São Paulo, 10 mai (RV) - Falta apenas a votação de alguns destaques para que
a Câmara dos Deputados acabe de aprovar mais um projeto de lei de iniciativa popular,
que recebeu o significativo nome de “Projeto Ficha Limpa”. Depois o projeto irá para
o Senado. A proposta esteve em discussão no Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
por vários anos e foi apresentada na assembleia geral da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) em abril de 2008, recebendo a acolhida unânime do episcopado
católico nacional e a promessa de seu empenho para promover a coleta das assinaturas
necessárias, como prescreve a Constituição.
O projeto de lei, que prevê o veto
da candidatura a cargos políticos para pessoas condenadas por crimes graves, vem complementar
a lei 9840, contra corrupção eleitoral, que já rendeu muitos frutos para o País. Com
a CNBB, a OAB, associações de magistrados e procuradores da justiça, muitas outras
organizações da sociedade somaram esforços e recolheram mais de um milhão e seiscentas
mil assinaturas em todo o Brasil. Na campanha virtual, acrescentaram-se a essas ainda
outras duas milhões de assinaturas. O enorme volume de folhas assinadas, junto com
o texto da proposta de lei, foi introduzido e recebido pela Câmara em setembro de
2009, justamente quando a lei 9840, conhecida em Brasília como “a lei dos bispos”,
completava 10 anos.
O acolhimento e a assinatura da proposição na Câmara por
um grupo representativo de parlamentares de todos os partidos políticos, evidenciou
que não se tratava do projeto de um grupo ou partido, mas representava o anseio de
toda a sociedade brasileira. Outros textos parados na Câmara, com teor e interesse
semelhantes, foram agrupados dentro desse único projeto de lei.
Em seguida,
foi novamente decisiva a participação da sociedade civil, que manifestou suas opiniões
a respeito do projeto de lei durante uma audiência pública. O texto foi aperfeiçoado
na Câmara, acolhendo um dos argumentos mais utilizados pelas vozes contrárias e que
punha em risco a aprovação do projeto de lei. Ao invés de bastar a condenação em
primeira instância, por um único juiz, para impedir a candidatura a cargos políticos,
o texto da lei, reformulado, impede apenas a candidatura daqueles que já receberam
a condenação num colegiado judicante. Com isso, evita-se que o novo dispositivo jurídico
seja manipulado para atingir objetivos menos transparentes.
A lei da “Ficha
Limpa”, uma vez aprovada, representará o fruto de muitos debates e traduzirá a vontade
do povo, acolhida e repercutida nas manifestações de diferentes organizações da sociedade
civil e, finalmente, também pelos parlamentares. Até no momento da votação, na Câmara,
bem que se tentou alterar e até esvaziar o projeto de lei, para torná-lo inócuo.
Descaracterizá-lo, porém, teria sido um desrespeitoso e até uma desconsideração por
aquilo que grande parte da população brasileira entende como justo e seguro na escolha
daqueles que deverão legislar ou ocupar cargos executivos. De fato, o mandato político
é delegado pelo povo nas eleições e seu ocupante é depositário da confiança dos seus
eleitores. Ainda bem que os principais destaques já foram derrubados; esperamos que
os demais, ainda pendentes, também o sejam.
A esperança é que a lei da “Ficha
Limpa” traga frutos muito bons para a vida política brasileira. O País precisa de
profundas reformas políticas: Ora, é bom começar apostando em políticos com idoneidade
moral elevada. Não deixa de suscitar preocupações a resistência de setores do Congresso
contra a aprovação do Projeto de Lei. Parece tão óbvio que aqueles, que vão fazer
leis, governar, administrar o dinheiro e o patrimônio público devam ostentar honestidade
pública e credibilidade moral. Alguém tem alguma coisa contra? Certamente ninguém
quer entregar o futuro do País, do seu Estado ou município para um candidato em quem
não se pode confiar.
De fato, o objetivo nobre dos cargos políticos é a promoção
do bem comum. Uma vez superados na Câmara os últimos destaques, a nova lei certamente
criará problemas para as pretensões daqueles, que quiserem pleitear mandatos políticos
com objetivos alheios ao bem do povo e do País. Mas além de impedir o acesso a cargos
políticos de pessoas com idoneidade moral comprometida, a lei da Ficha Limpa poderá
atrair para o exercício da missão política cidadãos sérios e competentes que, por
vezes, se afastam da política por entenderem que ela, infelizmente, está maculada
de maneira irremediável.
A campanha para a coleta das assinaturas e o próprio
processo de aprovação do projeto de lei já enriqueceram a compreensão da sociedade
sobre seu papel de protagonista do processo político. O povo é o principal sujeito
político do País e precisa usar bem desse potencial, sobretudo através dos mecanismos
previstos na Constituição. A lei da “Ficha Limpa” também tem o mérito de traduzir
num dispositivo jurídico eficaz algo que parecia uma aspiração abstrata dos cidadãos,
embora justa e bem fundamentada. Trata-se, portanto, de um grande ganho para o País!
O povo já conseguiu conquistar mecanismos de supervisão e controle, no decurso do
mandato, dos políticos eleitos. A nova lei vai além disso e possibilita, desde antes
das eleições, evitar que os cargos não sejam ocupados por cidadãos que já tem ficha
suja. Será muito bom para a Política.
Com a aprovação do “Ficha Limpa”, o Brasil
dá mais um passo para a tão sonhada reforma política, que não se restringe a um evento
pontual, mas é um processo de amadurecimento da sociedade e suas organizações, junto
com as instituições do Estado.
Cardeal Odilo Pedro Scherer Arcebispo de
São Paulo