A arreigada devoção filial do Povo Português à Igreja e ao Papa no discurso de apresentação
das Cartas Credenciais do novo Embaixador de Portugal junto da Santa Sé.
(22/10/2010) Beatíssimo Padre,
Constitui para mim a maior honra pessoal e
profissional apresentar hoje a Vossa Santidade as cartas credenciais pelas quais Sua
Excelência o Presidente da República Portuguesa achou por bem acreditar-me como Embaixador
Extraordinário e Plenipotenciário junto da Santa Sé. Tenho igualmente a honra de
entregar a Vossa Santidade as cartas que dão por terminadas as funções do meu distinto
antecessor, o Embaixador João da Rocha Páris, que durante vários anos aqui representou
Portugal com toda a dedicação. Desejo, ao apresentar-me, cumprir em primeiro lugar
o grato dever de transmitir a Vossa Santidade as respeitosas saudações do Chefe de
Estado Português, assim como a expressão da sua profunda admiração e os seus muito
sinceros votos de bem-estar. É-me igualmente muito grato poder ser, nesta oportunidade,
o intérprete da arreigada devoção filial do Povo Português à Igreja e a Vossa Santidade,
sentimentos estes que Vossa Santidade pôde confirmar por ocasião da memorável visita
com que honrou, há meses, o meu País. Mantêm-se bem presentes na memória de todos
os múltiplos gestos de carinhoso e paternal afecto para com Portugal e para com os
Portugueses que Vossa Santidade, tanto na mencionada visita como ao longo de todo
o seu Pontificado, tem dispensado. Recordo a propósito, com emoção, a canonização
de Frei Nuno de Santa Maria. Como Vossa Santidade tão sabiamente recordou ao chegar
a Lisboa no dia 11 de Maio passado, «logo nos alvores da nacionalidade o Povo Português
voltou-se para o Sucessor de Pedro esperando na sua arbitragem para ver reconhecida
a sua própria existência como Nação». Mais tarde, um Predecessor de Vossa Santidade
honrou Portugal, na pessoa do seu Rei, com o título de Fidelíssimo. Assim tem continuado,
felizmente, a ser ao longo de quase nove séculos. Vossa Santidade, na homilia que
pronunciou a 13 de Maio último no Santuário de Fátima – que tantos designam como o
Altar do Mundo – dignou-se referir o meu País como «Nação gloriosa». Estou certo de
que os Portugueses continuarão a ser dignos de tão generosa confiança. Julgo igualmente
de sublinhar o facto de que, onde houve ou ainda há uma presença histórica ou cultural
portuguesa resultante da extraordinária expansão da lusitanidade, iniciada no período
das grandes descobertas marítimas, também aí hoje se encontra viva e activa a presença
da Igreja de Roma. A língua portuguesa e a cristandade têm efectivamente mantido fortes
laços nas cinco partes do mundo. Portugal, do mesmo modo que a Santa Sé, orienta
a sua actuação nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional,
do respeito pelos direitos humanos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica
dos conflitos e da cooperação internacional como elemento fundamental para o progresso
e desenvolvimento da humanidade. Estes princípios encontram-se inscritos na Constituição
Portuguesa. Acresce que a valiosa experiência cultural da nossa longa história tem
sido determinante para a capacidade universalista que temos para procurar dialogar
com todos os povos, estabelecer pontes e contribuir para gerar consensos. Lembro,
a propósito, que o Povo Português se orgulha, legitimamente, de ter sido o primeiro
na Europa a abolir a pena de morte. Vossa Santidade tem apelado, com insistência,
para que não seja menorizado na vida pública o papel da religião e para que os dirigentes
mundiais busquem os meios de encorajar a todos os níveis o diálogo entre a fé e a
razão. É-me grato frisar que Portugal não apenas participa mas dirige superiormente
as iniciativas no quadro da Aliança das Civilizações, fórum que busca activamente
o indispensável e urgente diálogo intercultural. Recordou também Vossa Santidade
ao visitar Portugal, a propósito das comemorações de um século da proclamação da República
no meu País, que a viragem republicana abriu, na distinção entre Estado e Igreja,
um espaço novo de liberdade para a Igreja que as duas Concordatas, de 1940 e de 2004,
formalizaram. É minha convicção, Beatíssimo Padre, que a Concordata actualmente
em vigor constitui um instrumento plenamente apto a assegurar um relacionamento bilateral
conforme não só com as nobres tradições e profundos laços históricos que evoquei mas
também com os relevantes interesses comuns contemporâneos em frutuosas condições de
estabilidade e de respeito mútuo. Irei trabalhar sempre nesta perspectiva com total
empenho enquanto ocupar as tão honrosas funções que hoje inicio. Termino, solicitando
a Vossa Santidade que paternalmente se digne abençoar Portugal, os Portugueses e os
seus Governantes e, se tal ouso pedir, a Embaixada, a minha Família e eu próprio. [Manuel
Fernandes Pereira]