Rio de Janeiro, 29 mai (RV) - Celebramos neste domingo a Solenidade da Santíssima
Trindade. Chegamos praticamente no centro cronológico do Ano Litúrgico com um olhar
para os mistérios da Encarnação e Redenção que vivemos e descortinando os passos futuros
da Igreja em sua caminhada histórica. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus,
que é Um só em Três Pessoas – comunhão perfeita. Por isso somos destinados à unidade
e comunhão e experimentamos a necessidade de estar com o Senhor, pois “inquieto estará
sempre o nosso coração enquanto não repousar na comunhão trinitária”.
Toda
liturgia é a contínua adoração de Deus nas Três Pessoas: “Santo, Santo, Santo, é o
Senhor, Deus do universo”, cantamos sempre que celebramos a Eucaristia. Glorificamos
o Deus vivo e verdadeiro, Deus que vive eternamente e habita em luz inacessível. Deus
que deu origem ao universo, que com sabedoria e amor fez todas as suas obras. Deus
que criou o homem à sua imagem e semelhança. Unindo-nos aos anjos que vos servem e
glorificam sem cessar, contemplando a vossa glória, também nós e, por nossa voz, tudo
o que criastes celebramos o vosso nome o canto de louvor (cfr. Oração Eucarística
IV).
A doutrina trinitária professa que o conceito da existência de Um só Deus,
Onipotente, Onisciente e Onipresente, revelado em Três Pessoas distintas, pode-se
depreender de muitos trechos da Bíblia, como, por exemplo, o relato sobre o Batismo
de Jesus, em que as “três Pessoas da Trindade” se fazem presentes, com a voz do Pai
Celeste dizendo: “Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (Lc 3, 22), e na fórmula
tardia de São Mateus: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os
em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Portanto, o termo
Trindade é consequência da revelação que nos vem nas Escrituras Sagradas e foi dado
pela Igreja à doutrina que define a personalidade e a ação de Deus na Bíblia, onde
Deus é: Pai, Filho e Espírito Santo, um Deus Uno e Trino.
Nos inícios da fé
na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, foi uma experiência de fé mais que uma doutrina
elaborada. Batizava-se em nome da Trindade (Cf. Mt 28,19) e junto, a profissão de
fé, considerada como “regra de fé”, pois expressa os princípios fundamentais de identificação
da comunidade cristã. A partir dos meados do século II começam a aparecer as formulações
teológicas sobre a Santíssima Trindade, surgindo assim ao lado da fé na Trindade a
doutrina trinitária. A Trindade devia ser sustentada e defendida diante do monoteísmo
judaico, contra o politeísmo grego e contra a doutrina das emanações e mediações da
filosofia neoplatônica e as especulações teogônicas dos gnósticos.
Santo Atanásio
(sec. IV) assim nos esclarece: “A nossa fé é esta: cremos na Trindade santa e perfeita,
que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho;
não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é potência e força operativa; uma
só é a sua natureza, uma só é a sua eficiência e ação. O Pai cria todas as coisas
por meio do Verbo, no Espírito Santo, e deste modo, se afirma a unidade da Santíssima
Trindade.” Deus gera pelo Espírito, que é amor. Ele é Pai pelo amor que tem ao
Filho. Sua paternidade é mistério insondável: Ele, em seu infinito amor, gera o Filho
por toda a eternidade, e a relação de amor do Pai para com o Filho, e do Filho para
com o Pai, expira o Espírito Santo, que é igual ao Pai e ao Filho em divindade. Eles
são de uma única substância ou essência; não há contradição entre Eles, o que um é,
os outros também são, é uma profunda relação de amor e unidade.
A geração do
Filho, que é a origem da criação, é também seu futuro: “tudo foi criado na direção
dele” (Cl 1,16). A atividade do Pai tem por termo sempre o Filho; portanto, Deus cria
o mundo encaminhando-o na direção de Cristo. O mundo nasce num movimento que o leva
na direção do Filho em seu eterno nascimento. Em seu eterno nascimento, Cristo é o
alfa e o ômega da criação (Ap 21,6); o alfa do qual surgem as criaturas, e o ômega
que as chama e plenifica. É assim que, em sua vida terrestre, o próprio Jesus partia
de seu eterno nascimento filial e ia à direção dele. O mistério da salvação se
recobre com o da encarnação. Mediante sua vida e sua morte Jesus se deixa gerar pelo
Pai. Com efeito, como o papel de Deus é o de ser Pai, o de Jesus é o de ser Filho.
O drama da salvação se joga na relação mútua entre o Pai e o homem Jesus, Filho de
Deus. Sendo paterna e filial, a obra da redenção é cheia do Espírito Santo.
O
mistério do Pai, do Filho e do Espírito Santo se interioriza no mundo para levá-lo
à sua eterna realização, isto é, sua salvação. Em seu amor aos homens, Deus entrega
seu Filho, gerando-o neste mundo. Seu ser se identifica com sua paternidade, e toda
sua atividade se empenha na geração do Filho.
Portanto, Deus, na plenitude
dos tempos, revelou-se aos homens na pessoa de seu Filho Jesus, elevando assim a compreensão
humana do próprio Deus e dos seus desígnios para com a humanidade. E o desígnio de
Deus é que o homem sacie sua sede na Fonte que jorra água viva, onde toda limitação
é dissipada pelo infinito amor do Pai que presenteia a humanidade com a doação de
seu Filho na ação do Espírito. Deus chama o homem para viver a sua vida. No evento
Pascal, Deus se revela Trindade. O Mistério Pascal é a revelação histórica concreta
de Deus – Amor – Trindade. Porque Deus é Trindade, cria e destina o homem a participar
da comunhão divina.
Por isso, “não devemos perder de vista a tradição, a doutrina
e a fé da Igreja Católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram
e os Santos Padres transmitiram.” (Santo Atanásio)
“Senhor Deus, Pai onipotente,
olhai os vossos filhos que Vos adoram; abençoai-os e protegei-os pelo vosso Filho
unigênito no poder do Espírito Santo e fazei que em vossos louvores encontremos sempre
mais alegrias” (liturgia ambrosiana).
Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo
Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ (CM)