Cidade do Vaticano, 14 nov (RV) – Leia a seguir, na íntegra, o discurso de
Bento XVI entregue aos bispos de São Paulo, que compõem o Regional Sul 1 da CNBB,
e a saudação ao Santo Padre feita pelo presidente do Regional, Dom Nelson Westrupp.
DISCURSO
DO PAPA
Senhor Cardeal, Amados Arcebispos e Bispos do Brasil,
No
meio da visita que estais cumprindo ad limina Apostolorum, vos reunistes hoje para
subir à Casa do Sucessor de Pedro, que de braços abertos vos acolhe a todos vós, amados
Pastores do Regional Sul 1, no Estado de São Paulo. Lá se encontra o importante centro
de acolhimento e evangelização que é o Santuário de Nossa Senhora Aparecida, onde
tive a alegria de estar em maio de 2007 para a inauguração da Quinta Conferência do
Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Faço votos por que a semente então lançada
possa dar válidos frutos para o bem espiritual e também social das populações daquele
promissor Continente, da querida Nação brasileira e do vosso Estado Federal. Elas
«têm direito a uma vida plena, própria dos filhos de Deus, com condições mais humanas:
livres da ameaças da fome e de toda forma de violência» [Discurso inaugural (13/V/2007),
n. 4]. Uma vez mais, desejo agradecer tudo o que foi realizado com tão grande generosidade
e renovar a minha cordial saudação a vós e às vossas dioceses, recordando de modo
especial os sacerdotes, os consagrados e consagradas e os fiéis leigos que vos ajudam
na obra de evangelização e animação cristã da sociedade. O vosso povo abriga no
coração um grande sentimento religioso e nobres tradições, enraizadas no cristianismo,
que se exprimem em sentidas e genuínas manifestações religiosas e civis. Trata-se
de um patrimônio rico de valores, que vós – como mostram os relatórios, e Dom Nelson
referia na amável saudação que em vosso nome acaba de dirigir-me – procurais manter,
defender, estender, aprofundar, vivificar. Ao regozijar-me vivamente com tudo isto,
exorto-vos a prosseguir nesta obra de constante e metódica evangelização, cientes
de que a formação autenticamente cristã da consciência é decisiva para uma profunda
vida de fé e também para o amadurecimento social e o verdadeiro e equilibrado bem-estar
da comunidade humana. Com efeito, para merecer o título de comunidade, um grupo
humano deve corresponder, na sua organização e nos seus objetivos, às aspirações fundamentais
do ser humano. Por isso não é exagerado afirmar que uma vida social autêntica tem
início na consciência de cada um. Dado que a consciência bem formada leva a realizar
o verdadeiro bem do homem, a Igreja, especificando qual é este bem, ilumina o homem
e, através de toda a vida cristã, procura educar a sua consciência. O ensinamento
da Igreja, devido à sua origem – Deus –, ao seu conteúdo – a verdade – e ao seu ponto
de apoio – a consciência –, encontra um eco profundo e persuasivo no coração de cada
pessoa, crente e mesmo não crente. Concretamente, «a questão da vida e da sua defesa
e promoção não é prerrogativa unicamente dos cristãos. Mesmo se recebe uma luz e força
extraordinária da fé, aquela pertence a cada consciência humana que aspira pela verdade
e vive atenta e apreensiva pela sorte da humanidade. (…) O “povo da vida” alegra-se
de poder partilhar o seu empenho com muitos outros, de modo que seja cada vez mais
numeroso o “povo pela vida”, e a nova cultura do amor e da solidariedade possa crescer
para o verdadeiro bem da cidade dos homens» [Enc. Evangelium vitæ (25/III/1995), 101].
Venerados Irmãos, falai ao coração do vosso povo, acordai as consciências, reuni
as vontades num mutirão contra a crescente onda de violência e menosprezo do ser humano.
Este, de dádiva de Deus acolhida na intimidade amorosa do matrimônio entre o homem
e a mulher, passou a ser visto como mero produto humano. «Hoje, um campo primário
e crucial da luta cultural entre o absolutismo da técnica e a responsabilidade moral
do homem é o da bioética, onde se joga radicalmente a própria possibilidade de um
desenvolvimento humano integral. Trata-se de um âmbito delicadíssimo e decisivo, onde
irrompe, com dramática intensidade, a questão fundamental de saber se o homem se produziu
por si mesmo ou depende de Deus. As descobertas científicas neste campo e as possibilidades
de intervenção técnica parecem tão avançadas que impõem a escolha entre estas duas
concepções: a da razão aberta à transcendência ou a da razão fechada na imanência»
[Enc. Caritas in veritate (29/VI/2009), 74]. Jó, de modo provocatório, chama os seres
irracionais a darem o próprio testemunho: «Pergunta, pois, aos animais e eles te ensinarão;
às aves do céu e elas te instruirão, aos répteis da terra e eles te responderão, e
aos peixes do mar e eles te darão lições. Quem não vê em tudo isto a mão de Deus que
fez todas estas coisas? Deus tem nas suas mãos a alma de todo o ser vivente, e o sopro
de vida de todos os homens» (Jó 12, 7-10). A convicção da reta razão e a certeza da
fé de que a vida do ser humano, desde a concepção até à morte natural, pertence a
Deus e não ao homem, confere-lhe aquele caráter sagrado e aquela dignidade pessoal
que suscita a única atitude legal e moral correta, isto é, a de profundo respeito.
