Igreja conciliar e pastoral de acolhimento: a intervenção, em Brasilia, do arcebispo
Agostinho Marchetto no III Encontro Nacional da Pastoral da Mobilidade Humana
(16/9/2009) Quem me escuta está certamente convicto da importância, do valor doutrinal,
espiritual e pastoral do Concílio Vaticano II, e da centralidade que neste ocupa a
Lumen Gentium, junto com as outras três constituições (o mesmo nome coloca
em evidência a sua importância e peculiaridade). Poderia definir o último Concílio
ecumênico como uma “ícone” da própria Igreja católica, quer dizer, daquilo que é específico,
constitutivo ao Catolicismo, comunhão também com o passado, com as origens, identidade
na evolução e fidelidade na renovação. Como uma árvore frondosa, nascida de uma humilde
semente lançada na terra, chorando, há dois milênios e enterrada na escuridão – a
morte redentora de Cristo – e brotada, em primavera perene, com a ressurreição: a
vinha do Senhor estendeu as suas raízes no mundo inteiro. É testemunha disto, por
exemplo, a apresentação da Igreja católica em “As Igrejas cristãs no Dois mil” e,
referindo-se ao Bispo de Roma e à Tradição, uma frase de K. Schatz, para quem «graças
à estrutura do Primado, a Igreja católica tem uma oportunidade particular de vincular
estreitamente a estabilidade e a tradição, por um lado, e o dinamismo e a inovação
por outro». O Concílio Ecumênico Vaticano II e sua correta hermenêutica Grande
foi o evento conciliar, e muitos ainda o recordam visualmente. Participaram no mesmo
3.068 Padres, provenientes de quase todas as nações da terra. Nos quatro períodos
(de 11 de outubro de 1962 a 8 de dezembro de 1965) desenvolveram-se 168 congregações
gerais e 10 sessões públicas. Foram promulgados 16 documentos: 4 constituições − como
já temos indicado −, 9 decretos e três declarações. Acrescento, para dar uma ideia
do trabalho e empenho, que, se penso só nas “Atas” oficiais do magno Sínodo, vejo
em minha biblioteca, alinhados, 62 grandes tomos de um belo vermelho vivo. Mas já
têm aparecido também alguns diários de “personagens” famosos, ou pelo menos interessados,
que participaram de algum modo no Concílio, que deverão ser submetidos cuidadosamente
a uma análise crítica cruzada. A questão é longa e difícil, mas contém o sabor e os
ingredientes pessoais úteis à história, submetendo-os ao juízo das Atas (fatos) oficiais. Certamente
existe hoje, o perigo de deslizar em uma história de fragmentos, que na realidade
não poderia escapar facilmente à crônica. Em efeito, a tudo isto está vinculado o
empenho de muitos para diminuir a importância dos documentos conciliares, síntese
de Tradição e renovação, para fazer prevalecer um bem noto convencimento, que desde
sempre tenho definido ideológico, e que se “concentra” somente nos aspectos inovadores
que surgiram durante as discussões conciliares − e que se prolongaram no pós-Concílio
−, sobre a descontinuidade, e até mesmo sobre a ruptura no que diz respeito à Tradição.
Apresenta um exemplo muito claro o volume “O evento e as decisões. Estudos das dinâmicas
do Concílio Vaticano II”, no qual se “recupera” a atual tendência historiográfica
civil geral, que privilegia o acontecimento, a descontinuidade, exatamente, a mudança,
ou seja, a transformação traumática, em contraposição com a anterior direção dada
pelos famosos “Annales”, que viam em longo prazo, enfatizando a continuidade histórica
(para Braudel, que defendeu tal visão a história é «uma ciência social aplicada que
traz à luz estruturas, sistemas e modelos perenes, ainda se à primeira vista parecem
ser invisíveis»). E não se dão conta de que se por acontecimento, se entende
não tanto um evento “notável”, mas uma ruptura, uma novidade absoluta, o nascimento
quase de uma nova igreja, in casu, uma “revolução copernicana”, a passagem
de um tipo de Catolicismo a outro − que, porém perde suas características inconfundíveis
−, esta perspectiva não poderá e nem deverá ser aceita, pelo menos por quanto concerne
a Igreja Católica e a história que leva em conta sua especificidade, sua continuidade
e sua realidade mais misteriosa, que hão de preservar-se também na interpretação de
seus documentos. A este propósito, lendo as contribuições à investigação publicadas
no citado volume, surpreendem, verdadeiramente as críticas radicais manifestadas a
três notáveis estudiosos como Jedin, Ratzinger e Kasper (com as suas quatro ótimas
regras hermenêuticas) e ao próprio Poulat. Assim, essa postura extrema ao Concílio
Vaticano II, na chamada “maioria” − a definiria “extremista” (isto é, contrária a
uma constante e eficaz busca do “consenso”, do abraço entre “aggiornamento” e Tradição),
cada vez mais desejosa de impor seu próprio ponto de vista, surda aos “chamamentos”
e à obra de “costura” de Paulo VI − tem conseguido, depois do Concílio, monopolizar
até hoje a interpretação do “acontecimento”, rejeitando todos os diferentes procedimentos,
tachando-os inclusive de anticonciliar. A este propósito quisera confirmar o meu
pensamento com o do ortodoxo Nicos Nissiotis, antes de passar diretamente a examinar
a Lumen Gentium da Igreja conciliar. Como o afirma Y. Spiteris, − no volume
sobre o Vaticano II, publicado para o Grande Jubileu − Nissiotis «coloca em evidência
a bem conhecida coexistência no Concílio da corrente progressista e a conservadora».
