2010-05-25 13:52:43

IGREJA E SENADO FEDERAL RECORDAM DIA NACIONAL DO CIGANO


Eunápolis, 25 mai (RV) - Nesta segunda-feira, 24, comemorou-se o Dia Nacional do Cigano, celebrado oficialmente no país desde 2006 quando, por decreto presidencial, foi instituído em reconhecimento à importância da contribuição da etnia ao processo de formação da história e da identidade cultural brasileira.

Nesta quarta-feira (26), o Senado Federal realiza uma audiência pública sobre a situação dos ciganos no país, na qual também será debatida a implementação de políticas públicas para essa comunidade. A reunião é promovida pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS) e foi solicitada pelo senador Paulo Paim (PT-RS).

Ontem, o presidente da Pastoral dos Nômades da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), emitiu uma nota na qual ressalta a importância social e cultural do povo nômade.

“Povo de Deus que é itinerante pelo mundo e pelas estradas da vida. Fazendo memória desse Povo de Deus de outrora, que é o mesmo de hoje, a Igreja se adapta aos novos desafios, aos sinais do tempo, para acolher, evangelizar e mostrar que eles são dignos do Reino, porque são herdeiros da Graça, filhos da promessa, lembrando a figura de Abraão.”

Leia abaixo, na íntegra, a Carta aos Ciganos:

24 de Maio dia Nacional do Cigano
Mestre Onde Moras? (Jo 1,39).

A Igreja de Deus é ao mesmo tempo Mãe e Mestra, Senhora e Rainha, Tenda e Lugar da Bênção. Por isso mesmo, ela é a forte expressão do abraço acolhedor do Pai que indiscriminadamente acolhe a todos. E Deus não abandona nunca seu povo. Porque é Pai, é Amor, é Misericórdia, é Perdão. Neste dia, quero lembrar que a Igreja acolhe esse Povo de Deus que é caminheiro, que montou sua tenda no deserto, que se refugiou em terra estrangeira, que fugiu do inimigo para não negar a fé, e que sacrificou a própria vida para ganhá-la, de acordo com as narrativas do Antigo Testamento. Povo de Deus que é itinerante pelo mundo e pelas estradas da vida. Fazendo memória desse Povo de Deus de outrora, que é o mesmo de hoje, a Igreja se adapta aos novos desafios, aos sinais do tempo para acolher, evangelizar e mostrar que eles são dignos do Reino, porque são herdeiros da Graça, filhos da promessa, lembrando a figura de Abraão.

Estamos falando de nossos irmãos e irmãs, ciganos, Ciganas e circenses e parquistas. Por motivos ou necessidades diferentes, buscando ou fugindo, eles estão sempre na estrada.
A Pastoral dos Nômades é a expressão concreta de nosso tempo, para acolher essa parcela do Povo de Deus, sendo sinal referencial, e nosso referencial é Cristo, Aquele que acolhe, orienta e conduz todos à salvação. (Cf. 1Tm 2,4).

Atualmente, muitos dos povos itinerantes desenvolveram um modo de vida; outrora esse modo de vida muitas vezes lhes foi imposto por diversas situações de desconforto e risco. Todos nós, nos primórdios de nossa caminhada sobre a terra, éramos nômades, porque buscávamos o alimento, e não o produzíamos; hoje, muitos dos povos migrantes e itinerantes o são pela mesma carência, ou seja, pela distribuição desigual das riquezas, que os leva a nada ter e ter de sair em busca da subsistência. Outros, mais afortunados, desenvolveram a subsistência atrelada ao modo de vida itinerante, e com isso despertaram a desconfiança dos homens que, mais felizes, encontraram as suas terras prometidas, e nelas se estabeleceram. Dessa reflexão resta óbvio que a responsabilidade entre uns e outros é real, assim como é incontroversa a responsabilidade da Igreja, Mãe de todos, para a todos fornecer a evangelização, o Cristo que é a lanterna que ilumina os caminhos tanto quanto ilumina a casa, o cajado do caminheiro tanto quanto o esteio da casa. Assim, para todos a luz do Cristo, da qual somos humildes guardiães e transmissores, há de ser levada a todos os povos, e se há de pensar quão importante, se não mais importante, para os que trilham caminhos sempre novos e desconhecidos.

Recordemos sempre que a Igreja toda é missionária, e que a missão é, sobretudo a irradiação da Glória de Deus. A Igreja começou com os apóstolos, dois a dois, enviados pelo Cristo, renunciando a si mesmos e partindo sem bagagem ou pertences, para salvar o mundo, (Cf. Mt 10,5; Lc 9,2; c 6,7; Jo 20,21). Por isso, respeitando as suas origens, precisa estar aberta para acolher, ouvir e depois proclamar as glórias de Deus, a todos os homens cuja vida é caminhar. Ouvir e proclamar as grandes obras realizadas por Deus e ao mesmo tempo ser convertida e reunida de novo na fé (EN).

