Rio de Janeiro, 06 nov (RV) - A Igreja Particular de São Sebastião do Rio de
Janeiro, unida à Igreja que peregrina no Brasil e à universalidade de toda a Igreja
Católica no mundo, rendem uníssona um hino de ação de graças a Deus pelos 90 anos
da abençoada existência de Sua Eminência Reverendíssima o Cardeal Eugênio de Araújo
Sales, quinto Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Dom Eugênio, nascido
a 08 de novembro de 1920, em Acari, no Rio Grande do Norte, da família abençoada de
Josefa de Araújo Sales e do desembargador Celso Dantas Sales, constituiu uma vida
e uma longa folha de serviços eclesiásticos prestados, com humildade, perseverança
e dedicação, desde os tempos de jovem padre ordenado na Arquidiocese de Natal, em
21 de novembro de 1943, pela imposição das mãos de Dom Marcolino Esmeraldo de Souza
Dantas, bispo de Natal.
Como bispo, nomeado a 1º de junho de 1954, com apenas
trinta e três anos, para Bispo Auxiliar de Natal. Em 1962 foi nomeado Administrador
Apostólico de Natal. Foi Administrador Apostólico de São Salvador da Bahia em 1964,
sendo nomeado Arcebispo Primaz do Brasil em 29 de outubro de 1968. O Papa Paulo VI
inscreveu Dom Eugênio no Sacro Colégio dos Cardeais no consistório de 28 de abril
de 1969, com o título de São Gregório VII. Em 13 de março de 1971, o Papa Paulo VI
transferiu o Cardeal Sales para Arcebispo do Rio de Janeiro. Por fecundos trinta anos,
a Igreja do Rio foi guiada por Dom Eugênio até a sua renúncia ter sido aceita pelo
Papa, aos oitenta anos, em 25 de julho de 2001.
Desde jovem sacerdote em Natal,
Dom Eugênio foi preocupado com a formação do clero e com os meios necessários para
anunciar o Evangelho de Jesus Cristo. Depois de ser nomeado bispo, Dom Eugênio, em
Natal, foi pioneiro em ações pastorais para a Igreja no Brasil, como a idealização
da Campanha da Fraternidade, a criação das comunidades eclesiais como forma pastoral,
a entrega de paróquias às religiosas, a motorização do clero, as escolas radiofônicas,
os sindicatos rurais. Ações estas que foram feitas com grande entusiasmo, muita discrição
e colocando sempre em primeiro lugar a necessidade de que a Igreja usasse todos os
meios necessários, particularmente os meios de comunicação social, para anunciar o
Evangelho, para dar dignidade aos mais pobres, dando-lhes condições de trabalho digno,
de renda e de organização para lutar pelos seus direitos.
A fecundidade das
múltiplas ações pastorais, sociais e caritativos de Dom Eugênio, em Natal, fizeram
com que o seu amigo Dom Helder Câmara, ao fundar a CNBB junto com os Cardeais Motta
e Câmara, colocasse em prática as inovações pastorais criadas por Dom Eugênio, sendo
que a Campanha da Fraternidade, nascida em Natal sob a guia do jovem Bispo potiguar,
assumida pelo Episcopado, logo se espalhasse para todo o Brasil, numa capilaridade
pastoral perfeita em que assuntos prementes da vida eclesial sejam discutidos e trabalhados
sempre na busca de soluções melhores para a vida do nosso povo.
O Cardeal
Dom Jaime, antes de morrer, já começava a aplicar na Arquidiocese do Rio as mudanças
propostas pelo Concílio Vaticano II. Dom Eugênio, ao chegar ao Rio de Janeiro, implementou
imediatamente as ações evangelizadoras do Concílio Vaticano II, mesmo com as normais
dificuldades. Manteve firme a sua confiança inabalável em Deus e governou esta Igreja
como sua esposa, sendo o Bom Pastor que conhecia as suas ovelhas, que as chamava pelos
nomes e que as confirmava na irrestrita fidelidade a Deus, à Igreja, à Sé de Pedro
e ao Papa.
A Igreja do Rio viveu esta comunhão e esta unidade pastoral na
fidelidade e no silêncio da ajuda caritativa que sempre chegou aos mais pobres e mais
desvalidados, principalmente com a Cruzada de São Sebastião, o Banco da Providência,
com a sua Feira da Providência, a Pastoral do Menor, a Pastoral da Criança, entre
outras muitas atividades sociais. Muitas ações de Dom Eugênio foram consideradas fundamentais
na vida da cidade do Rio, como aquela ação em favor dos mais pobres, como no caso
em que os moradores da favela do Vidigal não foram removidos graças à sua intervenção
através da pastoral das favelas. Dom Eugênio subia e descia as favelas, morros e bairros
de nossa cidade sempre dialogando e levando a Palavra de Deus aos mais pobres e desvalidos,
cuidando de seus direitos, sem se esquecer de dialogar com todos os demais habitantes,
principalmente com os construtores da sociedade.
A preocupação permanente da
formação do clero foi uma das marcas de Dom Eugênio, que renovou o Seminário São José,
incentivando as vocações, ordenando muitos presbíteros (215 durante o seu episcopado)
e dando uma assistência especial, por si ou por seus bispos auxiliares, aos padres
de sua Arquidiocese.