Porque o Senhor da vida falou: «Da vida do homem pedirei contas a seu irmão. (...)
porque Deus fez o ser humano à sua imagem» (Gen 9, 5.6). Meus amados e venerados
Irmãos, nunca podemos desanimar no nosso apelo à consciência. Não seríamos seguidores
fiéis do nosso Divino Mestre, se não soubéssemos em todas as situações, mesmo nas
mais árduas, levar a nossa «esperança para além do que se pode esperar» (Rom 4, 18).
Continuai a trabalhar pelo triunfo da causa de Deus, não com o ânimo triste de quem
adverte só carências e perigos, mas com a firme confiança de quem sabe poder contar
com a vitória de Cristo. Unida ao Senhor de modo inefável está Maria, plenamente conforme
ao seu Filho, vencedor do pecado e da morte. Pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida,
imploro de Deus luz, conforto, força, intensidade de propósitos e realizações para
vós e vossos mais diretos colaboradores, ao mesmo tempo que de coração vos concedo,
extensiva a todos os fiéis de cada comunidade diocesana, uma particular Bênção Apostólica.
Saudação
de Dom Nelson Westrupp, bispo de Santo André e do Regional Sul 1 Beatíssimo
Padre, 1. Sentimo-nos felizes e honrados em poder saudar Vossa Santidade, por ocasião
de nossa "visita ad limina Apostolorum". Estamos conscientes do que representa para
cada um de nós o encontro entre os sucessores dos Apóstolos e o Sucessor de Pedro
- um encontro do Pastor Universal da Igreja com os Pastores de Igrejas Particulares.
Trata-se de uma ocasião especial para revigorarmos nossa responsabilidade pastoral
e tornarmos ainda mais visível nossa comunhão hierárquica com Vossa Santidade, pois,
como indica o Código de Direito Canônico (Cân. 400), a finalidade essencial da "visita
ad limina" é venerar os sepulcros dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e encontrar-se
com o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma. Em janeiro de 2003, fomos solicitamente
acolhidos por Vossa Santidade na Congregação para a Doutrina da Fé. Hoje, quase sete
anos depois, somos novamente recebidos por Vossa Santidade, como nosso querido Papa
Bento XVI. 2. O Conselho Episcopal Regional Sul 1 da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil congrega os Bispos das dioceses do Estado de São Paulo. Nosso Regional,
constituído por oito Províncias Eclesiásticas, é formado por 44 Circunscrições Eclesiásticas,
sendo 41 Dioceses, 1 Eparquia Maronita, 1 Eparquia Greco-Melquita e 1 Exarcado Armênio
Católico. Temos testemunhado, nos últimos anos, um ardor evangélico que nutre o
coração dos fiéis e se manifesta, visivelmente, em sua participação ativa como Igreja.
A visita de Vossa Santidade ao Brasil, em São Paulo, em maio de 2007, trouxe alento
e graça para nossa Igreja; queremos agradecer mais uma vez a afabilidade paternal
de Vossa Santidade, que nós e nosso povo tivemos a ocasião de experimentar durante
aquela visita; agradecer também a canonização de Santo Antônio de Sant'Anna Galvão,
o primeiro Santo nascido no Brasil, e as iluminadoras palavras dirigidas aos Bispos
do Brasil na Catedral de São Paulo e aquelas proferidas na abertura da V Conferência
do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em Aparecida. 3. Nossas Igrejas particulares
alegraram-se e amadureceram com a comemoração do Ano Paulino, proclamado por Vossa
Santidade; o Ano Sacerdotal está sendo ocasião para valorizar os sacerdotes e as vocações
sacerdotais; e o Ano Catequético, proclamado pela nossa Conferência Episcopal, para
comemorar os 50 anos do movimento catequético em nosso País, está trazendo frutos
importantes para a evangelização. Em todos esses momentos, destacamos as várias dimensões
da vivência do discipulado missionário de todos os batizados. A todos recordamos especialmente
as riquezas do sacerdócio comum dos fiéis e do sacerdócio ministerial, que frutificam
na colaboração dos fiéis leigos e dos ministros ordenados no seio da Igreja. 4.
