Autoridade política mundial para governar a globalização e superar a crise.
(13/7/2010) Bento XVI apresentou no dia 7 de Julho de 2009, há portanto um ano, a
sua terceira encíclica, "Caritas in Veritate" (A caridade na verdade), um texto de
79 pontos, em que se mostra a um mundo ainda abalado pela crise financeira um conjunto
de orientações para o mundo económico e exigências de solidariedade Lembrar os
pobres e os mais desprotegidos no tempo da globalização é o fio condutor do documento,
que procura apresentar caminhos para o "verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa
e de toda a humanidade". O Papa repete a palavra "caridade", que dava o mote à
sua primeira encíclica abordando desta feita matérias ligadas ao mundo do trabalho,
da economia e do desenvolvimento. No documento, o Santo Padre apresenta como prioridade
a "reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e
financeira internacional", sentida em especial "perante o crescimento incessante da
interdependência mundial", mesmo no meio de uma "recessão igualmente mundial". A
encíclica diz que esta "verdadeira Autoridade política mundial", pedida no texto,
teria como objectivos prioritários "o governo da economia mundial", o desarmamento,
"a segurança alimentar e a paz", a defesa do ambiente e as regulações dos fluxos migratórios.
Outra necessidade apontada é a de ajudar "as economias atingidas pela crise de modo
a prevenir o agravamento da mesma e, em consequência, maiores desequilíbrios". É
sobretudo a questão financeira que merece um olhar atento neste documento, que identifica
"tendência actuais para uma economia a curto, senão mesmo curtíssimo prazo" e assinala
que "isto requer uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus
fins, bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento".
"Um dado é essencial: a necessidade de trabalhar não só para que nasçam sectores
ou segmentos «éticos» da economia ou das finanças, mas também para que toda a economia
e as finanças sejam éticas", assinala o documento, em que nunca aparece a palavra
capitalismo. Bento XVI considera que os "princípios tradicionais da ética social",
como a transparência, a honestidade e a responsabilidade, continuam a ter lugar nos
dias de hoje para enfrentar "problemáticas do desenvolvimento neste tempo de globalização",
em especial perante a crise económico-financeira. O documento indica que "também
nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão
da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da actividade económica normal".
O Papa considera que todo o sistema financeiro "deve ser orientado para dar apoio
a um verdadeiro desenvolvimento". "Há que considerar errada a visão de quantos pensam
que a economia de mercado tenha estruturalmente necessidade duma certa quota de pobreza
e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo", alerta. Neste sentido,
apela a uma regulamentação do sector capaz de impedir "especulações escandalosas",
referindo que à luz da actual crise fica claro que "o progresso económico se revela
fictício e danoso quando se abandona aos «prodígios» das finanças para apoiar incrementos
artificiais e consumistas". "E preciso que as finanças enquanto tais - com estruturas
e modalidades de funcionamento necessariamente renovadas depois da sua má utilização
que prejudicou a economia real - voltem a ser um instrumento que tenha em vista a
melhor produção de riqueza e o desenvolvimento", aponta. "A doutrina social nunca
deixou de pôr em evidência a importância que tem a justiça distributiva e a justiça
social para a própria economia de mercado", prossegue o texto, indicando que "sem
formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir
plenamente a sua própria função económica". Bento XVI sublinha que a actual crise
veio destacar ainda mais "anomalias e problemas dramáticos" presentes no desenvolvimento
económico. "Cresce a riqueza mundial em termos absolutos, mas aumentam as desigualdades.
Nos países ricos, novas categorias sociais empobrecem e nascem novas pobrezas", lamenta,
falando ainda de "situações de miséria desumanizadora", corrupção e ilegalidade. A
encíclica aborda "pecados" económicos e critica a "convicção de ser auto-suficiente".
Mais à frente, diz que "a convicção da exigência de autonomia para a economia, que
não deve aceitar «influências» de carácter moral, impeliu o homem a abusar dos instrumentos
económicos, até mesmo de forma destrutiva". "É preciso evitar que o motivo para
o emprego dos recursos financeiros seja especulativo, cedendo à tentação de procurar
apenas o lucro a breve prazo sem cuidar igualmente da sustentabilidade da empresa
a longo prazo", escreve Bento XVI. No mesmo sentido, precisa-se que "o objectivo
exclusivo de lucro, quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum, arrisca-se
a destruir riqueza e criar pobreza". "A economia tem necessidade da ética para
o seu correcto funcionamento; não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da
pessoa", frisa o Papa. Modelos para a globalização A "sociedade em vias de
globalização" é o alvo preferencial de várias considerações de Bento XVI na "Caritas
in veritate". Olhado para as várias intervenções dos seus predecessores em matéria
social, o actual Papa considera que a principal novidade do nosso tempo "foi a explosão
da interdependência mundial, já conhecida comummente por globalização". "A globalização
- escreve - é um fenómeno pluridimensional e polivalente, que exige ser compreendido
na diversidade e unidade de todas as suas dimensões, incluindo a teológica." Bento
XVI avisa que "o processo de globalização poderia substituir as ideologias com a técnica,
passando esta a ser um poder ideológico", pedindo por isso uma "formação para a responsabilidade
ética no uso da técnica". O Papa não alinha com as "atitudes fatalistas" a respeito
deste fenómeno, que mostra a realidade de "uma humanidade cada vez mais interligada".
Ainda assim, declara que "é preciso corrigir as suas disfunções, tantas vezes graves,
que introduzem novas divisões" e fazer com que "a redistribuição da riqueza não se
verifique à custa de uma redistribuição da pobreza ou até com o seu agravamento, como
uma má gestão da situação actual poderia fazer-nos temer". "Na época da globalização,
a actividade económica não pode prescindir da gratuidade, que difunde e alimenta a
solidariedade e a responsabilidade pela justiça e o bem comum em seus diversos sujeitos
e actores. Trata-se, em última análise, de uma forma concreta e profunda de democracia
económica", observa Bento XVI. Neste contexto, diz o Papa, "eliminar a fome no
mundo tornou-se também um objectivo a alcançar para preservar a paz e a subsistência
da terra". "Poderia revelar-se útil considerar as novas fronteiras abertas por um
correcto emprego das técnicas de produção agrícola, tanto as tradicionais como as
inovadoras, desde que as mesmas tenham sido, depois de adequada verificação, reconhecidas
oportunas, respeitadoras do ambiente e tendo em conta as populações mais desfavorecidas",
indica.