Cidade do Vaticano, 20 nov (RV) - Segue na íntegra, a homilia do Papa, no Consistório,
para a criação e proclamação dos novos cardeais.
Senhores Cardeais,
Venerados
Irmãos no Episcopado e no Sacerdócio, queridos irmãs e irmãos!
O Senhor
me dá a alegria de realizar, mais uma vez, este ato solene, mediante o qual o Colégio
Ccardinalício se enriquece com novos membros, escolhidos das diversas partes do mundo:
trata-se de Pastores que governam com zelo importantes Comunidades diocesanas, de
Prelados colocados à frente de Dicastérios da Cúria Romana, ou que serviram com fidelidade
exemplar a Igreja e a Santa Sé.
A partir de hoje, eles começam a fazer parte
daquele “coetus peculiares”, que presta ao Sucessor de Pedro uma colaboração mais
imediata e assídua, sustentando-o no exercício de seu ministério universal. A eles,
em primeiro lugar, dirijo minha saudação afetuosa, renovando a expressão de minha
estima e de minha apreciação pelo testemunho que dão à Igreja e ao mundo. Em particular,
saúdo o Arcebispo Angelo Amato e lhe agradeço pelas palavras gentís que me dirigiu.
Em seguida minhas cordiais boas-vindas às Delegações oficiais de vários países,
aos representantes de numerosas dioceses, e a todos que vieram participar deste evento,
durante o qual estes veneráveis e queridos Irmãos receberão o sinal da dignidade cardinalícia
com a imposição do barrete e a atribuição do Título de uma Igreja de Roma.
O
vínculo de especial comunhão e afeto, que une estes novos Cardeais ao Papa, os torna
singulares e preciosos cooperadores do supremo mandato confiado por Cristo a Pedro,
de apascentar suas ovelhas (cfr Jo 21, 15-17), para reunir os povos com a solicitude
da caridade de Cristo. É exatamente deste amor que nasce a Igreja, chamada a viver
e a caminhar segundo o mandamento do Senhor, no qual se resumem toda a Lei e os Profetas.
Estar unidos a Cristo na fé e na comunhão com Ele significa estar “radicados e fundados
na caridade” (Ef 3, 17), o tecido que une todos os membros do Corpo de Cristo.
A
Palavra de Deus agora proclamada nos ajuda a meditar este aspecto tão fundamental.
No trecho do Evangelho (Mc 10, 32 – 45) nos é colocada diante de nossos olhos a imagem
de Jesus como o Messias – preanunciado por Isaías (cfr Is 53) – que não veio para
ser servido, mas para servir: o seu estilo de vida se tornou a base das novas relações
no interior da comunidade cristã e de um modo novo de exercer a autoridade. Jesus
caminha para Jerusalém e preanuncia pela terceira vez, indicando-o aos discípulos,
o caminho através do qual pretende levar até o fim a obra confiada a ele pelo Pai:
é o caminho da humilde entrega de si mesmo até o sacrifício da vida, o caminho da
Paixão, o caminho da Cruz. Mesmo assim, logo após este anúncio, como aconteceu com
aqueles que nos precederam, os discípulos manifestam toda a sua dificuldade em compreender,
a realizar o necessário “êxodo” de uma mentalidade mundana para a mentalidade de Deus.
Neste caso são os dois filhos de Zebedeu, Tiago e João, que pedem a Jesus sentarem
nos primeiros lugares ao lado dele na “glória”, manifestando expectativas e projetos
de grandeza, de autoridade, de honra segundo o mundo. Jesus, que conhece o coração
do homem, não permanece perturbado com esste pedido, mas imediatemente mostra o seu
significado profundo: “vós não sabeis o que pedis”; em seguida leva os dois irmãos
a entenderem o que significa colocar-se no seu seguimento.
Qual é então o caminho
que deve percorrer aquele que quer ser discípulo? É o caminho do Mestre, é o caminho
de total obediência a Deus. Por isso Jesus pergunta a Tiago e a João: estais dispostos
a partilhar minha escolha de realizar plenamente a vontade do Pai? Estais dispostos
a percorrer esta estrada que passa pela humilhação, pelo sofrimento e pela morte por
amor? Os dois discípulos, com a resposta segura, “podemos”, mostram, ainda uma vez,
não terem entendido o sentido real do que o Mestre tem em mente. E de novo Jesus,
com paciência, faz com que eles deem um passo avante: nem mesmo expperimentar o cálice
do sofrimento e o batismo da morte dá direito aos primeiros lugares, porque isso
é “para aqueles a quem está preparado”, está nas mãos do Pai Celeste: o homem não
deve calcular, deve simplesmente abandonar-se em Deus, sem pretenção, conformando-se
à sua vontade.
