Cidade do Vaticano, 20 jun (RV) - O primeiro dado que devemos observar no
texto de hoje é o da oração. Jesus está em oração e num lugar retirado. Aqui reside
algo muito importante que deve nos levar a refletir nos afazeres do tempo, que muitas
vezes não nos permite sair das atividades cotidianas, a fim de estabelecermos uma
autêntica experiência com Deus. Jesus Cristo, na sua condição humana, deu-nos o exemplo
de uma vida voltada para o Pai, totalmente envolvido na esfera espiritual sem, portanto,
prescindir do relacionamento humano. Seus momentos de oração sempre foram desérticos.
Depois de atender a todos que o acompanhavam, retira-se para um lugar à parte, a fim
de permanecer somente com o Pai.
Os discípulos estavam com Ele. A vida de oração
da Cabeça deve ser também a vida de oração do Corpo. A Igreja está inserida em Cristo,
formando um todo com Ele. De modo que Cristo e a Igreja formam o que Santo Agostinho
chama de “Cristo Total”. È pela fé e pelo batismo que podemos possuir essa realidade.
Na segunda leitura de hoje, S. Paulo nos diz que todos somos filhos de Deus pela fé
em Jesus Cristo. E ainda: “Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes
de Cristo”. A partir dessa afirmação, podemos dizer que a Igreja é a realidade dos
que crêm e foram batizados e, por isso, se tornaram Corpo de Cristo. E como Corpo
Místico, não há outra expressão vital senão aquela mesma de Cristo, Cabeça. Essa reflexão
deve nos levar aos discípulos, que estavam ao lado de Jesus em oração. Eles oravam
com o Mestre, que nos indica que onde está a Cabeça, ali também se encontra o seu
Corpo. Cristo, então, está no deserto com a Igreja.
Na intimidade espiritual,
Jesus quer saber dos seus se há uma verdadeira compreensão de sua pessoa. A primeira
questão de Jesus se refere à visão que o seu contexto tem dEle, ou ainda, à visão
que o mundo tem e tenta implantar nos corações despreparados sobre a sua realidade:
“Quem diz o povo que eu sou?”. Aqui podemos analisar tanto o pensamento do povo quanto
o das autoridades. No pensamento do povo, segundo o texto do evangelho de hoje, Jesus
è João Batista, ou Elias, ou um dos profetas. Para as autoridades, certamente Jesus
deveria ser um falso profeta, um enganador, talvez um corruptor de consciências, um
deturpador da Lei de Deus. Atualmente, o que o mundo diz sobre Jesus? Nas suas experiências,
que coisas escuta sobre Jesus? Jesus è visto segundo a sua realidade mesma ou segundo
o que as pessoas desejam que Ele seja?
A segunda questão de Jesus è colocada
no âmbito da experiência relacional com Ele. Nesse momento não è a visão exterior
da realidade, mas a própria experiência dos discípulos com Jesus que deve ser manifesta.
Depois de uma longa vida de comunhão com o Mestre, estariam os discípulos preparados
agora para responder a pergunta de Jesus? Certamente Jesus não deseja uma definição
de sua pessoa. O que está por trás da questão não è o que se deve definir, mas uma
resposta de adesão à sua Pessoa e à sua obra. Quando Pedro responde que Jesus è o
Messias está entendendo-o segundo a concepção judaica do Messias político-rei. Jesus
se serve desse momento e deixa claro que o tipo messiânico que Ele deve realizar não
è no âmbito político, do poder, mas o do Servo, que dá sua vida, a fim de que todos
sejam salvos. O poder que Ele deseja è o de servir, mesmo tendo que morrer por todos.
Isso significa ação de amor, ou melhor, o amor agindo na nossa história de acordo
com o desejo do Pai presente na criação desde o seu início.
Os discípulos devem
responder a pergunta de Jesus não com palavas, mas com a própria vida, como Igreja,
como Corpo de Cristo, como seus amigos, seguindo o mesmo tipo messiânico, tendo o
mesmo olhar para com o mundo e conscientes da mesma missão. Não temer a cruz è também
algo essencial na vida dos discípulos, que devem ser para o mundo “outros cristos”:
“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me.
Pois quem guiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa
de mim, esse a salvará”.
Nós somos a Igreja de Jesus Cristo e o mundo nosso
campo de ação evangelizadora. Como olhamos para esse mundo? Que coisas descobrimos
nele de verdade e de falsidade? Algo ainda nos prende aos prazeres do mundo? Estamos
aptos para o serviço do Reino de Deus, desapegados de tudo e, por outro lado, amigos
de Cristo? Quem è Cristo para nós?