Não está concluída a missão profética de Fátima. A fé em Deus abre ao homem o horizonte
de uma esperança certa: Bento XVI na Missa de 13 de Maio
Queridos peregrinos,
«A linhagem do povo de Deus será conhecida […]
como linhagem que o Senhor abençoou» (Is 61, 9). Assim começava a primeira leitura
desta Eucaristia, cujas palavras encontram uma realização admirável nesta devota assembleia
aos pés de Nossa Senhora de Fátima. Irmãs e irmãos muito amados, também eu vim como
peregrino a Fátima, a esta «casa» que Maria escolheu para nos falar nos tempos modernos.
Vim a Fátima para rejubilar com a presença de Maria e sua materna protecção. Vim a
Fátima, porque hoje converge para aqui a Igreja peregrina, querida pelo seu Filho
como instrumento de evangelização e sacramento de salvação. Vim a Fátima para rezar,
com Maria e tantos peregrinos, pela nossa humanidade acabrunhada por misérias e sofrimentos.
Enfim, com os mesmos sentimentos dos Beatos Francisco e Jacinta e da Serva de Deus
Lúcia, vim a Fátima para confiar a Nossa Senhora a confissão íntima de que «amo»,
de que a Igreja, de que os sacerdotes «amam» Jesus e n’Ele desejam manter fixos os
olhos ao terminar este Ano Sacerdotal, e para confiar à protecção materna de Maria
os sacerdotes, os consagrados e consagradas, os missionários e todos os obreiros do
bem que tornam acolhedora e benfazeja a Casa de Deus.
São a linhagem que o
Senhor abençoou… Linhagem que o Senhor abençoou és tu, amada diocese de Leiria-Fátima,
com o teu Pastor Dom António Marto, a quem agradeço a saudação inicial e todas as
atenções com que me cumulou nomeadamente através de seus colaboradores neste santuário.
Saúdo o Senhor Presidente da República e demais autoridades ao serviço desta Nação
gloriosa. Idealmente abraço todas as dioceses de Portugal, aqui representadas pelos
seus Bispos, e confio ao Céu todos os povos e nações da terra. Em Deus, estreito ao
coração todos os seus filhos e filhas, especialmente quantos vivem atribulados ou
abandonados, no desejo de comunicar-lhes aquela esperança grande que arde no meu coração
e que, em Fátima, se faz encontrar mais sensivelmente. A nossa grande esperança lance
raízes na vida de cada um de vós, amados peregrinos aqui presentes, e de quantos estão
em comunhão connosco através dos meios de comunicação social.
Sim! O Senhor,
a nossa grande esperança, está connosco; no seu amor misericordioso, oferece um futuro
ao seu povo: um futuro de comunhão consigo. Tendo experimentado a misericórdia e consolação
de Deus que não o abandonara no fatigante caminho do regresso do exílio de Babilónia,
o povo de Deus exclama: «Exulto de alegria no Senhor, a minha alma rejubila no meu
Deus» (Is 61, 10). Filha excelsa deste povo é a Virgem Mãe de Nazaré, a qual, revestida
de graça e docemente surpreendida com a gestação de Deus que se estava operando no
seu seio, faz igualmente sua esta alegria e esta esperança no cântico do Magnificat:
«O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador». Entretanto não se vê como privilegiada
no meio de um povo estéril, antes profetiza-lhe as doces alegrias duma prodigiosa
maternidade de Deus, porque «a sua misericórdia se estende de geração em geração sobre
aqueles que O temem» (Lc 1, 47.50).
Prova disto mesmo é este lugar bendito.
Mais sete anos e voltareis aqui para celebrar o centenário da primeira visita feita
pela Senhora «vinda do Céu», como Mestra que introduz os pequenos videntes no conhecimento
íntimo do Amor Trinitário e os leva a saborear o próprio Deus como o mais belo da
existência humana. Uma experiência de graça que os tornou enamorados de Deus em Jesus,
a ponto da Jacinta exclamar: «Gosto tanto de dizer a Jesus que O amo. Quando Lho digo
muitas vezes, parece que tenho um lume no peito, mas não me queimo». E o Francisco
dizia: «Do que gostei mais foi de ver a Nosso Senhor, naquela luz que Nossa Senhora
nos meteu no peito. Gosto tanto de Deus!» (Memórias da Irmã Lúcia, I, 40 e 127).
Irmãos,
ao ouvir estes inocentes e profundos desabafos místicos dos Pastorinhos, poderia alguém
olhar para eles com um pouco de inveja por terem visto ou com a desiludida resignação
de quem não teve essa sorte mas insiste em ver. A tais pessoas, o Papa diz como Jesus:
«Não andareis vós enganadas, ignorando as Escrituras e o poder de Deus?» (Mc 12, 24).