Pela experiência da catolicidade, a Igreja deve se tornar, ou voltar a ser, ela própria cigana, ela própria, itinerante, ela própria imigrante, para que eles possam ser Igreja. Não podemos compactuar com atitudes de desrespeito à dignidade humana, de incoerência no tratamento interpessoal, marginalização, negação da cultura, exclusão da religião e tantas outras posturas contraditórias à fé cristã, que foram praticadas em muitos períodos da História. Tudo isso foi alimentado pela ignorância dos valores éticos e cristãos, pela ausência de referenciais que extinguissem as diferenças, diminuíssem as distâncias e, sobretudo evidenciassem com maior afinco os sinais de pertença e participação dessa porção do Povo de Deus que caminha, com essa Igreja que também é peregrina na História, caminhando para a Eternidade com Cristo.
Exatamente no âmbito da História, temos a oportunidade de vislumbrar os inúmeros testemunhos dados pela Igreja no processo de inculturação dos costumes e das tradições.

Não podemos perder de vista a prioridade da evangelização, da presença e da partilha proporcionada pela Igreja junto aos nômades, da mesma forma que essa prioridade não pode ser transformada em assistencialismo.

Receber sem reservas. Dar especial atenção ao hóspede. Dar o melhor conforto. E por fim, proporcionar ao hóspede sentar e partilhar a mesa. A mesa como centro da família, como lugar da partilha do pão, da doação mútua, da intimidade e principalmente da identificação e do reconhecimento. (Cf. Lc 24).

Quem acolhe deve ser sinal da bênção de Deus para o acolhido e quem é acolhido deve ser sinal de Deus para quem acolhe.

Um rápido olhar sobre a trajetória desses povos nos mostra alguns elementos muito fortes que marcaram esse caminho nem sempre confortável, nem sempre humano, de ser cidadão do mundo. Talvez o grande problema tenha sido gerado pelos padrões que adotamos, para definir no viés da história o que é certo e o que é errado, enquanto que a Igreja quis sempre acolher incondicionalmente. A ignorância das diversas manifestações culturais, além da rejeição e crítica ao desconhecido, gera o preconceito contra os povos itinerantes e a sua conseqüente marginalização. A espiritualidade cristã, nessa mesma linha, nos mostra em várias situações bíblicas que o homem que caminha em busca de Deus ou com Deus é um constante itinerante no crescimento espiritual (cf. Salmo 119).

O homem moderno, acomodado ao seu modo de vida mais confortável que nunca, mais estacionado em padrões de conveniência que de realização, de status que de valores reais, rejeita o desconhecido, rejeita aquele povo ou aquele indivíduo que pode ser, pela sua chegada simplesmente, motivo de transformação, ensejo para evolução a um novo e desconhecido caminho. Por isso a rejeição por parte de quem está em melhores condições, daquele que vem em busca de auxílio. Essa atitude é a negação de tudo o que a Igreja prega, porque nega a acolhida, nega o encontro, nega a fraternidade, que são os valores contidos nos ensinamentos do Cristo, os únicos, realmente, que valem a pena, e pelos quais vale a pena morrer.
Se a própria vida cristã é caminhar da terra para a luz, do húmus para o espírito, do conhecido para o desconhecido inefável, há de se respeitar o povo que caminha, o povo que ainda busca, e que ainda é o mais vivo exemplo dos caminhos do homem para Deus.

Por fim, conhecedores que somos, através do testemunho bíblico, dos documentos da Igreja e da própria catequese dinâmica através dos séculos, de que esses povos cruzaram o caminho do descrédito à confiança, fizeram-se conhecidos, conquistando um lugar no seio da Igreja, de onde na realidade nunca estiveram ausentes, porque filhos de Deus, e que assumiram essa fé também pela acolhida da palavra de Deus, e crescem no Brasil visivelmente, enfim, conscientes de tudo isso, entendemos que assim estamos realizando verdadeiramente a catolicidade.

E, apenas para confirmar um elo que na verdade nunca deixou de existir, lembremo-nos que o povo de Deus, deixando a comodidade da escravidão no Egito, levou consigo, por anos e anos de deserto, a até que sua transformação fosse consumada, a Arca da Aliança. Levou consigo, vagando pelos caminhos, a sua fé, a sua riqueza, o seu Deus. Porque o Deus, o amor, a fé dos homens, não dependem das casas nem das cidades; a sua verdadeira morada é o coração.
Salve 24 de maio , dia do Cigano, de Nossa Senhora Auxiliadora, Santa Sahra Cali.

Eunápolis, 24 de Maio de 2010.
Dom José Edson Santana Oliveira.
Bispo diocesano e presidente Nacional da Pastoral dos Nômades
(CM-CNBB)







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