2010-03-30 15:38:51

"Cristo sofre na sua própria Igreja": a propósito do escândalo de padres pedófilos


(30/3/2010) Semana Santa de 2005. João Paulo II vive os seus últimos dias de agonia. Resta-lhe uma semana de vida. A 25 de Março, Sexta-feira Santa, a televisão transmite para todo o mundo imagens do Papa na sua capela do Vaticano, durante a Via Sacra que sempre tinha presidido. Desta vez está ali, imobilizado pelo sofrimento, abraçado ao crucifixo, já incapaz de pronunciar palavra. No Coliseu, é o cardeal Joseph Ratzinger que conduz a meditação sobre a paixão de Cristo, num texto por si mesmo composto.

Naquelas palavras, sugestivas mas comedidas, ecoam já aqueles que serão os leit-motiv do pontificado que em breve iniciará. Na sexta estação, a propósito da Verónica, evoca a bem-aventurança dos puros de coração, observando que é o gesto de amor da Verónica que lhe permite ver o Rosto de Deus e da sua bondade na imagem maltratada e desfigurada de Jesus. E comenta: “Só com o coração podemos ver Jesus. Só o amor nos torna capazes de ver e nos torna puros. Só o amor nos faz reconhecer Deus, que é o próprio amor”. Na oitava estação, Jesus que se cruza com as mulheres de Jerusalém, o comentador adverte contra o risco de banalizar o mistério do mal. É fixando os sofrimentos de Cristo que vemos toda a seriedade do pecado, que tem de ser expiado até ao fim para poder ser superado. “Não se pode continuar a banalizar o mal, quando vemos a imagem do Senhor que sofre”.

Desta Via Sacra do cardeal Ratzinger o que mais ficou na memória de todos foi a passagem da nona estação, Jesus que cai pela terceira vez sob o peso da Cruz. Convidando a “pensar em tudo quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja”, o cronista referia a certa altura a “sujeira” existente na Igreja, nomeadamente entre os sacerdotes. Palavras que mais pertinentes ressoam à luz dos escândalos de que se tanto se tem falado nos últimos tempos. Mas vale a pena situá-las no conjunto dos sofrimentos de Cristo, na Igreja, mencionados pelo futuro Bento XVI, como dolorosa constatação:

“Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento da sua presença, como está frequentemente vazio e ruim o coração onde Ele entra! Tantas vezes celebramos apenas nós próprios, sem sequer nos darmos conta d’Ele! Quantas vezes se contorce e abusa da sua Palavra! Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja , e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação, onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas! Tudo isto está presente na sua paixão. A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração”.

Não obstante as insinuações e acusações que nas últimas semanas, de modo crescente, se foram concentrando na figura de Bento XVI, a quase totalidade dos comentadores italianos, de todas as tendências, reconhece no Papa uma das pessoas que mais se tem batido, com coragem e nitidez de posições, contra a tendência a ocultar os factos “inconfessáveis”, a pretexto de defender assim o bom nome da Igreja.
Os casos mais clamorosos, que marcaram a actual linha de clareza, acentuada neste pontificado, disseram respeito ao cardeal Gröer, arcebispo de Viena de 1986-1995 (acusado há alguns anos de ter mantido outrora relações sexuais com seminaristas) e ao fundador dos Legionários de Cristo, padre Maciel (pai de vários filhos, abusador de jovens postulantes). Em ambas estas tristíssimas situações, o Papa Ratzinger teve o grande mérito de assumir a responsabilidade de uma posição nítida, sem qualquer hesitação. O mesmo se diga das medidas adoptadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, em 2001, colocando os bispos no dever de intervir com clareza nos casos de abusos de menores da parte de membros do clero, textos há dias publicados – como medida clarificadora no “Osservatore Romano”.

Na edição de anteontem o quotidiano da Santa Sé incluía em primeira página um artigo do arcebispo de Westminster, D. Vincent Nichols, sublinhando precisamente que, “contra os abusos de menores, ninguém fez tanto como Bento XVI”.
“Quando estava à frente da Congregação da Doutrina da Fé (recorda o prelado), ele introduziu importantes alterações no direito da Igreja: a inclusão dos delitos contra as crianças cometidos através de internet, a extensão dos delitos de abuso sobre crianças, incluindo o abuso sexual sobre todos os menores de 18 anos, a renúncia caso por caso à prescrição e a elaboração de um sistema de rápida remoção do estado clerical dos acusados. O Papa não é um observador ociosos. As suas acções falam tanto como as suas palavras”.

Por sua vez o nosso director, Padre Frederico Lombardi, num comentário há dias divulgado, na vigília da Semana Santa, observava nomeadamente:

“A questão dos abusos sexuais sobre menores da parte de membros do clero católico continuou a estar amplamente presente nos mass - média de muitos países, em particular na Europa e na América do Norte, mesmo nos últimos dias, depois da publicação da carta do Papa aos católicos irlandeses.
Não é uma surpresa. Trata-se d um assunto que atrai naturalmente a atenção dos meios de comunicação, e o modo com que a Igreja o enfrenta é crucial para a sua credibilidade moral.
Na realidade, os casos levados à atenção do público tiveram lugar geralmente há um certo tempo, há mesmo algumas décadas, mas reconhecê-los e corrigi-los, no que diz respeito às vítimas, é o preço do restabelecimento da justiça e da purificação da memória que permita encarar - com renovado empenho, e ao mesmo tempo com humildade e confiança – o futuro.
Para esta confiança contribuem os numerosos sinais positivos vindos de diversas conferências episcopais, bispos e instituições católicas de vários países nos diferentes continentes: as directrizes para a correcta gestão e prevenção dos abusos, reafirmadas, actualizadas e renovadas na Alemanha, Áustria, Austrália, Canadá e assim por diante…
… É, portanto, com humildade e confiança, em espírito de penitência e de esperança, que a Igreja entra na Semana Santa e pede a misericórdia e a graça do Senhor, que sofre e ressurge para todos”.


 
 







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