INAUGURAÇÃO SOLENE DA II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS. HOMILIA
DO SANTO PADRE
INAUGURAÇÃO SOLENE DA II ASSEMBLEIA ESPECIAL PARA A ÁFRICA DO SÍNODO DOS BISPOS
Ás
09h30 desta manhã , 4 de Outubro de 2009, XXVII Domingo do tempo "per annum", na Basílica
de São Pedro, junto ao túmulo do apóstolo Pedro, o Santo Padre Bento XVI presidiu
a Concelebração da Eucaristia com os Padres Sinodais, por ocasião da Abertura solene
da II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, que se realizará na
Sala do Sínodo, no Vaticano, até ao dia 25 de Outubro de 2009, sobre o tema A Igreja
em África a serviço da reconciliação , da justiça e da paz. "Vós sois o sal da terra...
Vós sois a luz do mundo"(Mt 5, 13.14).
Com a recitação das Laudes ás 9h15,
teve início a procissãoode entrada na Basílica. Os Concelebrantes, guiados pelos mestres-de-cerimónia
posicionaram –se ao redor do Altar da Confissão . Os Senhores Cardeais, os Patriarcas
e os Componentes da Presidência da II Assembleia Especial para a África do Sínodo
dos Bispos participaram na procissão com o Santo Padre.
Com o Papa concelebraram
239 Padres Sinodais (33 Cardeais, 3 Prelados das Igrejas Orientais, 75 Arcebispos
120 Bispos e 8Sacerdotes) e 55 colaboradores.
No início da Concelebração, durante
o Rito de Aspersão , presidido pelo Santo Padre, o coro e a assembleia entoavam "Asperges
me" e "Nakoma peto" ("Que eu me purifique"), canto em espanhol.
Subiram ao
Altar para a Oração Eucarística os Presidentes Delegados S. Em. Cardeal Francis ARINZE,
Prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos
(CIDADE DO VATICANO), S.Em. Cardeal Wilfrid Fox NAPIER, O.F.M., Arcebispo de Durban
(ÁFRICA DO SUL) S.Em. Cardeal Théodore-Adrien SARR, Arcebispo de Dacar (SENEGAL);
O Relator-Geral S.Em. Cardeal Peter Kodwo Appiah TURKSON, Arcebispo de Cape Coast
(GANA); o Secretário-Geral S.E.R. Dom Nikola ETEROVIÆ (CIDADE DO VATICANO); Os Secretários
Especiais S.E.R. Dom Damião António FRANKLIN, Arcebispo de Luanda (ANGOLA) e S.E.R.
Dom Edmond DJITANGAR, Bispo de Sarh (CHADE).
A primeira leitura foi proferida
em francês, o Salmo responsorial em italiano e a Segunda leitura, em inglês. O Evangelho
foi proclamado em latim. As intenções da oração dos fiéis foram propostas em swahili,
português, aramaico, hausa, lingala e árabe. O canto em idioma kikongo "Ee Mkufu,
Yamba Makabi" ("Senhor, acolhei esta oferta") acompanhou o Ofertório. Na conclusão
da celebração, o canto final em lingala, o hino a Maria "Tokobondela yo e, Mama Maria"
("Te pedimos, M e Maria").
Durante o Rito Sagrado, depois da proclamação do
Evangelho, o Santo Padre proferiu a seguinte homilia:
HOMILIA DO SANTO PADRE:
Veneráveis
Irm os no Episcopado e no Sacerdócio, ilustres Senhores e Senhoras, queridos
irm os e irm s!
Pax vobis - a paz esteja convosco! Com esta saudaç o litúrgica
dirijo-me a todos vós reunidos na Basílica Vaticana, onde há quinze anos, no dia 10
de Abril de 1994, o Servo de Deus Jo o Paulo II inaugurou a primeira Assembleia Especial
para a África do Sínodo dos Bispos. O facto que hoje nos encontramos aqui para abrir
a segunda, significa que aquele foi um evento certamente histórico, mas n o isolado.
