Rio de Janeiro, 12 fev (RV) - Na próxima semana entraremos no tempo da Quaresma
– sempre é único e especial esse momento da liturgia. Necessitamos de um espaço para
olhar a nossa vida e buscar acolher a graça de Deus que nos convida a sermos novos.
A oração, penitência, jejum, esmola, lectio divina, confissão sacramental, reflexões,
confissões fazem parte deste tempo, juntamente com uma sobriedade na liturgia (sem
o hino do Glória, a aclamação do Aleluia, as flores e sem solenizar demais as celebrações),
procurando concentrar naquilo que é essencial em nossas vidas.
Todos nós necessitamos
de um tempo de reflexão e mudança. Durante o ano tantas situações vão se sucedendo
e colocando-nos muitas vezes fora do caminho do Senhor. Os 40 dias que tornam presentes
os dias de Jesus no deserto, e também os anos do povo de Deus na caminhada do Êxodo,
saindo das escravidões para a vida nova, passando pelo Mar Vermelho e celebrando a
aliança com Deus, nos recordam que é tempo de renovar nossa vida batismal e nossa
aliança com o Senhor. Para isso há este tempo de contrição que deve conduzir-nos a
uma nova vida – eis que tudo passou e se fez novo, queremos cantar e anunciar!
É
também um tempo de especial preparação para a grande festa da Páscoa. A Santa Igreja
celebra todos os anos os mesmos tempos e festas previstos no seu Ano Litúrgico para
atualizar a salvação, fazendo-a crescer sempre mais nos corações. Neste ano a celebração
do tempo quaresmal deve trazer novidades para o incremento da vida cristã, a fim de
que a celebração pascal produza abundantes frutos em nossa existência individual e
comunitária. Deus é quem possibilita que sejamos sempre mais. A cada ano, o Amor divino
quer nos atrair para mais perto de si. A vida humana e cristã é essencialmente dinâmica
porque Deus, nosso Criador e Salvador, é a força que nos impulsiona e nos estimula
a crescer cada vez mais. Nossa caminhada não pode parar enquanto não repousarmos plenamente
em Deus.
A Quaresma quer ser para nós um tempo especial, um tempo de verdadeira
graça e conversão. O importante é que não deixemos que este tempo favorável passe
em vão. Lembremo-nos de que neste mundo tudo muda. Se não mudarmos para melhor, se
não avançarmos, começamos a regredir, porque nada sob o tempo permanece imutável.
O período quaresmal quer ser, então, um tempo especial de mudança para melhor. Muitos
são os exercícios de piedade que podemos fazer durante o tempo quaresmal. A via-sacra
é um deles. A meditação do caminho sagrado percorrido por Jesus é apta a despertar
em nós o amor que levou o Filho de Deus a entregar-se ao Pai e aos homens. Mas há
muitas outras formas de viver bem a Quaresma. Devemos aprender a orientar nossos desejos.
A Igreja sempre recomendou a penitência e o jejum como meio de educação da vontade
e das paixões. Uma vontade firme e bem decidida é capaz de realizar maravilhas, com
a ajuda, indispensável e fundamental, da graça de Deus. O homem que não orienta bem
as suas paixões acaba tornando-se escravo delas. Muito pode ajudar-nos nessa tarefa
de educação da vontade e orientação das paixões a frequência ao sacramento da penitência
ou da confissão. Nesse sacramento acontece um verdadeiro diálogo de salvação, através
do qual Deus nos liberta do peso das faltas e nos dá novo vigor ao espírito. Que a
penitência, da qual o bom cristão não pode descuidar, seja uma marca de nossa caminhada
quaresmal.
Jamais podemos nos esquecer da vida de oração. A oração é comunhão
com Deus, é intimidade com Ele, é fonte de bênçãos incontáveis. Jesus é o grande mestre
e modelo de vida orante. A Escritura nos diz que o Salvador passava noites inteiras
em oração. Na Quaresma podemos intensificar nossa vida de oração e de comunhão com
Deus. Devemos saber que nossa oração deve ser orientada por tudo aquilo que Jesus
nos revelou. Uma oração bem feita nunca deixa de lado a Palavra de Deus, que é constantemente
explicada e atualizada pelos ensinamentos da Igreja. Deus nos amou por primeiro. Ele
nos falou por Jesus Cristo. A oração é resposta ao amor e à Palavra de Deus.
O
mandamento do Amor deve ser a grande luz a iluminar-nos o caminho quaresmal. Nós amamos
porque, antes, fomos amados por Deus. O nosso amor cristão é sempre uma expressão
do amor que recebemos da Trindade Santíssima.
Durante a Quaresma, há uma boa
maneira de nos ajudar a descobrir a necessidade de conversão. A Igreja Católica no
Brasil celebra a Campanha da Fraternidade a fim de estimular práticas bem concretas
de amor ao próximo e de mudança de mentalidade. Este ano a Campanha foi elaborada
pelo Conic. As CFs sempre foram ecumênicas e dirigidas a toda a sociedade, e agora
versa sobre a economia. O tema figura assim: Economia e vida; e o lema: Vocês não
podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24c). O objetivo é o seguinte: Unir Igrejas
cristãs e pessoas de boa vontade na promoção de uma economia a serviço da vida, sem
exclusões, criando uma cultura de solidariedade e paz”. De fato, o mundo da economia
não pode ser regido somente pela sede de lucros. Uma quota de gratuidade deve sempre
existir como expressão de reconhecimento da dignidade de cada pessoa. Uma economia
que tem em vista o lucro a qualquer custo só pode gerar exclusões e misérias, e, como
tal, não é digna do homem. A economia deve existir para o bem do homem, não o contrário.
As nossas reuniões de grupo, de comunidades, círculos bíblicos, juntamente com as
reflexões litúrgicas, irão aprofundar esse tema importante e necessário. No domingo
de Ramos iremos entregar em nossas comunidades o dinheiro fruto de nossas penitências
quaresmais para a Campanha da Solidariedade, que o utilizará para projetos sociais
na Arquidiocese e na Igreja do Brasil.
Com a Quarta-feira de Cinzas entramos
neste tempo, reconhecendo que somos pecadores necessitados de conversão. Infelizmente,
a nossa sociedade não se preocupa em guardar o tempo quaresmal, mas cabe a nós, católicos,
fazê-lo de tal forma que seja realmente vivenciado e propício para a renovação de
nossas vidas.
Por fim, o meu desejo, que agora expresso de todo o coração,
é que esta Quaresma nos prepare, de fato, para celebrar dignamente a Páscoa do Senhor.
Nada como romper o Aleluia pascal com o coração purificado, a mente elevada a Deus
e o olhar direcionado ao irmão. Que a vitória do Ressuscitado sobre o pecado e a morte
seja também a nossa vitória!
Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo de
São Sebastião do Rio de Janeiro