O Estado de São Paulo possui grande extensão territorial (2.47811,2 km2) e uma população
numerosa (mais de 41 milhões de habitantes); é complexa a sua situação social, política,
econômica, cultural, ecológica e religiosa. Estamos diante dos desafios da mobilidade
religiosa, que inquieta nosso coração de pastores. O mapa religioso continua a mudar
e aumenta o número dos "evangélicos" e dos que se declaram sem religião. Constatamos
que, talvez, nossa ação evangelizadora e pastoral não consiga atingir a todos, principalmente
nos centros urbanos, mas também na zona rural. Não podemos ficar indiferentes diante
da urgência da evangelização, que requer audácia, como nos recordou a Conferência
de Aparecida. As palavras de Vossa Santidade, na Carta de Proclamação do Ano Sacerdotal,
ainda ecoam em nossos corações: "no mundo atual, não menos do que nos tempos difíceis
do Cura d'Ars, é preciso que os presbíteros, na sua vida e ação, se distingam por
um vigoroso testemunho evangélico". 5. Como resposta aos novos desafios, estamos
fomentando sempre mais uma "cultura missionária" em nossas Dioceses e comunidades
eclesiais. Já durante 15 anos, mantemos um Projeto Missionário com as dioceses da
Amazônia brasileira. As dioceses do nosso Regional enviam sacerdotes, religiosas,
religiosos, leigos e leigas, bem como os recursos financeiros necessários para a sua
manutenção. Em 2004, elaboramos um "Projeto de Ação Missionária Permanente", cujo
texto inspirou muito nossa ação evangelizadora. Queremos ser uma igreja em estado
permanente de missão. Por isso, nesses anos recentes, os temas de nossas Assembléias
Episcopais estiveram sempre relacionados com algum aspecto da ação missionária da
Igreja local. Sabendo que a ação da Igreja envolve diretamente leigos comprometidos
com o anúncio do Evangelho, é nossa preocupação qualificar melhor os agentes de pastoral.
Na maioria das Dioceses, temos escolas de formação teológica e pastoral para os leigos,
que têm ajudado, de modo generoso, a responder às dificuldades que se apresentam à
fé cristã. 6. Queremos agradecer a Vossa Santidade pelas inúmeras e iluminadas
iniciativas nos campos da evangelização e da instrução da fé, como a Assembléia do
Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na vida e missão da Igreja e as três Cartas
Encíclicas. A mais recente, "Caritas in veritate" encheu-nos de entusiasmo e esperança;
por ela, a Doutrina Social da Igreja ilumina o atual contexto sócio-político e econômico
mudado pela globalização. Também é nosso propósito iluminar a vida da sociedade com
o ensinamento Social da Igreja, proclamado especialmente através das várias Encíclicas.
O centro de todo desenvolvimento humano deve ser integral e não apenas econômico e
tecnológico, como o mundo é levado a acreditar. As falhas do desenvolvimento humano
têm sua explicação na compreensão insuficiente da dignidade humana e do seu desenvolvimento
integral, centrado na caridade: o amor incondicional e sem medida é a base do Evangelho
e da evangelização. É esse amor que eleva a dignidade da pessoa, de modo a desenvolver
a fraternidade, como expressão da economia e da civilidade. 7. Ainda lembramos
e procuramos seguir a recomendação de Vossa Santidade no Santuário de Aparecida, em
maio de 2007: "Permanecei na escola de Maria. Inspirai-vos nos seus ensinamentos,
procurai acolher e guardar dentro do coração as luzes que ela, por mandato divino,
vos envia lá do alto" (Discurso no final da oração do Santo Rosário, 12/5/2007, n.
1). 8. Beatíssimo Padre, os Pastores e o Povo de Deus, que peregrinam nas Igrejas
Particulares do Estado de São Paulo, têm grande estima e amor ao Vigário de Cristo
na terra. O Pontificado de Vossa Santidade ilumina-nos, estimula e dá-nos segurança
nos caminhos da missão. Nós amamos a Igreja de Cristo e seu querido Pai e Pastor e
pedimos que o Espírito de Cristo assista e conforte sempre Vossa Santidade no exercício
do ministério petrino e de sua altíssima missão à frente da Igreja e da grande família
humana. 9. Suplicamos também a Nossa Senhora Aparecida, celeste Rainha e Padroeira
do povo brasileiro, que interceda por Vossa Santidade e o cubra com carinhosa e maternal
proteção. Pedimos que Vossa Santidade conceda a nós, ao nosso clero, aos consagrados
e às consagradas, aos seminaristas, às famílias e a todos os fiéis leigos de nossas
Igrejas Particulares sua paterna Bênção Apostólica.
Roma, 14 de novembro de
2009.
Dom Nelson Westrupp, SCJ Bispo de Santo André Presidente do Regional
Sul 1 da CNBB