Foi o ponto de chegada de um caminho, que em seguida prosseguiu, e que agora chega
a uma nova e significativa etapa de verificaç o e de novo impulso. Louvemos ao Senhor
por isso! Dirijo as minhas mais cordiais boas-vindas aos Membros da Assembleia sinodal,
que concelebram comigo esta santa Eucaristia, aos Peritos e aos Auditores, em particular
a todos aqueles provenientes da terra africana. Com especial reconhecimento saúdo
o Secretário-Geral do Sínodo e os seus colaboradores. Estou feliz pela presença entre
nós de Sua Santidade Abuna Paulos, Patriarca da Igreja Ortodoxa Tewahedo da Etiópia,
que agradeço cordialmente, e dos Delegados fraternos de outras Igrejas e das Comunidades
eclesiais. Estou feliz também em poder acolher as Autoridades civis e os Senhores
Embaixadores que desejaram participar neste momento; com afecto saúdo os sacerdotes,
as religiosas e os religiosos, os representantes de organismos, movimentos e associaç
es, e o coral congol s que, junto com o coral da Capela Sistina, anima esta nossa
Celebraç o eucarística. As leituras bíblicas deste domingo falam sobre o matrimónio.
Mas, de modo mais radical, falam sobre o desígnio da criaç o, da origem e, portanto,
de Deus. Sobre esse plano converge também a segunda leitura, tirada da Carta aos Hebreus,
lá onde diz: "Pois tanto o Santificador - isto é Jesus Cristo - quanto os santificados
- isto é os homens -, todos, descendem de um só; raz o por que n o se envergonha de
os chamar irm os" (Hb 2,11). Do conjunto das leituras, sobressai, portanto, de maneira
evidente a primazia de Deus Criador, com a perene validade da sua marca originária
e a preced ncia absoluta o seu senhorio, aquele senhorio que as crianças sabem acolher
melhor que os adultos, e é por isso que Jesus as indica como modelo para entrar no
reino dos céus (cfr Mc 10,13-15). Ent o, o reconhecimento do senhorio absoluto de
Deus é certamente um dos traços salientes e unificadores da cultura africana. Naturalmente
na África existem multíplices e diversas culturas, mas todas parecem concordar sobre
um ponto: Deus é o Criador e a fonte da vida. A vida - e nós bem sabemos - manifesta-se
primariamente na uni o entre o homem e a mulher e no nascimento dos filhos; a lei
divina, escrita na natureza, portanto é, mais forte e preeminente em relaç o a qualquer
lei humana, segundo a afirmaç o exacta e concisa de Jesus: "O que Deus uniu o homem
n o separe" (Mc 10,9). A perspectiva n o é antes de tudo moral; essa, antes do dever,
refere-se ao ser, ordem escrita na criaç o. Queridos irm os e irm s, neste sentido
a liturgia da Palavra de hoje - para além da primeira impress o - revela-se particularmente
adapta a acompanhar a abertura de uma Assembleia sinodal dedicada África. Gostaria
de sublinhar em particular alguns aspectos que emergem com força e que interpelam
o trabalho que nos aguarda. O primeiro, já mencionado: a primazia de Deus, Criador
e Senhor. O segundo: o matrimónio. O terceiro: as crianças. Sobre o primeiro aspecto
a África é depositária de um tesouro inestimável para o mundo inteiro: o seu profundo
sentido de Deus, que eu tive modo de perceber directamente nos encontros com os Bispos
africanos em visita ad Limina, e ainda mais na recente viagem apostólica aos Camar
es e Angola, da qual conservo uma agradável e comovida recordaç o. É precisamente
a essa peregrinaç o em terra africana que agora gostaria de unir-me, porque naqueles
dias eu abri idealmente esta Assembleia sinodal, entregando o Instrumentum laboris
aos Presidentes das Confer ncias Episcopais e aos Chefes dos Sínodos dos Bispos das
Igrejas Católicas Orientais. Quando se fala de tesouros da África, o pensamento
dirige- se imediatamente aos recursos Dos quais o seu território é rico, e que infelizmente
foram, e continuam a ser, causa de exploraç o, conflitos e corrupç o. Ao contrário,
a Palavra de Deus faz-nos entrever outro património: o espiritual e cultural, o qual
a humanidade precisa ainda mais do que as matérias-primas. "Pois - diria Jesus - que
aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua vida?" (Mc 8,36).
