ESTADO BRASILEIRO RECONHECE MORTE DO PE. BURNIER COMO CRIME POLÍTICO
Brasília, 20 abr (RV) - O Estado brasileiro reconheceu ontem, com 33 anos de
atraso, que um sacerdote jesuíta assassinado em 1976 por um policial foi vítima de
um crime político.
Trata-se do Padre João Bosco Penido Burnier, baleado na
nuca por um policial em outubro de 1976 quando defendia duas mulheres que eram torturadas
em uma delegacia de Ribeirão Cascalheira (MT), em plena ditadura militar (1964-1985).
Burnier
estava na delegacia ao lado do hoje bispo emérito da cidade de São Félix do Araguaia
(MT), o espanhol Dom Pedro Casaldáliga, que escreveu um livro no qual trata o jesuíta
como um mártir.
A ata na qual a Comissão Especial para os Mortos e Desaparecidos
Políticos do Ministério da Justiça reconhece que Burnier foi uma das vítimas do regime
militar foi publicada ontem no "Diário Oficial da União".
Segundo a Comissão,
o sacerdote "morreu por causas não naturais em dependências policiais por ter participado
ou ter sido acusado de participação em atividades políticas".
O policial que
atirou no padre nunca foi processado porque o regime considerou o fato um acidente.
Segundo
Dom Casaldáliga, testemunha do homicídio, quando ambos chegaram à delegacia para defender
as mulheres que eram torturadas, Burnier teve uma grande discussão com os policiais
e ameaçou denunciá-los na Justiça antes de ser agredido, golpeado na cabeça com um
revólver e assassinado com um tiro na nuca.
O bispo emérito relata em um de
seus livros que, após a missa de sétimo dia pela morte do padre, a população de Ribeirão
Cascalheira foi em procissão até a delegacia, arrombou as portas e as grades e libertou
os presos.
No local, foi construída posteriormente uma igreja, apesar da oposição
da Polícia.
Além do livro "Martírio do padre João Bosco Penido Burnier" de
Dom Casaldáliga, o também jesuíta Pe. Pedro Américo Maia escreveu a obra "Mártir pela
justiça" também sobre a vida do jesuíta assassinado.
Hoje Burnier é nome de
uma ONG em defesa dos direitos humanos e de escolas em Minas Gerais e Mato Grosso.
O
sacerdote, nascido em 11 de junho de 1917 na cidade de Juiz de Fora, foi o quinto
de nove irmãos, dois dos quais também se dedicaram à vida religiosa, entre eles Vicente
Burnier, que foi o primeiro sacerdote surdo do Brasil.
O jesuíta, que se formou
em teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma, onde foi ordenado padre
em 1946, se destacou por sua atuação no país em defesa dos índios e foi um dos membros
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB).
Nos últimos anos de vida, Burnier trabalhou como missionário
em Diamantino (MT), onde cuidava de membros das etnias Bakairi e Xavante, cujas línguas
ele conhecia e falava. (BF)