Rio de Janeiro, 24 jul (RJ) - Embora saibamos que a retroalimentação das notícias
tem as razões econômicas e de audiência, os noticiários, no entanto, estão plenos
de notícias violentas, mais do que o costumeiro. Poderíamos até discutir as opções
editoriais, mas, sem dúvida, tudo isso nos faz pensar sobre tantas situações que machucam
as pessoas só em ouvir alguns fatos. Não penso apenas em questões de violência local
tramada friamente, mas em toda uma situação generalizada e em vários escalões. Não
precisamos descrever as angústias e sobressaltos patentes nos acontecimentos que,
como um raio e na mesma velocidade da luz, atingem-nos a todos no mesmo momento, quase
que instantâneo, por uma mudança de época para a vida digital em que beneficia mais
as relações virtuais do que as relações pessoais. Derrubam nossas crenças e sangram
os corações daqueles que ainda têm um pouco de sensibilidade.
Desde os cataclismos
da Natureza, dos terremotos, maremotos com os tsumanis, as torrentes dos céus que
desabam sobre regiões inteiras espalhando a destruição e a morte, os atentados que
como nuvens sombrias de terror e medo tolhem a liberdade de ir e vir, de gozar dos
privilégios que a técnica nos põe disponíveis, até o convívio mais íntimo do amor
que se destrói no escárnio à vida e ao que é mais sagrado aos corações, é o que nos
atormenta e apavora.
Não é preciso descrevê-los. Abram os jornais, ligue-se
a televisão, ouçam o rádio. A internet atualiza, segundo a segundo, as noticias nos
computadores que, como que se deliciando em ampliar o tétrico, repetem e ampliam os
fatos, dando-lhes contornos mais negros que a escuridão de uma noite de tempestade.
Dizem que ninguém cria os fatos, e isso é verdade, mas ao escolhê-los para divulgar
nós privilegiamos uma visão da vida e da sociedade.
Por que isso acontece,
quando temos tudo a esperar do progresso e do desenvolvimento social? Pensávamos que
o século XXI, com as novas técnicas e os passos dados pela humanidade, nos encontraria
com um respeito maior ao ser humano e com possibilidade de convivência em paz entre
os diferentes.
O homem não é apenas um ser natural. Superior a isto, é um ser
cultural, um ser histórico. Dotado de inteligência, tem consciência de sua vida e
traça seu destino, individual e coletivamente. Ao mesmo tempo é fruto do seu tempo
e impulsiona o seu desenvolvimento ou o seu retrocesso. Acreditamos ainda mais – que
é criado por Deus e tem uma vida eterna! Ao criar-nos, Deus nos deu a liberdade.
Ele apontou-nos os dois caminhos que podemos livremente escolher, o que nos leva à
bênção e à felicidade, e o que conduz à destruição.
Na história, vez por vez,
na civilização, a par da evolução do conhecimento e da técnica, transparece mais;
na escolha individual e social a degradação, que traz consigo as terríveis consequências
que levam ao caos e à morte. São resultados do que escolhemos. Abusamos da Natureza,
saímos da estrada da reta utilização dos bens e recursos naturais, o egoísmo e a luxúria
induzem-nos a desconhecer o outro e a seus direitos, e até a desprezar a nós mesmos.
Enegrecemos a atmosfera com resíduos poluidores e temos o aquecimento global. Destruímos
o mar com a falta de cuidado e atenção, tornando suas águas cristalinas em ondas negras
que extinguem a vida. Extinguimos peixes e animais, quando não praticamos o genocídio
para a seleção da espécie. Optamos pelo hedonismo desenfreado. A riqueza, encapsulada
para uns poucos, escandalosamente roubada de quem trabalha honestamente. Em consequência,
os danos nos achacam individual e coletivamente.
Como o Mestre, o cristão tem
de chorar e lamentar sobre a cidade e clamar que o caminho é outro: “Ah! Se ao menos
neste dia também tu conhecesses a mensagem de paz” (cfr. Lc 19,21).
Um mundo
que prega a morte das crianças no ventre da mãe não está formando o ser humano para
o respeito à vida do outro. Os fatos irão demonstrando a que levam as opções que tanto
difundem os antiquados defensores da morte como a busca de aprovação de leis injustas
contra a pessoa humana.
O desenvolvimento somente se dará plenamente se soubermos
respeitar o homem. Se o homem, reconhecendo a sua insuficiência, prostrar-se diante
do Criador.
A nossa liberdade de escolha tem de ser direcionada para alvos
superiores, de reconhecimento de que formamos uma só família e que a Terra é a nossa
moradia comum. Abrir-nos decididamente para o próximo, reconhecer o seu direito e
tudo dirigir segundo a sua finalidade.
Voltemos ao Evangelho! É tempo de nos
voltarmos para o Deus da Vida e descobrir os valores transcendentais da pessoa humana.
Na busca do progresso e desenvolvimento, a obrigação nossa, de seres a quem foi confiada
a Terra, temos de ordenar tudo para o bem, para a realização plena de nossa natureza,
como pessoa e como sociedade, até atingirmos a perfeição a que fomos destinados na
liberdade de filhos de Deus, pela qual anseia toda a criação.
+ Orani João Tempesta, O.Cist. Arcebispo Metropolitano de São
Sebastião do Rio de Janeiro, RJ