Deste ponto de vista, a África representa um imenso "pulm o" espiritual para esta
humanidade, em crise de fé e de esperança. Mas este pulm o também pode adoecer. E
actualmente, pelo menos duas perigosas patologias o est o a ameaçar: antes de tudo,
uma doença já comum no ocidente, ou seja, o materialismo prático, aliado ao pensamento
relativista e niilista. Sem entrar no mérito da génese de tais males do espírito,
todavia, é indiscutível que o chamado "primeiro" mundo por vezes exportou e ainda
está a exportar resíduos espirituais tóxicos, que contagiam as populaç es de outros
continentes, em particular as africanas. Neste sentido, o colonialismo, terminado
no plano político, nunca acabou completamente. Nesta perspectiva, deve ser assinalado
um segundo "vírus" que poderia atingir também a África: o fundamentalismo religioso,
combinado com interesses políticos e económicos. Grupos que se baseiam em várias pertenças
religiosas est o a difundir-se no continente africano; e fazem-no em nome de Deus,
mas segundo uma lógica oposta divina, isto é, ensinando e praticando a intolerância
e a viol ncia; n o o amor e o respeito liberdade. Em relaç o ao tema do matrimónio,
o texto do 2º capítulo do Livro do Génesis evoca o seu perene fundamento, confirmado
por Jesus: "Por isso o homem deixa o seu pai e sua m e para se unir sua mulher; e
já n o s o mais que uma só carne" (Gn 2,24). Como n o recordar o admirável ciclo de
catequeses que Jo o Paulo II dedicou a este tema, inspirando-se numa profunda exegese
deste texto bíblico? Hoje, ao propô-lo justamente na abertura do Sínodo, a liturgia
oferece-nos a luz superabundante da verdade revelada e encarnada em Cristo, a partir
da qual se pode analisar a complexa temática do matrimónio no contexto eclesial e
social africano. Ainda sobre este aspecto, gostaria de acolher brevemente uma sugest
o que precede toda a reflex o e indicaç o de tipo moral, e que se relaciona inclusive
ao primado do sentido do sagrado e de Deus. O matrimónio, assim como a Bíblia nos
apresenta, n o existe se estiver fora da relaç o com Deus. A vida conjugal entre o
homem e a mulher, e consequentemente, da família que deles deriva, está inscrita na
comunh o com Deus, e luz do Novo Testamento, torna-se ícone do Amor trinitário e sacramento
da uni o de Cristo com a Igreja. medida em que conservar e desenvolver a sua fé, a
África pode encontrar recursos imensos para oferecer em benefício da família fundada
no matrimónio. Incluindo na perícope evangélica também o texto sobre Jesus e as
crianças, (Mc 10,13-15), a liturgia exorta-nos a considerar, desde já, na nossa solicitude
pastoral, a realidade da infância, que constitui uma grande e infelizmente sofredora
porç o da populaç o africana. Na cena de Jesus que acolhe as crianças, opondo-se com
indignaç o aos próprios discípulos, que as queriam afastar, vemos a imagem da Igreja
que na África, e em toda a terra, manifesta a própria maternidade, sobretudo em relaç
o aos menores, até mesmo aos n o-nascidos. Como o Senhor Jesus, a Igreja n o os v
, primariamente, como destinatários de assist ncia, e menos ainda, de piedade e instrumentalizaç
o, mas como pessoas a pleno título, que com o seu modo de ser, possuem a via-mestra
para entrar no reino de Deus, ou seja, confiando-se, incondicionalmente, ao seu amor.
