, proteja, ame e sirva a vida,
cada vida humana! Somente nesta estrada você poderá encontrar justiça, desenvolvimento,
liberdade verdadeira, paz e felicidade” (Encíclica Evangelium vitae, 5). Exorto os
protagonistas da política, da economia, das comunicações sociais a fazerem tudo que
está ao seu alcance para promover uma cultura que respeite sempre a vida humana, que
proporcione condições favoráveis e redes de apoio ao acolhimento e ao desenvolvimento
da mesma.
À Virgem Maria, que acolheu o Filho de Deus feito homem com a sua
fé, com o seu ventre materno, com carinho, com o acompanhamento solidário e vibrante
de amor, confiamos a oração e o compromisso em favor da vida nascente. Nós o fazemos
na liturgia - que é o lugar onde vivemos a verdade e onde a verdade vive conosco -
adorando a divina Eucaristia, na qual contemplamos o Corpo de Cristo, o Corpo que
se encarnou em Maria por obra do Espírito Santo, e dela nasceu em Belém para a nossa
salvação. Ave verum Corpus, natum de Maria Virgine!