(12/11/2009) Numa mensagem datada 2 de Junho de 2008 e lida pelo cardeal Secretario
de Estado Tarcisio Bertone, Bento XVI dirigindo-se aos participantes na conferencia
de alto nível sobre segurança alimentar mundial promovida pela FAO escreve: Ao
Cardeal Tarcisio Bertone, meu Secretário de Estado, pedi que vos comunicasse a particular
atenção com que acompanho o vosso trabalho e que vos assegurasse que atribuo uma grande
importância à árdua tarefa que vos espera. Milhões de homens e de mulheres olham para
vós, enquanto novas insídias ameaçam a sua sobrevivência, e situações preocupantes
põem em perigo a segurança dos seus países. Com efeito, a crescente globalização dos
mercados nem sempre favorece a disponibilidade de alimentos, e os sistemas produtivos
são muitas vezes condicionados por limites estruturais, assim como por políticas proteccionistas
e por fenómenos especulativos que relegam populações inteiras às margens dos processos
de desenvolvimento. À luz de tal situação, é necessário reiterar com força que a fome
e a subalimentação são inaceitáveis num mundo que, na realidade, dispõe de níveis
de produção, de recursos e de conhecimentos suficientes para pôr fim a tais dramas
e às suas consequências. O grande desafio de hoje consiste em "globalizar não apenas
os interesses económicos e comerciais, mas inclusivamente as expectativas de solidariedade,
no respeito e na valorização do contributo de cada um dos componentes da sociedade"
(Discurso à Fundação "Centesimus annus pro Pontifice", 31 de
Maio de 2008). A defesa da vida humana. A mensagem prossegue: como se pode
permanecer insensível aos apelos daqueles que, nos vários continentes, não conseguem
alimentar-se suficientemente para viver? Pobreza e subalimentação não são uma mera
fatalidade, provocada por situações ambientais adversas ou por desastrosas calamidades
naturais. Por outro lado, as considerações de índole exclusivamente técnica ou económica
não devem prevalecer sobre os deveres de justiça em relação a quantos sofrem de fome.
O direito à alimentação "responde principalmente a uma motivação ética: "dar de comer
a quem tem fome" (cf. Mt 25, 35), que leva a compartilhar os bens materiais
como sinal do amor de que todos temos necessidade [...] Este direito primário à alimentação
está intrinsecamente vinculado à tutela e à defesa da vida humana, rocha firme e inviolável
sobre a qual se baseia todo o edifício dos direitos humanos" (Discurso ao novo
Embaixador da Guatemala, 31 de Maio de 2008). Toda a pessoa tem direito
à vida: portanto, é necessário promover a actuação efectiva de tal direito, e devem-se
ajudar as populações que sofrem por causa da falta de alimento, a tornar-se gradualmente
capazes de satisfazer as próprias exigências de uma alimentação suficiente e sadia.
Neste momento particular, em que a segurança alimentar está ameaçada pelo aumento
dos preços dos produtos agrícolas, devem ser elaboradas novas estratégias de luta
à pobreza e de promoção do desenvolvimento rural. Reformas estruturais.
“Isto deve verificar-se também através de processos de reformas estruturais, que permitam
enfrentar os desafios da própria segurança e das mudanças climáticas; além disso,
é necessário incrementar a disponibilidade alimentar, valorizando a laboriosidade
dos pequenos agricultores e garantindo o seu acesso ao mercado. Todavia, o aumento
global da produção agrícola somente poderá ser eficaz, se for acompanhado pela efectiva
distribuição de tal produção, e se ela for destinada prioritariamente à satisfação
das necessidades essenciais. Sem dúvida, trata-se de um caminho não fácil, mas que
permitiria, entre outras coisas, redescobrir o valor da família rural: ela não se
limita a preservar a transmissão, dos pais aos filhos, dos sistemas de cultivo, de
conservação e de distribuição dos alimentos, mas é sobretudo um modelo de vida, de
educação, de cultura e de religiosidade. Além disso, sob o perfil económico, assegura
uma atenção eficaz e amorosa aos mais frágeis e, em virtude do princípio de subsidiariedade,
pode assumir um papel directo na cadeia de distribuição e de comercialização dos produtos
agrícolas destinados à alimentação, reduzindo os custos da intermediação e favorecendo
a produção em pequena escala.” A tutela da pessoa. As dificuldades hodiernas
demonstram que, sozinhas, as tecnologias modernas não são suficientes para suprir
as carências alimentares, como não o são os cálculos estatísticos e, nas situações
de emergência, o envio de ajudas alimentares. Sem dúvida, tudo isto tem grande relevo,
mas deve ser completado e orientado por uma acção política que, inspirando-se naqueles
princípios da lei natural que estão inscritos no coração dos homens, proteja a dignidade
da pessoa. Deste modo, também a ordem da criação é respeitada, tendo "como critério
orientador o bem de todos" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1
de Janeiro de 2008, n. 7). Portanto, somente a salvaguarda da pessoa permite combater
a causa principal da fome, ou seja, aquele fechamento do ser humano diante do seu
próximo, que dissolve a solidariedade, justifica os modelos de vida consumistas e
desagrega o tecido social preservando, se não mesmo aprofundando, o sulco de equilíbrios
injustos e descuidando as mais profundas exigências do bem (cf. Carta Encíclica Deus
caritas est, 28). Portanto, se o respeito pela dignidade humana prevalecesse
na mesa das negociações, das decisões e da sua prática, poder-se-ia ultrapassar obstáculos
de outra forma insuperáveis, e eliminar-se-ia ou pelo menos diminuiria o desinteresse
pelo bem do próximo. Por conseguinte, seria possível adoptar providências corajosas,
que não se rendam diante da fome e da subalimentação, como se se tratasse simplesmente
de fenómenos endémicos e insolúveis. A defesa da dignidade humana na acção internacional,
mesmo de emergência, ajudaria igualmente a calcular o supérfluo, na perspectiva das
necessidades do próximo, e a administrar os frutos da criação em conformidade com
a justiça, colocando-os à disposição de todas as gerações. Podeis contar com
o contributo da Santa Sé. À luz de tais princípios, formulo votos a fim de que
as Delegações presentes nesta reunião assumam novos compromissos e se proponham realizá-los
com grande determinação. Por sua vez, a Igreja católica deseja unir-se a este esforço!
Em espírito de colaboração, ela haure da sabedoria antiga, inspirada no Evangelho,
um apelo firme e urgente, que permanece de grande actualidade para quantos participam
neste encontro: "Dá de comer a quem está a morrer de fome, porque se não lhe deres
de comer, tê-lo-ás morto" (Decretum Gratiani, c. 21, d. LXXXVI). Asseguro-vos
que, ao longo deste caminho, podeis contar com a contribuição da Santa Sé. Embora
se diferencie dos Estados, ela une-se às suas finalidades mais nobres para consolidar
um compromisso que, por sua natureza, interpela toda a comunidade internacional: encorajar
todos os povos a compartilhar as necessidades dos demais povos, pondo em comum os
bens da Terra, que o Criador destinou a toda a família humana. Com estes sentimentos,
formulo os meus mais ardentes votos para o bom êxito dos trabalhos, enquanto invoco
a Bênção do Altíssimo sobre vós e sobre quantos se comprometem em prol do autêntico
progresso da pessoa e da sociedade.