Proteger a criação não questão estética, é exigência moral, porque a natureza exprime
um projecto de amor e de verdade que nos precede e que vem de Deus: Bento XVI ao Corpo
Diplomático
(11/1/2010) Na solene audiência ao Corpo Diplomático, nesta segunda-feira, para a
apresentação de votos de Ano Novo, Bento XVI passou em resenha as situações que mais
preocupação suscitam, a nível mundial, sublinhando a necessidade do empenho a favor
da salvaguarda da criação e da construção da paz. Proteger a criação não é questão
estética mas sim exigência moral. Referida a ameaça que constituem “leis ou projectos
que, em nome da luta contra a discriminação, atentam contra o fundamento biológico
da diferença entre os sexos”.
Bento XVI começou por recordar que “a Igreja
está aberta a todos porque, em Deus, ela existe para os outros”. É por isso que a
Igreja “participa intensamente da sorte da humanidade”, que continua marcada pela
“dramática crise que afectou a economia mundial, provocando uma grave e difusa instabilidade
social”. Uma situação que, em última análise, se radica “numa mentalidade corrente,
egoísta e materialista, que esquece os limites inerentes a todas as criaturas”. Uma
mentalidade que ameaça igualmente a criação, pois a negação de Deus, ao mesmo tempo
que desfigura a liberdade da pessoa humana, devasta também a criaçaõ:
A
salvaguarda da criação não responde principalmente a uma questão estética, mas muito
mais ainda a uma exigência moral, porque a natureza exprime um projecto de amor e
de verdade que nos precede e que provém de Deus”.
Para construir uma verdadeira
paz, não se pode separar, nem sequer opor, a protecção do ambiente e a da vida humana,
mesmo antes do nascimento. “É no respeito que a pessoa humana tem de si mesma que
se manifesta o seu sentido de responsabilidade para com a criação”. Por outro
lado, “a salvaguarda da criação implica uma gestão correcta dos recursos naturais
dos países e, em primeiro lugar, dos economicamente mais desfavorecidos”. E aqui Bento
XVI referiu o continente africano, evocando a sua viagem aos Camarões e a Angola,
assim como a assembleia sinodal de Outubro passado.
“Na África, como noutros
lados, é necessário adoptar opções políticas e económicas capazes de assegurar formas
de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as
necessidades primárias de todos. Por outro lado, como esquecer que a luta pelo
acesso aos recursos naturais é uma das causas de vários conflitos, nomeadamente na
África, sendo a fonte de um risco permanente também noutros casos? Esta é mais uma
razão que me leva a repetir com vigor que, para cultivar a paz, é preciso proteger
a criação!”
Neste contexto, o Papa referiu o Afeganistão e certos países latino-americanos
onde a agricultura se encontra ainda ligada à produção da droga, solicitando a comunidade
internacional a não se resignar ao tráfico da droga e aos graves problemas sociais
e morais por ela gerados. O mesmo se diga da corrida aos armamentos e o incremento
dos arsenais nucleares.
“A protecção da criação é um factor importante de
paz e de justiça! De entre os numerosos desafios que lança, um dos mais graves é o
do aumento das despesas militares e também o da manutenção e desenvolvimento dos arsenais
nucleares. Enormes recursos económicos são absorvidos por tais finalidades, quando
poderiam ser destinados para o desenvolvimento dos povos, sobretudo dos mais pobres”.
Bento
XVI exprimiu a sua esperança de que na Conferência que vai ter lugar em Maio, em Nova
Iorque, para examinar o Tratado de não proliferação das armas nucleares, se tomem
decisões eficazes em vista de um progressivo desarmamento visando libertar o planeta
destas armas.
“Deploro que a produção e a exportação das armas contribuam
para perpetuar conflitos e violências, como no Darfur, na Somália ou na República
Democrática do Congo. À incapacidade das partes directamente implicadas para saírem
da espiral de violência e sofrimento gerada por estes conflitos, junta-se a aparente
impotência dos outros países e das organizações internacionais para restabelecerem
a paz, sem contar a indiferença quase resignada da opinião pública mundial”.
