HOMILIA DO PAPA NA FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR
Cidade do Vaticano, 02 fev (RV) – Bento XVI presidiu, na tarde desta terça-feira,
na Basílica Vaticana, a celebração das Vésperas na Festa da Apresentação do Senhor
e Dia da Vida Consagrada. Segue abaixo a homilia do Santo Padre, com a tradução livre
de Mariangela Jaguraba.
Queridos irmãos e irmãs
Na Festa da Apresentação
de Jesus no Templo celebramos um mistério da vida de Cristo, ligado ao preceito da
lei mosaica que prescrevia aos pais, quarenta dias depois do nascimento do primogênito,
de subir ao Templo de Jerusalém para oferecer seu filho ao Senhor e para a purificação
ritual da mãe (cfr. Ex 13, 1-2.2.11-16; Lv 12, 1-8). Também Maria e José cumpriram
um rito, oferecendo segundo a lei – um casal de rolinhas ou de pombos. Lendo os fatos
mais em profundidade compreendemos que naquele momento é Deus que apresenta seu Filho
Unigênito aos homens, mediante as palavras do velho Simeão e da profetiza Ana.
Simeão
de fato, proclama Jesus como "salvação" da humanidade, como "luz" de todos os povos
e "sinal de contradição", porque revelará o pensamento dos corações (cfr. Lc 2, 29-35).
No Oriente esta festa era chamada Hypapante, festa do encontro: de fato, Simeão e
Ana, que encontram Jesus no Templo e reconhecem Nele o Messias tão esperado, representam
a humanidade que encontra o seu Senhor na Igreja. Sucessivamente esta festa estende
também no Ocidente, desenvolvendo, sobretudo, o símbolo da luz, e a procissão com
velas, que deu origem ao termo "Candelária". Este sinal visível significa que a Igreja
encontra na fé Aquele que é a "luz dos homens" e o acolhe com toda a sua fé para levar
esta luz ao mundo.
Em concomitância com esta festa litúrgica, o Venerável
João Paulo II, a partir de 1997, quis que fosse celebrada em toda a Igreja um dia
especial da Vida Consagrada. De fato, a oblação do Filho de Deus – simbolizada pela
sua apresentação no Templo – é modelo para todo homem e mulher que consagra toda a
sua vida ao Senhor. Tríplice é o objetivo deste dia: sobretudo louvar e agradecer
ao Senhor pelo dom da vida consagrada; em segundo lugar, promover o conhecimento e
a estima pela Vida Consagrada por parte de todo o Povo de Deus; enfim, convidar os
que dedicaram plenamente a própria vida à causa do Evangelho a celebrar as maravilhas
que o Senhor realizou neles. Ao agradecer a vocês por terem vindo aqui hoje em grande
número, neste dia a vocês particularmente dedicado, desejo saudar com grande afeto
cada um de vocês: religiosos, religiosas e pessoas consagradas, expressando a minha
cordial proximidade e apreço pelo bem que vocês realizam a serviço do Povo de Deus.
A
breve leitura extraída da Carta aos Hebreus, há pouco proclamada, une bem os motivos
que estão na origem desta significativa e bonita celebração e nos oferece alguns tópicos
para a nossa reflexão. Este texto – trata-se de dois versículos, mas muito densos
– abre a segunda parte da Carta aos Hebreus, introduzindo o tema central de Cristo
Sumo Sacerdote. Realmente seria necessário considerar também o versículo imediatamente
precedente, que diz: "Nós temos um sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus:
Jesus, o Filho de Deus. Por isso, mantenhamos firme a fé que professamos" (Hb 4,14).
Este versículo mostra Jesus que vai em direção ao Pai; o sucessivo o apresenta enquanto
vem até os homens. Cristo é apresentado como Mediador: é verdadeiro Deus e verdadeiro
homem, por isso pertence realmente ao mundo divino e ao mundo humano.
Na realidade,
é próprio e somente a partir desta fé, desta profissão de fé em Jesus Cristo, o único
e definitivo Mediador que na Igreja tem sentido uma vida consagrada, uma vida consagrada
a Deus mediante Cristo. Tem sentido somente se Ele é realmente mediador entre Deus
e nós, caso contrário se trataria somente de uma forma de sublimação ou de evasão.
Se Cristo não fosse verdadeiramente Deus, e não fosse, ao mesmo tempo, plenamente
homem, não respeitaria o fundamento da vida cristã enquanto tal, mas, de forma particular,
não respeitaria o fundamento de toda consagração cristã do homem e da mulher. A vida
consagrada, de fato, testemunha e expressa de maneira forte o buscar-se recíproco
entre Deus e homem, o amor que os atrai; a pessoa consagrada, pelo fato de existir
é como uma ponte rumo a Deus para todos aqueles que a encontram, um chamado, um recomeço.
