Porto Alegre, 09 fev (RV) – Com o encerramento no último domingo do Mutirão
de Comunicação América Latina e Caribe (MUTICOM), na capital gaúcha, publicamos o
inteiro teor da “Carta de Porto Alegre”, documento tecido a partir dos debates realizados
no encontro e distribuído aos participantes ao fim do evento. (RD)
Carta
de Porto Alegre
Somos comunicadores e comunicadoras solidários com
nossos povos e integrados plenamente no seu caminhar. Partilhamos os sofrimentos,
as crises, as alegrias e as esperanças de nossas irmãs e irmãos. Por esse motivo,
e ainda em meio à atual crise civilizatória, que se expressa, entre outros fatores,
na mundialização das economias e na livre circulação de mercadorias e capitais especulativos,
nos atrevemos a refletir e sonhar, alimentando a utopia e a esperança.
Somos
comunicadores e comunicadoras, pesquisadores, professores, jornalistas e estudantes
da América Latina e do Caribe, reunidos em Porto Alegre (Brasil) de 3 a 7 de fevereiro
de 2010, no Mutirão de Comunicação, no qual fomos convidados para analisar os “Processos
de comunicação e cultura solidária”.
O Mutirão propiciou o intercâmbio de experiências,
de saberes e de comunhão em Jesus Cristo entre comunicadores e comunicadoras com diferentes
trajetórias pessoais, profissionais, políticas, religiosas, culturais, unidos no compromisso
e na responsabilidade comum com os povos da região que lutam pela dignidade, pela
justiça e na defesa de uma democracia que seja capaz de garantir a vigência de seus
direitos econômicos, políticos, sociais e culturais.
Esta carta traduz nossos
sonhos de futuro apoiados no compromisso político de concretizar uma utopia construída
sobre a rica bagagem cultural e religiosa acumulada ao longo dos anos, que representa
uma enorme riqueza de nossos povos e nossas culturas, especialmente indígenas, negros
e migrantes, constituindo uma herança tantas vezes desprezada. Este rico legado, somado
à vitalidade dos movimentos sociais, habilita o surgimento de atores que têm “direito
a ter direito” e são os forjadores de nossa diversidade cultural.
Com Dom Helder
Câmara dizemos que “quando sonhamos sozinhos, é apenas um sonho; quando sonhamos juntos
é o começo de uma nova realidade” (Mensagem de Natal, 1992).
Por isso fazemos
essa convocação para a ação que, sem abandonar um olhar analítico e crítico sobre
a realidade política, social, cultural, religiosa e comunicacional, busca a construção
de uma nova cidadania comunicativa que contribua à plena vigência dos direitos humanos
e das condições de uma vida digna.
Partilhando as incertezas naturais de quem
está envolvido no processo histórico e social e sem pretender esgotar as propostas,
mas com a firmeza de nossas convicções, saberes, experiências, sensibilidade e paixão,
e inspirados e inspiradas pelo Evangelho de Jesus, sonhamos com:
1. Uma cidadania
comunicacional que, no marco dos processos políticos e culturais, permita a participação
criativa e protagônica das pessoas como forma de eliminar a concentração de poder
de qualquer tipo para, assim, construir e consolidar novas democracias. Cidadania
que não se pode pensar somente em termos jurídicos, mas também como uma atitude e
uma condição associadas à reivindicação de ser reconhecido, de ter arte e parte nas
decisões que afetam a vida em suas múltiplas dimensões, porque não há democracia política
sem democracia comunicacional.
2. Uma palavra liberada de todo tipo de opressão
e discriminação, para que se apropriem dela também os jovens e as jovens, os mais
pobres e pequenos, como germe de uma cultura solidária.
3. Políticas públicas
de comunicação elaboradas a partir da ideia de que a comunicação é um direito humano
e um serviço público e nas quais haja espaço tanto para a iniciativa privada comercial,
como para os meios estatais, os meios públicos não-governamentais e os comunitários.
4. Uma sociedade civil mobilizada para incidir politicamente na busca de uma
comunicação livre, socialmente responsável, justa e participativa.
5. Cidadãos,
comunicadores e atores sociais preparados para manter e vigiar práticas comunicativas
democráticas, participativas, inclusivas e apoiadas em uma nova perspectiva integral
de direito à comunicação.
6. Movimentos sociais, organizações populares, igrejas
e instituições que se apropriem e incorporem, nas suas práticas comunicativas, os
cenários e os processos das tecnologias da informação e as novas linguagens a fim
de ampliar seu horizonte comunicacional e contribuir para a eliminação da brecha informativa
e digital.
7. Responsáveis da gestão do Estado capazes de levar adiante políticas
públicas e estratégias de comunicação destinadas a assegurar o direito à comunicação,
através de ações pertinentes e efetivas, que eliminem as diferenças e as desigualdades
que hoje existem em matéria de produção, acesso e circulação de todo tipo de bens
culturais.
8. Cristãos comprometidos e organizados que, a partir da sua fé,
tenham uma presença ativa e transformadora no campo da comunicação, incorporando as
novas tecnologias no espírito e nas linhas de ação dessa carta.
Sonhamos,
enfim, com comunicadores e comunicadoras:
• cuja prática profissional seja
marcada pela vivência de uma cultura solidária, por critérios éticos e por uma vida
coerente com esses princípios;
• que se reconheçam, acima de tudo, servidores
do direito dos cidadãos a receber e emitir informação e opinião; que não se subordinem
aos interesses e às pressões do poder político ou econômico porque estão comprometidos
com a cidadania comunicacional;
• que estejam junto aos empobrecidos e incorporem
seu olhar;
• que impulsionem o diálogo para enfrentar as contradições, inevitáveis
em qualquer sociedade, com o objetivo de alcançar a paz e a justiça;
• que
não se preocupem somente em ser plurais, mas igualmente em valorizar as diferenças
surgidas no caminho da busca da verdade;
• que suscitem solidariedade a partir
dos processos de comunicação;
• que saibam escutar e estar atentos especialmente
ao clamor que emerge do murmúrio dos silenciados e, assim, contribuir para a visibilidade
dos invisíveis de hoje. (CNBB)