Brasília, 03 mai (RV) - O Conselho Indigenista Missionário, CIMI, publica em
sua página na Internet uma nota em que explica os 30 anos de controvérsias ao redor
da construção da Hidrelétrica Belo Monte. Leia a íntegra:
“A vila de Belo Monte
se localiza nas proximidades do rio Xingu, Estado do Pará, no coração da selva amazônica,
próxima à cidade de Altamira. É ali que o governo brasileiro pretende construir uma
das maiores hidrelétricas do mundo, também com o nome de Belo Monte, realizando um
projeto do tempo da Ditadura Militar, que data dos anos 70.
Originalmente,
o plano previa a construção de cinco usinas na região. Desde então, indígenas, ribeirinhos,
ambientalistas e representantes da Igreja, que vivem no local, vêm lutando contra
o projeto de Belo Monte.
Em 1989, os índios realizaram o "Primeiro Encontro
das Nações Indígenas do Xingu", que alcançou repercussão nacional e internacional.
Essa mobilização contou com o apoio do cantor Sting, que se uniu ao líder indígena
Raoni na luta contra Belo Monte. Pouco depois desse encontro, o Banco Mundial negou
suporte financeiro ao projeto, fazendo com que fosse arquivado.
Porém, o empreendimento
não foi abandonado, e, 30 anos depois, a intenção de realizá-lo volta com toda a força.
O estímulo maior para que as obras, finalmente, saiam do papel, parte do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que incluiu a usina dentre os projetos do Plano de Aceleração
do Crescimento (PAC).
Para acalmar a resistência popular a Belo Monte, o governo
reduziu a proposta para a construção de uma única usina, ao invés de cinco. Porém,
estudiosos afirmam que a construção de uma usina é apenas uma etapa, e o projeto será
financeiramente deficitário caso se limite a uma única barragem. Aprovada e iniciada
a primeira, o projeto das outras quatro viria necessariamente.
Além disso,
o volume de terra a ser retirado para formar os canais de uma única usina será tão
grande quanto aquele escavado para a construção do canal do Panamá. Milhares de pessoas
dos municípios de Altamira, Vitória do Xingu e Brasil Novo serão retiradas de suas
terras compulsoriamente, e perderão a possibilidade de viver e obter meios de subsistência
de acordo com seus costumes tradicionais. Um terço da cidade de Altamira ficará submerso.
Especialistas
alertam para o fato de que o objetivo principal da energia gerada por Belo Monte será
o de atender às necessidades das grandes empresas que já estão instaladas ou pretendem
se estabelecer na região ou em suas proximidades.
Se for construída, como pretende
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Belo Monte será a terceira maior usina hidrelétrica
do mundo, com capacidade total instalada de 11.233 Megawatts (MW), dos quais somente
uma média de 4.571 Megawatts (MW) terá geração assegurada, devido ao regime de cheias
do rio Xingu.
O custo total da obra deverá ser de R$ 19 bilhões, quantia que
torna o empreendimento o segundo mais custoso do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), atrás apenas do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro, orçado em R$ 34
bilhões.
Para garantir que projeto seja aprovado, o governo federal vem passando
por cima de uma série de exigências: seriam necessárias 27 audiências públicas, mas
foram feitas apenas quatro. Nesses encontros, os principais interessados, os indígenas,
não tiveram acesso a informações suficientes sobre o projeto, ou tiveram acesso ao
local dos debates dificultado. Essa situação foi denunciada pelo Ministério Público
Federal (MPF), que, inclusive, chegou a pedir que as audiências públicas fossem anuladas,
mas não teve esse pedido acatado.
Para que a licença ambiental prévia fosse
concedida pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) à obra, houve pressão sobre os funcionários do órgão. Dois deles, inclusive,
deixaram o instituto no final do ano passado em função disso. O Ministério das Minas
e Energia (Edson Lobão) e o Ministério do Meio Ambiente (Carlos Minc) pressionaram
para que a licença ambiental fosse concedida o quanto antes. E isso, de fato, aconteceu
no dia 1° de fevereiro deste ano.
A Advocacia Geral da União (AGU), logo em
seguida à concessão da licença, lançou uma nota - apoiada pelo Presidente da República
- ameaçando processar os membros do Ministério Público que viessem a colocar em questão
a licença concedida ou o próprio projeto.
Essas investidas contrariam promessa
feita por Lula, em julho do ano passado, durante encontro com movimentos sociais da
região de Altamira e com o bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Kräutler. Na ocasião,
o presidente afirmou que o projeto de Belo Monte não seria empurrado "goela abaixo"
da população.
Hoje, Lula faz críticas abertas às ONGs contrárias a Belo Monte,
e informa que fundos de pensão poderão participar da licitação da obra.
Além
disso, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informou que
facilitaria o empréstimo aos empreendedores da obra, apesar de questionamentos do
MPF sobre essa conduta. O banco já foi avisado de que poderá ser co-responsabilizado
por eventuais danos socioambientais de Belo Monte, caso insista em financiar o projeto,
por meio de comunicado redigido por organizações não-governamentais.
O Estudo
e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) da usina hidrelétrica de Belo Monte, apresentado
pelos empreendedores, durante as audiências públicas, continha diversas falhas. Dentre
os erros, foram indicados: a omissão de impactos socioambientais, falta de previsão
sobre formas de compensar as famílias que serão impactadas pela obra e superestimação
da energia e dos empregos que serão gerados pelo empreendimento. As lacunas foram
apresentadas por pesquisadores, Ministério Público e sociedade civil organizada. Um
Painel de Especialistas, formado por 38 estudiosos dedicados a analisar o EIA/Rima
da usina, identificou que impactos descritos no projeto subestimam as populações urbanas
e rurais que serão afetadas pela obra e também desconsideram as conseqüências socioambientais
do projeto no trecho do rio que terá sua vazão reduzida.
Segundo os estudiosos,
cerca de 3/4 ou 100 km da Volta Grande [do Xingu] serão submetidos a condições de
uma falta de água severa com a construção da usina, o que irá prejudicar o aproveitamento
do rio pela população local, para pesca e navegação. Além disso, o empreendimento
irá gerar o inchaço das cidades do entorno da obra, e não foram previstos recursos
para a ampliação da oferta de serviços públicos nesses locais.
Além de gerar
desmatamento de 516 km² de floresta amazônica, que serão inundados com a construção
da barragem, a obra, a partir da mudança da vazão do rio Xingu, levará à destruição
da biodiversidade de fauna e flora existentes no trecho previsto para a instalação
da usina. Por esses motivos, e também devido à falta de consulta prévia às comunidades
indígenas que serão atingidas pelo empreendimento, Belo Monte foi denunciada à ONU
por movimentos sociais e organizações defensoras dos direitos humanos.
Solidarizamo-nos
com todas as comunidades atingidas por esta obra, de modo especial os povos indígenas.
Reafirmamos a importância de continuarmos mobilizados e de cabeça erguida, unidos,
articulados e firmes na luta contra Belo Monte. Uma luta que, confiamos, será vitoriosa,
pois é, sem nenhuma dúvida, uma luta justa”. (CM)