(3/4/2010) Na noite, em que Jesus Cristo passou da morte à vida, a Igreja convida
os seus filhos a reunirem-se em vigília e oração. Na verdade, a Vigília pascal foi
sempre considerada a mãe de todas a vigílias e o coração do Ano litúrgico. A sensibilidade
popular poderia pensar que a grande noite fosse a noite de Natal, mas a teologia e
a liturgia da Igreja adverte que é a noite da Páscoa, «na qual a Igreja espera em
vigília a Ressurreição de Cristo e a celebra nos sacramentos» (Normas gerais sobre
o Ano litúrgico, 20). No texto do Precónio pascal, chamado o hino “Exsultet” e que
se canta nesta celebração, diz-se que esta noite é «bendita», porque é a «única a
ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro! Esta é
a noite, da qual está escrito: a noite brilha como o dia e a escuridão é clara como
a luz». Por isso, desde o início a Igreja celebrou a Páscoa anual, solenidade das
solenidades, com um vigília nocturna. A celebração da Vigília pascal articula-se
em quatro partes: 1) a liturgia da luz ou “lucernário”; 2) a liturgia da Palavra;
3) a liturgia baptismal; 4) a liturgia eucarística.
1) A liturgia da luz
consiste na bênção do fogo, na preparação do círio e na proclamação do precónio pascal.
O lume novo e o círio pascal simbolizam a luz da Páscoa, que é Cristo, luz do mundo.
O texto do precónio evidencia-o quando afirma que «a luz de Cristo (...) dissipa as
trevas de todo o mundo» e convida a «celebrar o esplendor admirável desta luz (...)
na noite ditosa, em que o céu se une à terra, em que o homem se encontra com Deus!».
2) A liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo Testamento, que
recordam as maravilhas de Deus na história da salvação e duas do Novo Testamento,
ou seja, o anúncio da Ressurreição segundo os três Evangelhos sinópticos, e a leitura
apostólica sobre o Baptismo cristão como sacramento da Páscoa de Cristo. Assim, a
Igreja, «começando por Moisés e seguindo pelos Profetas» (Lc 24,27), interpreta o
mistério pascal de Cristo. Toda a escuta da Palavra é feita à luz do acontecimento-Cristo,
simbolizado no círio colocado no candelabro junto ao Ambão ou perto do Altar.
3)
A liturgia baptismal é parte integrante da celebração. Quando não há Baptismo, faz-se
a bênção da fonte baptismal e a renovação das promessas do Baptismo. Do programa ritual
consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda
a assembleia com a água benta e a oração universal. A Igreja antiga baptizava os catecúmenos
nesta noite e hoje permanece a liturgia baptismal, mesmo sem a celebração do Baptismo.
4) A liturgia eucaristica é o momento culminante da Vigília, qual sacramento
pleno da Páscoa, isto é, a memória do sacrifício da Cruz, a presença de Cristo Ressuscitado,
o ápice da Iniciação cristã e o antegozo da Páscoa eterna.
Estes quatro
momentos celebrativos têm como fio condutor a unidade do plano de salvação de Deus
em favor dos homens, que se realiza plenamente na Páscoa de Cristo por nós. Por consequência,
a Ressurreição de Cristo é o fundamento da fé e da esperança da Igreja. Gostaria
de destacar dois elementos expressivos desta solene vigília: a luz e a água. A
Vigília na noite santa abre com a liturgia da luz, evocando a ressurreição de Cristo
e a peregrinação de Israel guiado pela coluna de fogo. A liturgia salienta a potência
da luz, como o símbolo de Cristo Ressuscitado, no círio pascal e nas velas que se
acendem do mesmo, na iluminação progressiva das luzes da igreja, ao acender das velas
do altar e com as velas acesas na mão para a renovação das promessas baptismais. O
símbolo mais iluminador é o círio, que deve ser de cera, novo cada ano e relativamente
grande, para poder evocar que Cristo é a luz dos povos. Ao acender o círio pascal
do lume novo, o sacerdote diz: «A luz de Cristo gloriosamente ressuscitado nos dissipe
as trevas do coração e do espírito» e depois apresenta o círio como «lumen Christi=a
luz de Cristo». Quando alguém nasce, costuma-se dizer que «veio à luz» ou que «a mãe
deu à luz». Podemos, por isso dizer que a Igreja veio à luz na Páscoa de Cristo. De
facto, toda a vida da Igreja encontra a sua fonte no mistério da Páscoa de Cristo.
A água na liturgia é, igualmente, um símbolo muito significativo. «A água é rica
de mistério» (R. Guardini). Ela é simples, pura, limpa e desinteressada. Símbolo perfeito
da vida, que Deus preparou, ao longos dos tempos, para manifestar melhor o sentido
do Baptismo. A oração da bênção da água faz memória da acção salvífica de Deus na
história através da água. Com efeito, a água é benzida, para que o homem, criado à
imagem e semelhança de Deus, «no sacramento do Baptismo seja purificado das velhas
impurezas e ressuscite homem novo pela água e pelo Espírito Santo». Na tradição eclesial,
a fonte baptismal é comparada ao seio materno e a Igreja à mãe que dá à luz O
simbolismo fundamental da celebração litúrgica da Vigília é o de ser uma “noite clara”,
ou melhor «a noite que brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz». Esta noite
inaugura o “Hodie=Hoje” da liturgia, como se tratasse de um único dia de festa sem
ocaso (o dia da celebração festiva da Igreja que se prolonga pela oitava pascal e
pelos cinquenta dias do Tempo pascal), no qual se diz «eis o dia que fez o Senhor,
nele exultemos e nos alegremos» (Sl 118). P. José Cordeiro Reitor do Pontifício
Colégio Português (Em Ecclesia)