"Uma só família humana!": Mensagem para Dia do Migrante e Refugiado (16.01.11)
Texto integral da Mensagem do Papa:
Queridos Irmãos e Irmãs! O Dia Mundial
do Migrante e do Refugiado oferece a oportunidade, a toda a Igreja, para reflectir
sobre o tema relacionado com o crescente fenómeno da migração, para rezar a fim de que
os corações se abram ao acolhimento cristão e trabalhem para que cresçam no mundo
a justiça e a caridade, colunas para a construção de uma paz autêntica e duradoura.
«Que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei» (Jo 13, 34) é o convite que
o Senhor nos dirige com vigor e nos renova constantemente: se o Pai nos chama para
sermos filhos amados no seu Filho predilecto, chama-nos também para nos reconhecermos
a todos como irmãos em Cristo. Deste vínculo profundo entre todos os seres humanos
surge o tema que escolhi este ano para a nossa reflexão: «Uma só família humana»,
uma só família de irmãos e irmãs em sociedades que se tornam cada vez mais multi-étnicas
e intra-culturais, onde também as pessoas de várias religiões são estimuladas ao
diálogo, para que se possa encontrar uma serena e frutuosa convivência no respeito
das legítimas diferenças. O Concílio Vaticano II afirma que « os homens constituem
todos uma só comunidade; todos têm a mesma origem, pois foi Deus quem fez habitar
em toda a terra o inteiro género humano (cf. Act 17, 26); têm, além disso, o mesmo fim
último, Deus, cuja providência, testemunho de bondade e desígnios de salvação se estendem a
todos» (Decl. Nostra aetate,1). Assim, nós «não vivemos uns ao lado dos outros por
acaso; estamos percorrendo todos um mesmo caminho como homens e por isso como irmãos
e irmãs» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008, 6). O caminho é o mesmo,
o da vida, mas as situações por que passamos neste percurso são diversas: muitos
devem enfrentar a difícil experiência da migração, nas suas diversas expressões: internas
ou internacionais, permanentes ou periódicas, económicas ou políticas, voluntárias
ou forçadas. Em vários casos a partida do próprio país é estimulada por diversas
formas de perseguição, de modo que a fuga se torna necessária. Depois, o próprio
fenómeno da globalização característico da nossa época, não é só um processo socioeconómico,
mas comporta também «uma humanidade que se torna mais interrelacionada», superando
confins geográficos e culturais. A este propósito, a Igreja não cessa de recordar
que o sentido profundo deste processo sazonal e o seu critério ético fundamental são
dados precisamente pela unidade da família humana e pelo seu desenvolvimento no bem
(cf. Bento XVI, Caritas in veritate, 42). Portanto, todos pertencem a uma só família,
migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir
dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja.
Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha. « Numa sociedade em vias
de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumir
as dimensões da família humana inteira, ou seja, da comunidade dos povos e das
nações, para dar forma de unidade e paz à cidade do homem e torná-la em certa medida
antecipação que prefigura a cidade de Deus sem barreiras.» (Bento XVI, Enc. Caritas in
veritate,7). É esta a perspectiva com a qual olhar também para a realidade das migrações.
De facto, como já fazia notar o Servo de Deus Paulo VI, «a falta de fraternidade
entre os homens e entre os povos» é causa profunda de subdesenvolvimento (Enc.
Populorum progressio, 66) e – podemos acrescentar – incide em grande medida sobre
o fenómeno migratório. A fraternidade humana é a experiência, por vezes surpreendente,
de uma relação que irmana, de uma ligação profunda com o próximo, diferente de
mim, baseado no simples facto de sermos homens. Assumida e vivida responsavelmente
ela alimenta uma vida de comunhão e de partilha com todos, sobretudo com os migrantes;
apoia a doação de si aos demais, ao seu bem, ao bem de todos, na comunidade política
local, nacional e mundial. O Venerável João Paulo II, por ocasião deste mesmo Dia
celebrado em 2001, ressaltou que «(o bem comum universal) abrange toda a família
dos povos, acima de todo o egoísmo nacionalista. É neste contexto que se considera
o direito de emigrar. A Igreja reconhece-o a cada homem no duplo aspecto da possibilidade
de sair do próprio País e a possibilidade de entrar num outro à procura de melhores
condições de vida. » (Mensagem para o Dia Mundial das Migrações 2001,3; cf. João
XXIII, Enc. Mater et Magistra,30: Paulo VI, Octogesima Adveniens,17). Ao mesmo
tempo, os Estados têm o direito de regular os fluxos migratórios e de defender as
próprias fronteiras, garantindo sempre o respeito devido à dignidade de cada pessoa
humana. Além disso, os imigrantes têm o dever de se integrarem no país que os recebe,
respeitando as suas leis e a identidade nacional. «Procurar-se-á então conjugar o
acolhimento devido a todo o ser humano, sobretudo no caso de pobres, com a avaliação
das condições indispensáveis para uma vida decorosa e pacífica tanto dos habitantes
originários como dos adventícios» (João Paulo II,Mensagem para o Dia Mundial da Paz
de 2001, 13). Neste contexto, a presença da Igreja, como povo de Deus a caminho
na história no meio de todos os outros povos, é fonte de confiança e esperança.
