2010-05-06 11:05:52

Bento XVI em Portugal: uma visita com consequências na Igreja e na sociedade em tempos que encerram algum dramatismo. Entrevista da Rádio Vaticano com o Presidente da Conferencia Episcopal Portuguesa D. Jorge Ortiga


(6/5/2010) Correspondendo ao convite, várias vezes reiterado, dos Bispos portugueses bem como ao convite do Senhor Presidente da República, Bento XVI aceitou, e agora vai visitar Portugal por ocasião da peregrinação aniversaria de 12 e 13 de Maio . A poucos dias do inicio desta viagem apostólica a Rádio Vaticano quis ouvir o Presidente da Conferencia Episcopal Portuguesa D. Jorge Ortiga, começando por lhe perguntar que oportunidade constitui para a sociedade portuguesa e para a Igreja no nosso país, a visita do Papa, num momento em que Portugal , como outros países vive uma crise económico - financeira, mas com raízes profundas?
-Ninguém ignora e é já lugar comum fazer referencia á situação de crise actual, mas todos são unânimes em reconhecer que se a crise é económico financeira, ela tem raízes mais profundas. E isto porque se desconsiderou uma dimensão estrutural do ser humano, e portanto também da sociedade, que é esta ligação a determinados valores, valores absolutos, valores permanentes, valores que estão para além das fronteiras, e se pretendeu olhar para um relativismo fixando o horizonte da vida humana pura e simplesmente nas coisas materiais. Se isto é um dado já adquirido, é nesta situação que o Papa vem a Portugal. E certamente que será portador de uma mensagem alertando que se é fundamental olhar para o mundo e para as condições materiais, há uma outra dimensão da vida humana. Também urge descobrir, ou redescobrir que há uma vida alicerçada em determinados valores, que indicam um caminho, valores que são da Igreja, mas pertencem já ao património da humanidade. Serão estes valores a apontar o caminho para o ressurgir da crise, uma vez que a crise significa também e encerra esta dimensão positiva de um desafio, que ela mesma nos proporciona.
É um momento único, um momento particular para que na verdade o Santo Padre aponte projectos de uma renovação do ser humano, da pessoa, para que da renovação da pessoa, se consiga também renovar esta sociedade. A mensagem que o Papa vai trazer a Portugal é uma mensagem para Portugal mas com certeza que será também para a Igreja; e se nós consideramos que Fátima é “ o Altar do Mundo” estou convencido que esta mensagem entrará no espaço europeu mas chegará mais longe, para tantos cristãos que irão ouvir e acolher a mensagem do Papa.
Bento XVI conhece como ninguém o cerne e o alcance da Mensagem de Fátima, de que se tornou intérprete singular com o seu Comentário Teológico ao “terceiro segredo”, quando era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A sua presença na Cova da Iria dará um novo vigor à mensagem de Fátima? 
-Estou convencido que sim. Eu acho que Fátima, hoje, já se impôs ao mundo inteiro. Direi mesmo ao mundo católico e não só. A presença do Papa será uma oportunidade para que esse mesmo mundo, acreditando na realidade de Fátima, ou mesmo não acreditando, se torne sensível á experiencia espiritual de que o Santuário de Fátima é naturalmente possuidor. A partir daqui, com certeza que muitas pessoas olharão para Fátima, poderão ter a curiosidade de conhecer Fátima, e nesta relação talvez exterior, chegarão á Mensagem no seu sentido mais profundo, mais intimo, e porque não dize-lo, talvez de conversão, de renovação, de convicção de que a vida humana terá de ser diferente, terá que ter um sentido todo ele orientado para outros horizontes.
A Conferência Episcopal Portuguesa tem vindo a fazer uma reflexão sobre a realidade pastoral do país tendo em conta o discurso e as perspectivas que o Papa Bento XVI indicou durante a ultima visita ad limina Apostolorum que os Bispos efectuaram a Roma.
Nesta óptica qual é o significado pastoral, doutrinal e espiritual que a peregrinação do Santo Padre a Portugal vai revestir?
 
-Eu direi que a visita ad limina é algo que entra no ritmo normal das Conferencias Episcopais, dos Bispos dos diversos países. Essa visita é sempre uma oportunidade para que cada Bispo na sua diocese, através de um relatório faça como que um exame de consciência, uma análise da situação muito concreta, da situação da sua diocese, para depois, naturalmente fazer oferta dessa mesma analise ao Papa. O facto da visita ad limina ser feita juntos com os bispos de Portugal, há como que uma mensagem do Papa que corresponde, aquelas inquietações já anteriormente detectadas e sentidas pelos Bispos. E é neste sentido que eu vejo o discurso do Papa Bento XVI por ocasião da visita ad limina. Eu diria doutra maneira que nessa altura os Bispos de Portugal já estavam preocupados e ocupados em repensar a pastoral. O facto de o Papa nos alertar para algumas realidades novas foi como que a dar-nos estimulo para que prosseguíssemos o caminho. Agora o Santo Padre virá cá, terá como pano de fundo esta preocupação que é nossa, saberá que estamos dispostos, disponíveis, para acolher muitas orientações e orientações concretas, e portanto aquele caminho que estamos a percorrer com a vinda do Papa, com certeza que a obrigação é maior digamos assim e as orientações serão uma luz certa e segura neste desejo que todos nós tempos de encontrar respostas novas para este contexto novo que estamos a viver.

