São Paulo, 12 jun (RV) - No dia 9 de junho a Igreja Católica recorda o bem-aventurado
José de Anchieta, nascido em Tenerife, nas Canárias, em 19 de março de 1534. Com apenas
14 anos de idade, foi estudar humanidades em Coimbra, mas acabou entrando na recém-fundada
Companhia de Jesus. Queria ser padre. As cartas de São Francisco Xavier, um dos primeiros
companheiros de Inácio de Loyola, sobre as missões no Extremo Oriente, e as dos jesuítas
do Brasil despertaram nele grande interesse e o desejo de ser missionário também.
Ainda
noviço, desembarcou em Salvador em julho de 1553 e foi destinado à missão de São Paulo,
no Planalto de Piratininga; ali, juntamente com o padre Manuel da Nóbrega e outros
companheiros jesuítas, edificou uma capelinha e uma escola para os filhos dos indígenas
e dos portugueses. Tudo conforme orientações recebidas do fundador da Companhia de
Jesus. Podiam eles imaginar que a humilde aldeia, nascida à sombra da capela e do
colégio, viria a ser "a Pauliceia desvairada", nossa vibrante e complexa metrópole
paulistana?!
Anchieta foi um homem dinâmico e perspicaz. Vendo o interesse
dos índios pelos cantos e danças dos meninos portugueses, tratou logo de aprender
a língua dos nativos para lhes apresentar a mensagem do Evangelho por meio da música
e do teatro. Constatou também que, mais que ouvir contar histórias, os índios queriam
vê-las acontecer. Escreveu, então, peças de teatro em tupi, para serem encenadas pelos
indígenas; isso se tornou parte de seu método catequético. Não sem razão, pode ser
considerado o primeiro teatrólogo do Brasil. É autor também da primeira "gramática
da língua mais falada na costa do Brasil", isto é, o tupi. E ainda escreveu um catecismo
na mesma língua.
Anchieta foi a alma do colégio, onde os filhos de indígenas
e brancos aprendiam a ler, escrever e cantar, além de assimilar a doutrina cristã.
O atual Pátio do Colégio conserva bem a memória desse início da cidade de São Paulo,
embora as edificações ali existentes já não sejam as originais. Marcas indeléveis
foram deixadas por ele também em outras numerosas cidades da costa brasileira, desde
Cananeia, na divisa de São Paulo com o Paraná, até Olinda, em Pernambuco. De fato,
chegou a ser o responsável por todas as missões nessa área do Brasil, percorrendo-as
e organizando novas iniciativas. Nas suas cartas ao superior geral da Companhia de
Jesus, mostrou-se um observador atento das tradições e dos costumes indígenas, do
clima, da fauna e flora, da geografia e da natureza das regiões percorridas. Suas
informações são fonte preciosa para a pesquisa sobre o Brasil do século 16.
Mas
Anchieta foi, sobretudo, um homem de Deus, um missionário corajoso e dedicado ao bem
dos povos indígenas. Por eles arriscou a vida, na tentativa de pacificar os grupos
em conflito entre si, ou com os portugueses. Na Confederação dos Tamoios, enquanto
o padre Nóbrega negociava a paz entre estes e os tupis, Anchieta ofereceu-se como
refém dos tamoios, para lhes demonstrar a sinceridade de seus esforços pacificadores.
Ficou refém por longos três meses, enquanto via outros prisioneiros sendo sacrificados
em ritos antropofágicos. Ele mesmo também temeu por sua vida. Foi nessas circunstâncias
que invocou a proteção da Mãe de Cristo e prometeu escrever-lhe um belo poema. Começou
a fazê-lo, ainda prisioneiro, escrevendo nas areias da praia de Iperoig, hoje Ubatuba.
Seu Poema à Virgem Maria é de rara beleza e inspiração poética, também revelando profundos
conhecimentos teológicos.
Uma vez libertado, o jovem missionário recebeu a
ordenação sacerdotal. Mais do que nunca, continuou a falar de Deus, celebrando os
sacramentos, visitando doentes e levando paz e conforto espiritual às pessoas aflitas.
Todos foram merecedores de sua atenção sacerdotal: indígenas, brancos e negros. Três
cartas suas atestam seu trabalho em prol dos negros traficados da Guiné, já naqueles
anos.
Foi um sacerdote incansável, como testemunha uma carta de 1560, escrita
por ele ao superior geral da Companhia: "Quase sem cessar, andamos visitando várias
povoações, assim de índios como de portugueses, sem fazer caso das calmas, das chuvas
ou grandes enchentes de rios, muitas vezes de noite, por bosques mui escuros, a socorrer
os enfermos, não sem grande trabalho, assim pela aspereza dos caminhos como pelo desconforto
do tempo, sendo tantas essas povoações, e tão longe umas das outras, que não somos
bastantes a acudir tão várias necessidades. Soma-se a isso que nós mesmos, que socorremos
as necessidades dos outros, muitas vezes estamos mal dispostos e fatigados de dores,
desfalecemos no caminho, de maneira que apenas o podemos acabar. Assim, não menos
parecem ter necessidade de ajuda os médicos que os mesmos enfermos. Mas nada é árduo
para os que têm por meta tão somente a glória de Deus e a salvação das almas, pelas
quais não duvidarão dar a própria vida."
A morte alcançou-o em plena missão,
numa de suas visitas ao Espírito Santo, no dia 9 de junho de 1597. O lugar leva hoje
seu nome: Anchieta. Nos funerais, numerosos indígenas e portugueses o aclamaram como
"apóstolo do Brasil". O papa João Paulo II beatificou-o em 1980 e a causa de sua canonização
está bem encaminhada. Conforme normas da Igreja, espera-se por um milagre, realizado
por Deus pela intercessão de Anchieta. Seria a confirmação do Alto sobre a santidade,
vivida na Terra de Santa Cruz, por esse sacerdote extraordinário.
Mesmo se
os transeuntes apressados não repararem num monumento alto, debaixo das árvores da
Praça da Sé, São Paulo nunca esqueça seu berço: uma escola e uma capelinha humilde,
de onde um padre invocava bênçãos celestes sobre o povo do Planalto de Piratininga.
Que ele continue a interceder junto de Deus, a metrópole precisa! (Cardeal Odilo Pedro
Scherer, arcebispo de São Paulo, para o jornal O Estado de São Paulo)