Em Santiago de Compostela o Papa alerta para confronto com o laicismo, e apela a
um testemunho público da fé
(6/11/2010) O Papa iniciou neste sábado , em Santiago de Compostela, onde chegou
cerca de 11h30, uma visita de 36 horas a Espanha, que termina amanhã em Barcelona
com a consagração da Sagrada Família do arquitecto Antoni Gaudí. O périplo de Bento
XVI suscita entusiasmo na Igreja espanhola e, se em terras galegas marca o fim do
Ano Santo Compostelano, já na capital catalã gerou polémica. Durante as oito horas
de estadia em Santiago de Compostela, cidade que nunca visitou, o Papa encontrou à
sua espera uma multidão de peregrinos, muitos dos quais oriundos do Norte de Portugal.
A enchente prevista levou a que a missa, a meio desta tarde, daqui a pouco mais de
uma hora seja celebrada ao ar livre, na Praça do Obradoiro, pois na catedral apenas
poderiam estar 800 pessoas. Através de nove ecrãs gigantes colocados em vários pontos
da cidade, os peregrinos poderão acompanhar a celebração .
Para a Igreja católica
na Galiza, que não recebia uma visita papal desde João Paulo II, em 1982, a presença
de Bento XVI é um tónico. Os seus responsáveis esperam revitalizar a tradição jacobeia
em terras em que a Igreja tem problemas de escassez e envelhecimento: há 600 padres
para 1073 paróquias e a média etária do clero é de 67 anos.
De Santiago de
Compostela o enviado da Rádio Vaticano Pacheco Gonçalves: Peregrino entre
os numerosos peregrinos deste Ano Xacobeu, Bento XVI seguiu em Santiago os passos
rituais dos fiéis ao chegar à catedral de Compostela, incluindo a passagem pela Porta
Santa e o tradicional abraço à imagem de S. Tiago. Ele próprio fez questão de declarar,
logo no aeroporto, ter vindo também ele a inserir-se na ampla série de homens e mulheres
que, ao longo dos séculos, sobretudo da Europa mas não só, aqui se deslocaram. Uma
deslocação não só ritual, evidentemente, mas de quem, para além da veneração do Santo,
“se deixa transformar pelo seu testemunho de fé”– disse. E foi assim que os peregrinos
de Santiago, de todos os tempos, “foram criando uma estrada de cultura, de oração,
de misericórdia e conversão, que se concretizou em igrejas e hospitais, hospedarias,
pontes e mosteiros”.
“Sinto uma profunda alegria por estar de novo em
Espanha que deu ao mundo uma plêiade de grandes santos, fundadores e poetas, como
Inácio de Loyola, Teresa de Jesus, João da Cruz, Francisco Xavier, entre muitos outros;
e que no século XX suscitou novas instituições, grupos e comunidades de vida cristã
e acção apostólica, e, nas últimas décadas, caminha em concórdia e unidade, em liberdade
e paz, encarando o futuro com esperança e responsabilidade”.
Já no
centro da cidade, na catedral, Bento XVI, em completa sintonia com o seu estilo pessoal
que tende a sublinhar a dimensão espiritual da vida cristã e do seu próprio ministério
e a redimensionar as inevitáveis manifestações exteriores, Bento XVI começou por um
momento de oração pessoal na capela do Santíssimo, deslocando-se depois ao Pórtico
da Glória e saudar os fiéis já congregados na Praça da Obradoro. Atravessando de novo
o interior da catedral e usando uma saída lateral, o Papa realizou o rito dos peregrinos
no Ano jubilar, passando a Porta Santa e venerando o túmulo do Santo. Foi então que,
de junto do altar-mor da catedral, o Papa interveio numa alocução em que sublinhou
o autêntico sentido do peregrinar cristão:
“Peregrinar não é simplesmente
visitar um lugar qualquer para admirar os seus tesouros de natureza, arte ou história.
Peregrinar significa, antes, sairmos de nós próprios para irmos ao encontro de Deus
onde Ele se manifestou, onde a graça divina se mostrou com particular esplendor e
produziu abundantes frutos de conversão e santidade entre os crentes”.
Aludindo
ao tema da “genuína liberdade”, questão que justamente o preocupa, o Papa sublinhou
que é precisamente a imagem divina, impressa no homem, que constitui “a verdade mais
profunda do seu ser” e “a origem” da sua liberdade:
“Entre verdade e
liberdade existe uma relação estreita e necessária. A busca honesta da verdade, aspirar
a ela, é a condição para uma autêntica liberdade. Não se pode viver uma sem a outra.
A Igreja, que deseja servir com todas as suas forças a pessoa humana e a sua dignidade,
está ao serviço de ambas, da verdade e da liberdade”.
Voltando
ainda à chegada ao aeroporto, de referir a intensa neblina que também hoje cobria
Santiago. O restante tráfego aéreo foi desviado para os outros aeroportos da Galiza
– Vigo e Coruña, tendo aterrando em Santiago de Compostela apenas os voos que transportavam,
respectivamente, a delegação governamental de acolhimento ao Papa (presidida pelo
ministro da Administração Interna) e aquele em que viajava o Príncipe das Astúrias,
anfitrião oficial de Bento XVI, e a esposa. O avião que transportava o Pontífice e
a sua comitiva aterrou alguns minutos antes da hora prevista (11.30). Desde o primeiro
momento, o Papa mostrava-se sorridente, descontraído, no modo simples e cordial que
todos conhecemos. O discurso do Príncipe Filipe, herdeiro do trono, foi para além
das palavras de circunstância. Referindo ter ele próprio querido percorrer recentemente,
com a esposa, uma etapa do caminho de Santiago – “maravilhoso itinerário espiritual
e cultural” (disse), o herdeiro do trono espanhol exaltou a importância que esta rota
de peregrinos teve para a construção da Europa:
“Este grande Caminho
de encontro e de diálogo, tão vinculado à nossa história e cultura, que desde há séculos
recorre e une a Europa, converteu-se num verdadeiro símbolo de concórdia, fraternidade
e solidariedade. Promove valores e abre os espíritos. Convoca-nos à reflexão e ao
reencontro connosco. Convida-nos a superarmo-nos, a enfrentar desafios e a alcançar
novas metas”.
Recordando, com “apreço” o “compromisso” de Bento XVI
“a favor da paz, da liberdade e da dignidade do ser humano, o Príncipe das Astúrias
declarou que tal atitude “reconforta-nos muito especialmente nestes tempos complexos
e de crise, que o mundo vive”. “Tempos … que requerem firmeza, empenho pessoal e esforço
dos governantes da terra e de todos os homens e mulheres de boa vontade”.
“Desde
Santiago, a Espanha contribuiu para promover valores e alargar os horizontes da Europa.
Também hoje deseja , como país moderno, aberto e democrático, transmitir desde Santiago
a sua voz comprometida e solidária com os problemas e necessidades de tantos povos
e seres humanos” (fim de citação). De Santiago de Compostela, para a RV,
PG