O Papa, nas suas deslocações tem sempre uma particular atenção à situação da sociedade que visita, às problemáticas que a marcam, às características que a definem.
Como Presidente da Conferencia Episcopal Portuguesa, pode indicar algumas delas, e qual delas preocupa de maneira particular a Igreja em Portugal?Eu direi que na preparação da visita do Papa a Portugal e, nós aqui temos ou tivemos um papel activo, significativo na escolha que formulámos do encontro do Papa com alguns sectores da vida da Igreja, ou também da vida portuguesa; já está aí, digamos, uma indicação daquilo que são talvez as nossas preocupações, ou daquilo que poderão ser os nossos novos compromissos. Estou a referir-se concretamente ao encontro do Papa com o mundo da cultura, cultura no sentido abrangente da palavra. Vou dizer cultura no sentido de pessoas que pensam e são capazes de formular orientações nos diversos âmbitos: seja na parte politica, seja na parte económica, artística, na musica; uma arte no sentido mais amplo da palavra. A Igreja portuguesa reconhece que é um campo onde devemos penetrar mais para que naturalmente as nossas respostas sejam também mais consentâneas com as preocupações deste mundo que parece em alguns casos pelo menos, crescer um pouco á margem da mesma Igreja. O facto de querermos também que o Papa se encontre neste ano sacerdotal com os sacerdotes e digamos também com as pessoas consagradas é naturalmente um reconhecer a importância da vocação sacerdotal e da vocação consagrada, é um reconhecer a diminuição das vocações e um convite a que repensemos também o modo de servir as nossas comunidades, uma vez que nesse encontro também estarão presentes algumas das pessoas mais empenhadas e mais comprometidas na pastoral ordinária. É como que um convite a que a pastoral para nós seja toda ela não só centralizada nos sacerdotes, mas que os sacerdotes desempenham aquele papel dinamizador que têm. E depois também a pastoral social. No tempo em que vivemos, na situação que infelizmente também nós respiramos todos os dias, situações de carência, de miséria, a igreja é permanentemente interpelada a responder, pois a igreja sempre esteve atenta. Hoje a pobreza tem outros formas e tem outros nomes, e também a pastoral social da Igreja terá que ser um pouco mais consentânea com estes desafios graves. Parece-se que aqui estão três sectores que a Igreja em Portugal reconhece como prioritários e que de harmonia com o que dizia anteriormente, o Papa com as suas orientações poderá ser sugestivo, e não só apenas sugestivo mas poderá deixar-nos um caminho a prosseguir. A cultura na sua abrangência total, os consagrados como primeiros motores e dinamizadores duma pastoral de todo o povo de Deus, portanto não é apenas centralizar-se no sacerdote, mas em todo o povo de Deus e depois a dimensão social como uma resposta da Igreja como já aconteceu no passado, mas com formulas e atitudes novas nos tempos que correm “
“Contigo caminhamos na esperança”, é o lema desta viagem apostólica de Bento XVI a Portugal. A esperança, à semelhança da saudade típica dos portugueses, não é invocada só por quem acredita, e vive na fé que Sua Santidade irá anunciar. A esperança é de todos. Pensa que a sociedade portuguesa em geral possa colher esta luz que é também para quem não acredita, e dela possa receber esperança?.
-Eu creio que sim. Começaria por dizer que temos a preocupação de sublinhar o contigo. A Igreja em Portugal está neste momento com o Papa Bento XVI. E era importante que esta dimensão fosse verdadeiramente sublinhada, que o Papa a sentisse não apenas porque nós o dizemos em discursos, mas em termos das populações, das pessoas, que visse que na verdade estamos com o Santo Padre. E é com ele que queremos tecer um discurso e não só um discurso, quase como que uma parábola de grande esperança. A esperança para dizermos ao povo português que efectivamente os tempos que estamos a viver encerram algum dramatismo, mas a mensagem que Cristo veio trazer, é aquela mensagem que nos diz que temos que caminhar, ir um pouco mais além e que o amanhã poderá ser melhor desde que cada um neste momento histórico que está a viver, não espere uma solução vinda doutro lado mas dê o seu contributo para que isso aconteça.
E isto para mim é fundamental, digamos esta esperança que vem do alto. O Papa não nos vai falar e interpelar por um maior activismo, vai porventura desafiar-nos para a fé porque é no mundo da fé que o futuro da sociedade e da sociedade portuguesa, acontecerá. A esperança está aí: em acreditarmos, em acreditarmos na pessoa humana, em acreditarmos nesta relação com o transcendente e o sobrenatural, e então, em nome de Cristo traçarmos novos caminhos para um humanismo capaz de satisfazer e dar resposta a uma vida que nós queremos, do povo português, que seja vida de felicidade, de alegria, de paz e de vida na satisfação plena de todos os seus anseios.
 







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