Ainda
a propósito da problemática ambiental, Bento XVI sublinhou que as raízes de fundo
da actual situação são de ordem moral, pelo que a questão tem que ser enfrentada no
quadro de um grande esforço de educação, que promova uma mudança de mentalidade e
estabeleça novos modos de vida. Um empenho em que as comunidades crentes desejam participar,
o que pressupõe que se lhes reconheça o seu lugar público…
“Infelizmente em
certos países, sobretudo ocidentais, difundiu-se nos meios políticos e culturais,
bem como nos mass media, um sentimento de pouca consideração e por vezes de hostilidade,
para não dizer menosprezo, para com a religião, particularmente a religião cristã.
É claro que, se se considera o relativismo como um elemento constitutivo essencial
da democracia, corre-se o risco de conceber a laicidade apenas em termos de exclusão
ou, mais exactamente, de recusa da importância social do facto religioso. Mas uma
tal perspectiva gera confronto e divisão, prejudica a paz, perturba a ecologia humana
e, rejeitando por princípio atitudes diversas da sua, torna-se uma estrada sem saída.”
É
portanto urgente definir uma laicidade positiva, aberta, que favoreça uma são colaboração
e um espírito de responsabilidade partilhada. Sublinhando depois que “a problemática
do ambiente é complexa”, como “um prisma plurifacetado”, Bento XVI observou que as
pessoas podem ser protegidas ou postas em risco, de diversas maneiras…
“Um
destes ataques provém das leis ou dos projectos que, em nome da luta contra a discriminação,
atentam contra o fundamento biológico da diferença entre os sexos. Refiro-me, por
exemplo, a países europeus ou do continente americano. «Se tiras a liberdade,
tiras a dignidade»: diz São Columbano. Todavia a liberdade não pode ser absoluta,
porque o homem não é Deus, mas imagem de Deus, sua criatura. Para o homem, o caminho
a seguir não pode ser fixado pelo que é arbitrário ou apetecível, mas deve, antes,
consistir na correspondência à estrutura querida pelo Criador.”
Na parte final
do seu discurso ao Corpo Diplomático, para além da questão ambiental, o Papa evocou
algumas outras emergências vividas ao longo do ano há pouco concluído. Antes de mais,
diversas catástrofes naturais, com mortes e destruições: nas Filipinas, Vietnam, Laos,
Cambodja, Taiwan, na Indonésia e mesmo em Itália. Por outro lado, Bento XVI congratulou-se
com vários acordos bilaterais entre diversos países, favorecendo assim a causa da
paz, por exemplo entre Colômbia e Equador, Croácia e Eslovénia, Arménia e Turquia.
Mencionando a sua peregrinação à Terra Santa, o Papa recordou o insistente convite
que ali dirigiu a Israelitas e Palestinianos para que dialoguem e respeitem os direitos
uns dos outros.
“Uma vez mais, elevo a minha voz pedindo que seja universalmente
reconhecido o direito do Estado de Israel a existir e gozar de paz e segurança em
fronteiras internacionalmente reconhecidas. E que de igual modo se reconheça o direito
do Povo Palestiniano a uma pátria soberana e independente, a viver com dignidade e
a deslocar-se livremente.”
Não faltou uma referência específica a Jerusalém:
“Além
disso, queria pedir o apoio de todos para que se protejam a identidade e o carácter
sagrado de Jerusalém, a sua herança cultural e religiosa, cujo valor é universal.
Só assim poderá esta cidade única, santa e atribulada ser sinal e antecipação da paz
que Deus deseja para toda a família humana.” No que diz respeito ao Iraque, o
Papa exortou governantes e cidadãos a que, por amor do diálogo e da paz, superem as
divisões, a tentação da violência e a intolerância, para construírem juntos o futuro
do país. “Também as comunidades cristãs querem prestar a sua colaboração, mas para
tal é preciso que lhes seja assegurado respeito, segurança e liberdade” - observou. Neste
contexto, Bento XVI referiu ainda o Paquistão e o Egipto, onde os cristãos têm sido
alvo de violência, pedindo que tudo se faça para que não se repitam tais violências
e os cristãos se possam sentir inteiramente integrados na vida do país. (texto
integral em audiencias)