De facto, a Igreja é «em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento
da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (Conc. Ec. Vat.
II, Const. Dog. Lumen gentium,1); e, graças à acção do Espírito Santo nela, «o
esforço por estabelecer a universal fraternidade não é vão» (Ibid, Const. Past. Gaudium
et spes, 38). De modo particular é a Sagrada Eucaristia que constitui, no coração
da Igreja, uma fonte inexaurível de comunhão para toda a humanidade. Graças a ela,
o Povo de Deus abraça «todas as nações, tribos, povos e línguas» (Ap 7, 9) não
com uma espécie de poder sagrado, mas com o serviço superior da caridade. Com efeito,
a prática da caridade, sobretudo em relação aos mais pobres e débeis, é critério
que prova a autenticidade das celebrações eucarísticas (cf. João Paulo II, Carta
apost. Mane nobiscum Domine, 28). À luz do tema «Uma só família humana», deve ser
considerada especificamente a situação dos refugiados e dos outros migrantes forçados,
que são uma parte relevante do fenómeno migratório. Em relação a estas pessoas,
que fogem de violências e de perseguições, a Comunidade internacional assumiu compromissos
bem determinados. O respeito dos seus direitos, assim como das justas preocupações
pela segurança e pela unidade social, favorecem uma convivência estável e harmoniosa. Também
no caso dos migrantes forçados a solidariedade alimenta-se na «reserva» de amor que
nasce do considerar-se uma só família humana e, para os fiéis católicos, membros do
Corpo Místico de Cristo: somos de facto dependentes uns dos outros, todos responsáveis
dos irmãos e das irmãs em humanidade e, para quem crê, na fé. Como já tive a ocasião
de dizer, «Acolher os refugiados e dar-lhes hospitalidade é para todos um gesto
obrigatório de solidariedade humana, para que eles não se sintam isolados por causa
da intolerância e do desinteresse» (Audiência geral de 20 de Junho de 2007: Insegnamenti
II, 1 [2007], 1158). Isto significa que todos os que são forçados a deixar as suas
casas ou a sua terra serão ajudados a encontrar um lugar no qual viver em paz e
em segurança, onde trabalhar e assumir os direitos e deveres existentes no país
que os acolhe, contribuindo para o bem comum, sem esquecer a dimensão religiosa
da vida. Por fim, gostaria de dirigir um pensamento particular, sempre acompanhado
da oração, aos estudantes estrangeiros e internacionais, que também são uma realidade
em crescimento no âmbito do grande fenómeno migratório. Trata-se de uma categoria
também socialmente relevante na perspectiva do seu regresso, como futuros dirigentes,
aos países de origem. Eles constituem «pontes» culturais e económicas entre estes
países e os que os recebem, e tudo isto se orienta para formar «uma só família
humana». É esta convicção que deve apoiar o compromisso a favor dos estudantes
estrangeiros e acompanhar a atenção pelos seus problemas concretos, como as dificuldades
económicas ou o mal-estar de se sentirem sozinhos ao enfrentar um ambiente social e
universitário muito diferente, assim como as dificuldades de inserção. A este propósito,
apraz-me recordar que « pertencer a uma comunidade universitária significa estar na
encruzilhada das culturas que formaram o mundo moderno» (cf. João Paulo II, Aos Bispos
dos Estados Unidos das Províncias eclesiásticas de Chicago, Indianapolis e Milwaukee
em visita «ad limina», 30 de Maio de 1998, 6: Insegnamenti XXI, 1 [1998], 1116). A
cultura das novas gerações forma-se na escola e na universidade: depende em grande
medida destas instituições a sua capacidade de olhar para a humanidade como para uma
família chamada a estar unida na diversidade. Queridos irmãos e irmãs, o mundo
dos migrantes é vasto e diversificado. Conhece experiências maravilhosas e prometedoras,
assim como, infelizmente, muitas outras dramáticas e indignas do homem e de sociedades
que se consideram civis. Para a Igreja, esta realidade constitui um sinal eloquente
do nosso tempo, que dá mais realce à vocação da humanidade de formar uma só família
e, ao mesmo tempo, as dificuldades que, em vez de a unir, a dividem e dilaceram.
Não percamos a esperança, e rezemos juntos a Deus, Pai de todos, para que nos ajude
a ser, cada um em primeira pessoa, homens e mulheres capazes de estabelecer relações
fraternas; e, a nível social, político e institucional, incrementem-se a compreensão
e a estima recíprocaentre os povos e as culturas. Com estes votos, invocando a intercessão
de Maria Santíssima Stella maris, envio de coração a todos a Bênção Apostólica, de
modo especial aos migrantes e aos refugiados e a quantos trabalham neste importante
âmbito.
Castel Gandolfo, 27 de Setembro de 2010. BENEDICTUS PP. XVI