Queridos irm os, estas indicaç es provenientes da Palavra de Deus inserem-se no
amplo horizonte da Assembleia sinodal que inicia hoje e que se liga quela precedentemente
já dedicada ao continente africano, cujos frutos foram apresentados pelo Papa Jo o
Paulo II, de venerada memória, na Exortaç o apostólica Ecclesia in Africa. Naturalmente
permanece válida e actual a tarefa principal da evangelizaç o, aliás uma nova evangelizaç
o, que considere as rápidas mudanças sociais desta nossa época e o fenómeno da globalizaç
o mundial. O mesmo deve-se dizer sobre a escolha pastoral de edificar a Igreja como
família de Deus (cfr ivi, 63). A segunda Assembleia coloca-se nesta esteira e tem
como tema: "A Igreja em África ao serviço da reconciliaç o, da justiça e da paz. "Vós
sois o sal da terra… vós sois a luz do mundo" (Mt 5,13.14)". Nos últimos anos a Igreja
Católica na África conheceu um grande dinamismo e a Assembleia sinodal é a ocasi o
para dar graças ao Senhor. E porque o crescimento da Comunidade eclesial em todos
os campos inclui também desafios ad intra e ad extra, o Sínodo é um momento propício
para repensar a actividade pastoral e renovar o impulso de evangelizaç o. Para se
tornar luz do mundo e sal da terra é preciso apostar cada vez mais na "medida alta"
da vida crist , isto é, na santidade. Os Pastores e todos os membros da comunidade
eclesial s o chamados para ser santos; os fiéis leigos s o chamados a difundir o odor
da santidade na família, nos lugares de trabalho, na escola e nos âmbitos social e
político. Possa a Igreja na África ser sempre uma família de aut nticos discípulos
de Cristo, onde a diferença entre etnias se torne motivo e estímulo para um recíproco
enriquecimento humano e espiritual. Com a sua obra de evangelizaç o e promoç o
humana, a Igreja certamente pode oferecer um grande contributo para a sociedade na
África, que infelizmente em vários países conhece a pobreza, injustiças, viol ncias
e guerras. A vocaç o da Igreja, comunidade de pessoas reconciliadas com Deus e entre
si, é ser profecia e fermento de reconciliaç o entre os vários grupos étnicos, linguísticos
e também religiosos, dentro de cada naç o e em todo o continente. A reconciliaç o,
dom de Deus que os homens devem implorar e acolher, é um fundamento estável sobre
o qual construir a paz, condiç o indispensável para o aut ntico progresso dos homens
e da sociedade, segundo o projecto de justiça desejado por Deus. Aberta graça redentora
do Senhor ressuscitado, a África assim será iluminada cada vez mais pela sua luz e,
ao deixar-se guiar pelo Espírito Santo, tornar-se-á uma b nç o para a Igreja universal,
oferecendo um contributo próprio e qualificado para a edificaç o de um mundo mais
justo e fraterno. Queridos Padres Sinodais, obrigado pelo contributo que cada um
de vós dareis para os trabalhos das próximas semanas, que ser o para nós uma renovada
experi ncia de comunh o fraterna superabundante ao benefício de toda a Igreja, especialmente
no contexto deste Ano Sacerdotal. E a vós, caros irm os e irm s, peço para que me
acompanheis com a vossa oraç o. Peço aos presentes; peço aos mosteiros de clausura
e s comunidades religiosas difundidas na África e em todo o mundo, s paróquias e aos
movimentos, aos doentes e aos sofredores: a todos peço para rezar a fim de que o Senhor
torne frutuosa esta segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos.
Sobre ela invoquemos a protecç o de S o Francisco de Assis, que hoje recordamos, de
todos os santos e santas africanos e, de modo especial, da Bem-Aventurada Virgem Maria,
M e da Igreja e Nossa Senhora da África. Amém!