Bendizemos a Deus pelas vocações sacerdotais e o seu
incremento no governo de Dom Eugênio, com muitas ordenações e o seu carinho pelo clero.
Para com os bispos do Brasil, organizou anualmente o curso dos Bispos no Sumaré, em
que teve a alegria de hospedar em sua primeira edição o então Cardeal Joseph Ratzinger,
que veio falar ao episcopado e, depois do mesmo, falou para leigos e religiosos. Estes
encontros, dos quais eu mesmo participei em seu governo, eram e ainda são momentos
de oração, de renovação espiritual e de atualização nas várias áreas da teologia e
dos assuntos eclesiais.
Não podemos deixar de dizer da ampla e silenciosa
rede de assistência aos mais pobres que foi idealizada, levada a efeito e protegida
por Dom Eugênio em seu longo governo de trinta anos em nossa Arquidiocese. Não era
apenas um discurso a defesa dos pobres, mas na prática, no dia a dia, no socorro de
suas necessidades e na sua colocação profissional, ou seja, a sua promoção. O Cardeal
Sales, silenciosamente, como ele mesmo gosta de dizer, protegeu os presos políticos,
ajudou-os materialmente e foi a sua voz junto aos militares, e sempre foi ouvido pelo
respeito de suas posições sempre claras, não se comprometendo nem com os militares
e nem com a luta armada. Todos conhecem histórias de como ele mesmo levava pessoas
que necessitavam sair do país, com o seu veículo, até o Aeroporto. Dom Eugênio é também
referência para os refugiados na América Latina e a sua ação, silenciosa e persistente,
deu asilo e proteção a muitas pessoas perseguidas em seus países. Muitos hoje retornam
e fazem questão de dizer como o Arcebispo do Rio agia com energia e ajudava os que
mais precisavam.
No mundo da cultura, o episcopado de Dom Eugênio foi admirável,
não só no diálogo com o vasto mundo intelectual do Rio de Janeiro, mas nas parcerias
entre a Arquidiocese e a intelectualidade. Homem da boa imprensa, sempre manteve colunas
semanais nos jornais Diário de Notícias, O Dia, Jornal do Commercio e O Jornal. Atualmente
escreve no jornal O Globo e no Jornal Testemunho de Fé, este da Arquidiocese do Rio.
Desde o início no Rio de Janeiro até recentemente tinha programas semanais
nas TVs Tupi, Rio, Globo, Educativa, RedeVida, Canção Nova e Rádios, entre elas Nacional,
Vera Cruz, Roquete Pinto, Jornal do Brasil, Carioca, Catedral e Canção Nova. Um homem
admirável, que unia doutrina com a ortopraxis, sendo fidelíssimo a Deus, à Igreja
e aos Romanos Pontífices.
Homem da Igreja, homem de oração, homem de fé! Dom
Eugênio enfrentou as alegrias e as tristezas, enfrentou os trabalhos e as adversidades
com a serenidade de um homem de fé, que tendo como exército o breviário, o rosário,
a confiança em Deus e a promessa de Cristo a Pedro que de as “portas do inferno jamais
sucumbirão a Igreja”, passou por tudo com a serenidade dos justos. Tudo isso foi possível
porque invocou sempre a proteção de São Sebastião e de Santana, Padroeiros do Rio
de Janeiro, e sempre contemplou e orou diante do Cristo Redentor, que, protegendo
a sua vida e o seu ministério, o inspirou muito em fazer, de sua maneira, o melhor
bem espiritual para o Rio de Janeiro.
A Igreja do Rio se reúne solenemente
neste dia 06 para dizer que tem muito a agradecer a Deus pelo grande Patriarca que
ela respeita e agradecer o seu ministério, a sua vida, a sua fidelidade, o seu exemplo.
A síntese da vida de meu predecessor se traduz no seu lema – “Impendam et superimpendar”,
fundamenta-se na Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor 12, 15): “Quanto a
mim, de muita boa vontade gastarei o que for preciso e me gastarei inteiramente por
vós.”
Assim, nós que temos o peso e tremor de suceder ao querido Cardeal Sales,
podemos resumir a sua vida da seguinte forma: Um homem que se consagrou a Deus, cujas
promessas da ordenação sacerdotal foram vividas rigorosamente no exercício do seu
ministério através da fidelidade ao Papa e à Igreja, e no serviço em prol dos mais
necessitados. Não lhe importava, ou não importa agradar, mas ser fiel a Cristo sendo,
por isso, Sua testemunha. A sua vida de oração, os seus sentimentos, os seus pensamentos,
sua conduta, seus afazeres têm uma meta: a causa do Reino.
E a causa do Reino
consumiu a sua fidelidade, e nós dizemos: Muito obrigado, Cardeal Sales, pelo exemplo
que edificou, pela Palavra que santificou, pela Igreja que uniu, pela fidelidade ao
Magistério que ensinou e, ainda mais, sua missão para que aparecesse sempre mais o
Cristo que, visibilizado na imagem do Cristo Redentor, fosse Ele a iluminar e abençoar,
através de sua ação ministerial a Igreja do Rio e a Igreja Católica.
†
Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de
Janeiro, RJ