E tudo isto em força da mediação de Jesus Cristo, o Consagrado do Pai. O fundamento
é Ele! Ele, que partilhou a nossa fragilidade, para que nós pudéssemos participar
de sua natureza divina.
O nosso texto insiste, mais sobre a fé, sobre a confiança
com qual a qual podemos nos aproximar do trono da graça, do momento que o nosso Sumo
Sacerdote foi ele mesmo "colocado à prova em tudo como nós". Podemos nos aproximar
para "receber misericórdia", encontrar graça e para ser ajudados no momento oportuno.
Parece-me que estas palavras contêm uma grande verdade e dá um grande conforto para
nós que recebemos o dom e o compromisso de uma especial consagração na Igreja. Penso
em particular em vocês, queridos irmãos e irmãs. Vocês se aproximaram com plena confiança
do trono da graça que é Cristo, de sua Cruz, de seu Coração, de sua divina presença
na Eucaristia. Cada um de vocês se aproximou Dele como a uma fonte do Amor puro e
fiel, um Amor tão grande e bonito que merece tudo, além de nosso tudo, porque não
basta uma vida inteira a partilhar o que Cristo é e o que fez por nós. Mas vocês se
aproximaram, e a cada dia vocês se aproximam Dele, também para serem ajudados no momento
oportuno e na hora das provações.
As pessoas consagradas são chamadas de maneira
particular a serem testemunhas desta misericórdia do Senhor, na qual o homem encontra
a sua salvação. Eles mantêm vivo a experiência do perdão de Deus, porque têm a consciência
de serem pessoas salvas, de serem grandes quando se consideram pequenos, de se sentirem
renovadas e envolvidas pela santidade de Deus quando reconhecem o próprio pecado.
Por isto, também para o homem de hoje, a vida consagrada permanece uma escola privilegiada
da "compunção do coração", do reconhecimento humilde da própria miséria, mas permanece
uma escola de confiança na misericórdia de Deus, em seu amor que nunca abandona. Na
realidade, quanto mais nos aproximamos de Deus, ficamos mais perto Dele e nos tornamos
mais úteis aos outros. As pessoas consagradas experimentam a graça, a misericórdia
e o perdão de Deus não somente para si, mas também pelos irmãos, sendo chamados a
levar no coração e na oração as angústias e as expectativas dos homens, sobretudo
daqueles que estão longe de Deus. Em particular, as comunidades que vivem na clausura,
com o seu específico compromisso de fidelidade no "estar com o Senhor", no "estar
sob a cruz", realizando freqüentemente esta função vicária, unida a Cristo pela Paixão,
tomando sobre si os sofrimentos e as provas dos outros e oferecendo tudo com alegria
para a salvação do mundo.
Enfim, queridos amigos, queremos elevar ao Senhor
um hino de ação de graças e louvor pela vida consagrada. Se ela não existisse, o mundo
seria mais pobre! Além das superficiais avaliações de funcionalidade, a vida consagrada
é importante por causa de seu ser sinal de gratuidade e de amor, e isso tanto mais
numa sociedade que corre o risco de ser sufocada pela espiral do efêmero e pelo útil
(cfr. Exort. ap. post-sinod. Vita consecrata, 105). A vida consagrada testemunha a
superabundância do amor que impulsiona a perder a própria vida, como resposta a superabundância
de amor do Senhor, que por primeiro perdeu a sua vida por nós. Neste momento penso
nas pessoas consagradas que sentem o peso do cansaço cotidiano escasso de gratificações
humanas, penso nos religiosos e nas religiosas doentes, naqueles que se sentem em
dificuldades em seu apostolado... Nenhum deles é inútil, porque o Senhor os associa
ao trono da graça. São um dom precioso para a Igreja e para o mundo, que tem sede
de Deus e de sua Palavra.
Cheios de confiança e de reconhecimento, renovemos
também nós o gesto de oferta total de nós mesmos apresentando-nos ao Templo. O Ano
Sacerdotal seja uma ocasião a mais para os religiosos presbíteros, para intensificar
o caminho de santificação e, para todos os consagrados e as consagradas, um estímulo
para acompanhar e apoiar o seu ministério com fervorosa oração. Este ano de graça
terá um momento culminante em Roma, no mês de junho próximo, no encontro internacional
dos sacerdotes, ao qual convido todos os que exercem o Sagrado Ministério. Aproximemo-nos
de Deus três vezes Santo, para oferecer a nossa vida e a nossa missão, pessoal e comunitária,
de homens e mulheres consagrados ao Reino de Deus. Façamos este gesto interior em
íntima comunhão espiritual com a Virgem Maria: enquanto a contemplamos na ação de
apresentar Jesus Menino no Templo, a veneramos como primeira e perfeita consagrada,
carregada por aquele Deus que ela leva nos braços; Virgem, pobre e obediente, toda
dedicada a nós, porque é toda de Deus. Em sua escola, e com a sua materna ajuda, renovamos
o nosso "eis-me aqui" e o nosso "sim". Amém.