"Para todos. independentemente da sua fé e religião, a minha saudação amiga!": Bento
XVI, à sua chegada a Lisboa (texto integral do discurso)
Senhor Presidente da República, Ilustres Autoridades da Nação, Venerados Irmãos no
Episcopado, Senhoras e Senhores!
Só agora me foi possível
aceder aos amáveis convites do Senhor Presidente e dos meus Irmãos Bispos para visitar
esta amada e antiga Nação, que comemora no corrente ano um século da proclamação da
República. Ao pisar o seu solo pela primeira vez desde que a Providência divina me
chamou à Sé de Pedro, sinto-me honrado e agradecido pela presença deferente e acolhedora
de todos vós. Agradeço-lhe, Senhor Presidente, as suas cordiais expressões de boas-vindas,
dando voz aos sentimentos e esperanças do bom povo português. Para todos, independentemente
da sua fé e religião, vai a minha saudação amiga, com um pensamento particular para
quantos não podem vir ao meu encontro. Venho como peregrino de Nossa Senhora de Fátima,
investido pelo Alto na missão de confirmar os meus irmãos que avançam na sua peregrinação
a caminho do Céu.
Logo aos alvores da nacionalidade, o povo português voltou-se
para o Sucessor de Pedro esperando na sua arbitragem para ver reconhecida a própria
existência como Nação; mais tarde, um meu Predecessor havia de honrar Portugal, na
pessoa do seu Rei, com o título de fidelíssimo (cf. Pio II, Bula Dum tuam, 25/I/1460),
por altos e continuados serviços à causa do Evangelho. Que depois, há 93 anos, o Céu
se abrisse precisamente sobre Portugal – como uma janela de esperança que Deus abre
quando o homem lhe fecha a porta – para reatar, no seio da família humana, os laços
da solidariedade fraterna assente no mútuo reconhecimento de um só e mesmo Pai, trata-se
de um amoroso desígnio de Deus; não dependeu do Papa nem de qualquer outra autoridade
eclesial: «Não foi a Igreja que impôs Fátima – diria o Cardeal Manuel Cerejeira, de
veneranda memória –, mas Fátima que se impôs à Igreja».
Veio do Céu a Virgem
Maria para nos recordar verdades do Evangelho que são para a humanidade, fria de amor
e desesperada de salvação, fonte de esperança. Naturalmente esta esperança tem como
dimensão primária e radical, não a relação horizontal, mas a vertical e transcendente.
A relação com Deus é constitutiva do ser humano: foi criado e ordenado para Deus,
procura a verdade na sua estrutura cognitiva, tende ao bem na esfera volitiva, é atraído
pela beleza na dimensão estética. A consciência é cristã na medida em que se abre
à plenitude da vida e da sabedoria, que temos em Jesus Cristo. A visita, que agora
inicio sob o signo da esperança, pretende ser uma proposta de sabedoria e de missão.
De
uma visão sábia sobre a vida e sobre o mundo deriva o ordenamento justo da sociedade.
Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza nem
privatiza a essencial consideração do sentido humano da vida. Não se trata de um confronto
ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido
à qual se entrega a própria liberdade. O que divide é o valor dado à problemática
do sentido e a sua implicação na vida pública. A viragem republicana, operada há cem
anos em Portugal, abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade
para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e 2004 formalizariam, em contextos
culturais e perspectivas eclesiais bem demarcados por rápida mudança. Os sofrimentos
causados pelas mutações foram enfrentados geralmente com coragem. Viver na pluralidade
de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo
e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade,
inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio.
Queridos irmãos
e amigos portugueses, agradeço-vos uma vez mais as calorosas boas-vindas. Deus abençoe
a quantos aqui se encontram e todos os habitantes desta nobre e dilecta Nação, que
confio a Nossa Senhora de Fátima, imagem sublime do amor de Deus que a todos abraça
como filhos.