A indignação dos outros discípulos se torna ocasião para estender
o ensinamento a toda comunidade. Em primeiro lugar Jesus “ os chamou a si”: é o gesto
da vocação primeira, à qual os convida a se voltarem para ele.
É muito significativo
este referir-se ao momento constitutivo da vocação dos Doze, ao “estar com Jesus”
para serem enviados, porque recorda com clareza que cada ministério eclesial é sempre
resposta a uma chamada de Deus, não é nunca fruto de um projeto pessoal ou de uma
ambição pessoal, mas é conformar a própria vontade à do Pai que está nos Céus, como
Cristo no Getsêmani (cfr Lc 22,42). Na Igreja ninguém é patrão, mas todos são chamados,
todos são enviados, todos são reunidos e guiados pela graça divina. E nisto está
também nossa segurança! Só ouvindo novamente a palavra de Jesus, que pede “ vem e
segue-me”, só voltando à vocação original é possivel entender a própria presença e
a própria missão da Igreja como autênticos discípulos.
O pedido de Tiago e
João e a indignação dos "outros dez" Apóstolos levantam uma questão central à qual
Jesus responde: quem é grande, quem é o "primeiro" para Deus? O olhar se dirige ao
comportamento que correm o risco de assumir "aqueles que são considerados os governantes
das nações": "dominar e oprimir". Jesus indica aos discípulos um modo completamente
diferente: "Entre vós, porém, não é assim". A sua comunidade segue outra regra, outra
lógica, outro modelo: "Quem quiser se tornar grande entre vós será seu servidor, e
quem quiser ser o primeiro entre vós será escravo de todos". O critério da grandeza
e da primazia de Deus não é o domínio, mas o serviço; a diaconia é a lei fundamental
do discípulo e da comunidade cristã, e nos deixa entrever alguma coisa do "Senhorio
de Deus". E Jesus indica também o ponto de referência: o Filho do Homem, que veio
para servir; sintetiza a sua missão na categoria de serviço, entendida não no sentido
genérico, mas no concreto da Cruz, do dom total da vida como "resgate", como redenção
para muitos, e o indica como condição para o seguimento. É uma mensagem que vale para
os apóstolos, vale para toda a Igreja, vale, sobretudo, para aqueles que possuem a
tarefa de guiar o Povo de Deus. Não é a lógica do domínio, do poder segundo os critérios
humanos, mas a lógica do inclinar-se para lavar os pés, a lógica do serviço, a lógica
da Cruz que está na base de todo exercício da autoridade. Em cada época, a Igreja
está engajada a conformar-se a esta lógica e a testemunhá-la a fim de fazer transparecer
o verdadeiro "Senhorio de Deus", que é o do amor.
Venerados Irmãos eleitos
à dignidade cardinalícia, a missão, à qual Deus vos chama hoje e que vos habilita
a um serviço eclesial cheio de responsabilidade, requer uma vontade sempre maior de
assumir o estilo do Filho de Deus, que veio a nós como aquele que serve (cf. 22, 25-27).
Trata-se de segui-lo em sua doação de amor humilde e total à Igreja sua esposa, sobre
a Cruz: é sobre aquele lenho que o grão de trigo, deixado cair pelo Pai no campo do
mundo, morre para se tornar fruto maduro. Por isto, ocorre um fortalecimento ainda
mais profundo e firme em Cristo. A relação íntima com Ele, que transforma sempre mais
a vida a fim de que possamos dizer como São Paulo, "não sou eu que vivo, mas é Cristo
que vive em mim" (Gl 2,20), constitui a exigência primária para que o nosso serviço
seja sereno e alegre e possa dar o fruto que o Senhor espera de nós.
Queridos
irmãos e irmãs aqui presentes, rezem pelos novos Cardeais! Amanhã, nesta Basílica,
durante a celebração da Solenidade de Cristo Rei do Universo, entregarei a eles o
anel. Será mais uma ocasião para "louvar o Senhor, que permanece sempre fiel" (Sl
145), conforme repetimos no Salmo Responsorial. O seu Espírito ajude os novos Purpurados
no compromisso de serviço à Igreja, seguindo o Cristo na Cruz também, se necessário,
usque ad effusionem sanguinis, sempre prontos – como dizia São Pedro na leitura proclamada
– a responder a quem nos pede razão da esperança que está em nós (cf. 1 Pt 3, 15).
A Maria, Mãe da Igreja, confio os novos Cardeais e seu serviço eclesial, a fim de
que, com ardor apostólico, possam proclamar a todos os povos o amor misericordioso
de Deus. Amém.