As Escrituras convidam-nos a crer: «Felizes os que acreditam sem terem visto» (Jo
20, 29), mas Deus – mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio (cf. Santo
Agostinho, Confissões, III, 6, 11) – tem o poder de chegar até nós nomeadamente através
dos sentidos interiores, de modo que a alma recebe o toque suave de algo real que
está para além do sensível, tornando-a capaz de alcançar o não-sensível, o não-visível
aos sentidos. Para isso exige-se uma vigilância interior do coração que, na maior
parte do tempo, não possuímos por causa da forte pressão das realidades externas e
das imagens e preocupações que enchem a alma (cf. Card. Joseph Ratzinger, Comentário
teológico da Mensagem de Fátima, ano 2000). Sim! Deus pode alcançar-nos, oferecendo-Se
à nossa visão interior.
Mais ainda, aquela Luz no íntimo dos Pastorinhos, que
provém do futuro de Deus, é a mesma que se manifestou na plenitude dos tempos e veio
para todos: o Filho de Deus feito homem. Que Ele tem poder para incendiar os corações
mais frios e tristes, vemo-lo nos discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 32). Por isso a
nossa esperança tem fundamento real, apoia-se num acontecimento que se coloca na história
e ao mesmo tempo excede-a: é Jesus de Nazaré. E o entusiasmo que a sua sabedoria e
poder salvífico suscitavam nas pessoas de então era tal que uma mulher do meio da
multidão – como ouvimos no Evangelho – exclama: «Feliz Aquela que Te trouxe no seu
ventre e Te amamentou ao seu peito». Contudo Jesus observou: «Mais felizes são os
que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 27. 28). Mas quem tem tempo
para escutar a sua palavra e deixar-se fascinar pelo seu amor? Quem vela, na noite
da dúvida e da incerteza, com o coração acordado em oração? Quem espera a aurora do
dia novo, tendo acesa a chama da fé? A fé em Deus abre ao homem o horizonte de uma
esperança certa que não desilude; indica um sólido fundamento sobre o qual apoiar,
sem medo, a própria vida; pede o abandono, cheio de confiança, nas mãos do Amor que
sustenta o mundo.
«A linhagem do povo de Deus será conhecida […] como linhagem
que o Senhor abençoou» (Is 61, 9) com uma esperança inabalável e que frutifica num
amor que se sacrifica pelos outros, mas não sacrifica os outros; antes – como ouvimos
na segunda leitura – «tudo desculpa, tudo acredita, tudo espera, tudo suporta» (1
Cor 13, 7). Exemplo e estímulo são os Pastorinhos, que fizeram da sua vida uma doação
a Deus e uma partilha com os outros por amor de Deus. Nossa Senhora ajudou-os a abrir
o coração à universalidade do amor. De modo particular, a beata Jacinta mostrava-se
incansável na partilha com os pobres e no sacrifício pela conversão dos pecadores.
Só com este amor de fraternidade e partilha construiremos a civilização do Amor e
da Paz.
Iludir-se-ia quem pensasse que a missão profética de Fátima esteja
concluída. Aqui revive aquele desígnio de Deus que interpela a humanidade desde os
seus primórdios: «Onde está Abel, teu irmão? […] A voz do sangue do teu irmão clama
da terra até Mim» (Gn 4, 9). O homem pôde despoletar um ciclo de morte e terror, mas
não consegue interrompê-lo… Na Sagrada Escritura, é frequente aparecer Deus à procura
de justos para salvar a cidade humana e o mesmo faz aqui, em Fátima, quando Nossa
Senhora pergunta: «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos
que Ele quiser enviar-vos, em acto de reparação pelos pecados com que Ele mesmo é
ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores?» (Memórias da Irmã Lúcia, I, 162).
Com
a família humana pronta a sacrificar os seus laços mais sagrados no altar de mesquinhos
egoísmos de nação, raça, ideologia, grupo, indivíduo, veio do Céu a nossa bendita
Mãe oferecendo-Se para transplantar no coração de quantos se Lhe entregam o Amor de
Deus que arde no seu. Então eram só três, cujo exemplo de vida irradiou e se multiplicou
em grupos sem conta por toda a superfície da terra, nomeadamente à passagem da Virgem
Peregrina, que se votaram à causa da solidariedade fraterna. Possam os sete anos que
nos separam do centenário das Aparições apressar o anunciado triunfo do Coração Imaculado
de Maria para glória da Santíssima Trindade.