Rio de Janeiro, 21 dez (RV) - Ultimamente o debate sobre os passos do Concílio
Vaticano II nos fazem refletir sobre a importância desse acontecimento eclesial.
Como recordou muitas vezes o Papa Bento XVI, infelizmente tivemos muitas interpretações
errôneas dos textos conciliares que levaram a Igreja a muitas dificuldades. De outro
lado, também escutamos as dificuldades em colocar em prática não só a letra, mas também
o espírito desse importante evento. Passados alguns decênios e devido a tantas discussões
atuais, seria interessante que pudéssemos estar sempre voltados para a ação do Espírito
Santo na sua Igreja e descobrir esses sinais.
Nos inícios do século XX, o interesse
pela Igreja renascia nas almas com renovado vigor. O “Movimento litúrgico” esforçava-se
por colocar ao alcance de todos o profundo significado da ação litúrgica da Igreja,
e a memorável encíclica do Papa Pio XII, “Mystici Corporis”, recolhendo a contribuição
de aprofundados estudos e avanços da teologia, ressaltou a dimensão teológica e mística,
que, com a dimensão visível e institucional, identifica a Igreja em sua unidade profunda.
Talvez em nenhum outro século a Igreja tenha se voltado para si mesma e refletido
sobre sua própria identidade e missão com tanta intensidade e profusão de estudos
teológicos e documentos do magistério eclesiástico como no século XX. Mas o que marcou
o século XX para a Igreja foi, de fato, o Concílio Vaticano II. A Igreja foi aí o
grande tema: a Igreja em si mesma e em sua relação com o mundo; a Igreja em sua unidade
fundamental e diversidade de expressões; a Igreja como depositária do Evangelho do
Deus vivo revelado em Jesus.
Um dos grandes documentos do Concílio é a Constituição
Dogmática “Lumen gentium”. Temos aí uma fonte da qual somos chamados a beber continuamente.
A constituição oferece, em linguagem acessível, o que a Igreja pensa sobre si mesma.
Toda a riqueza teológica sobre a Igreja, presente nas Escrituras, ressaltada pelos
Santos Padres, vivida pelos santos, estudada e sistematizada pelo labor dos teólogos
ao longo dos séculos, isto é, toda a tradição de fé a respeito da Igreja encontra
na “Lumen gentium” uma vigorosa síntese. Logo no início do documento, a Igreja é apontada
como sendo, em Cristo, “como que o sacramento, ou o sinal e instrumento, da íntima
união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (n.1). Essas breves palavras
revelam já o teor e a profundidade das reflexões contidas ao longo de todo o texto.
Quem
deseja unir-se intimamente a Cristo, Deus feito homem, não pode ignorar a Igreja que
Ele quis. Cristo e a Igreja são, na verdade, inseparáveis. Aqueles que querem Cristo
não podem rejeitar a Igreja. O Plano de Salvação de Deus é sacramental, isto é, Deus
houve por bem dispensar-nos a salvação valendo-se de sinais sensíveis, de modo que
o invisível viesse a nós por meio das coisas visíveis. A humanidade de Cristo é o
primeiro grande sinal visível da salvação de Deus. Cristo é o grande e primordial
sacramento de Deus no meio de nós. A visibilidade da salvação continua na Igreja,
que, com seus sacramentos, a Palavra que anuncia, o serviço da caridade e a sua organização
visível, é o grande sinal de Cristo ao longo da história.
Neste final de Advento,
somos convidados a conhecer melhor a Igreja. Sim; ela é a Esposa de Cristo. Nós, batizados,
como Povo de Deus a caminho, somos seus membros vivos, em comunhão com os que nos
precederam na mesma fé e que hoje estão na glória do céu ou se purificam no purgatório
para a visão de Deus. Quando nos preparamos para celebrar o Natal do Senhor, não podemos
ficar indiferentes à Igreja que Ele amou e conquistou com o Seu sangue. A Igreja é
a família de Deus, é a mãe que nos gera para a fé em Cristo. Ela nos ensina a amá-Lo,
servi-Lo, celebrá-Lo e esperá-Lo vigilantes. Bento XVI, na abertura da Conferência
de Aparecida, disse: “A Igreja tem a grande tarefa de conservar e alimentar a fé do
Povo de Deus, e recordar também aos fiéis deste Continente que, em virtude do seu
batismo, são chamados a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo”.
Que
o século XXI possa continuar a empreitada do século XX, fazendo de nosso tempo uma
ocasião propícia para um continuado aprofundamento da nossa identidade de cristãos
e católicos, membros vivos da Igreja de Cristo. Que a Constituição “Lumen gentium”
do Vaticano II nos sirva de farol e guia, já que o revigoramento do verdadeiro sentido
de Igreja em nossos corações significa o revigoramento de Cristo em nossas vidas.
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Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