«Pessoalmente, parece-me ver nesta coexistência das duas correntes, mais que uma justaposição
contraditória, uma dinâmica dialética [eu a chamaria dialógica, não obstante tudo]
que permitiu à Igreja católica de dar grandes passos adiante sem muitos choques e
feridas traumáticas e sem excluir ninguém do seu corpo. Encontramos esta dialética
necessária nos documentos principais como “Lumen Gentium”, “Gaudium et Spes” e “Unitatis
redintegratio”». Acrescento a seguinte consideração do mesmo teólogo ortodoxo,
que nos pode ser útil: «Depois de 20 anos [o texto foi publicado em 1987] existe uma
fortíssima critica contra o Vaticano, sobretudo por parte do Conselho Mundial das
Igrejas... Estes ficaram desiludidos porque esperavam que o Concílio reconhecesse
a sua Igreja e o seu sacerdócio. Porém, isto não aconteceu... [nem na Declaração Dominus
Jesus]. Cada um procurou avaliar o Concílio partindo do seu ponto de vista, dos
próprios interesses. Assim, cada um tem considerado só um aspecto, sem abraçar o conjunto
que é um tanto complicado. De fato, tratava-se de um acontecimento complexo no qual
procuravam coexistir todas as grandes tendências do catolicismo». Também eu sou de
acordo com isto. 2. Esboço histórico de elaboração da Lumen Gentium Agora,
tentaremos fazer um breve esboço histórico da elaboração do texto da Lumen Gentium,
que nos permita ter uma visãoda Igreja conciliar que ilustre a pastoral
de acolhida (a este propósito, se, se quer aprofundar o conhecimento dessa Igreja,
aconselho uma obra sintética, mas notável, de Annibale Zambarbieri). De primeiro a
7 de dezembro de 1962 o esquema de Ecclesia (logo “denominado” Lumen Gentium)
precisamente polarizou a atenção dentro e fora do Concílio. Compunha-se de 11 capítulos,
porém − como afirmou o relator, Dom Franić − a Comissão doutrinal, ao redigi-lo, não
tinha intenção de efetuar um tratado completo sobre a Igreja. Não faltaram as críticas,
como é natural, pois se estava em legítimo debate conciliar: em dito esquema notou-se
um modo de proceder muito abstrato e escolástico, pouco receptivo em relação ao espírito
pastoral, universalista e ecumênico que deveria caracterizar o Concílio segundo as
diretrizes de Papa João XXIII, que o havia convocado. Apresentou-se também uma certa
reticência em relação ao tema da colegialidade episcopal. O Card. Döpfner (seguido
de Suenens, Jaeger e do próprio Wojtyła) solicitou, pois, que junto à imagem do Corpo
Místico se desse espaço também à do “Povo de Deus”: Heis aqui uma das ideias que farão
um amplo caminho no Concílio, e depois, como uma importante mudança de perspectiva,
e quiçá, sucessivamente, num contexto sociológico desorientador. Dom Hakim, ao invés,
junto com outros Padres, acusou o esquema de “juridismo”. Todavia, muitos se
declararam favoráveis ao documento, embora tenham aparecido no horizonte outros projetos
e opiniões (cito o Card. Suenens − «ecclesia ad intra... ecclesia adextra»,
o recordam vocês? − e o Card. Montini: «falta, ou pelo menos não é anunciada a existência
de um projeto orgânico, ideal e lógico do Concílio» e se ouviram também expressões
que manifestavam a preocupação por falta de um projeto eclesiológico orgânico
conciliar. E isto apesar de que o Papa João XXIII havia “aprovado o texto de Ecclesia”,
para que fosse discutido, acrescentando somente alguns pormenores. O Card. Lercaro
manifestou também sua própria adesão à sugestão Suenens-Montini, agregando a preciosa
consideração do mistério de Cristo nos pobres. Estabeleceram-se então vinte esquemas
(que logo foram reduzidos a 17) que “resumiram”, em parte, os 72 esquemas iniciais,
e que às vezes representavam os capítulos de um mesmo documento, insistindo-se na
intenção pastoral para todo o conjunto. Ao mesmo tempo, se estabeleciam os termos
de “maioria” e “minoria”, de tendência inovadora e conservadora, mesmo se houve e
há de tal modo o risco, de simplificar artificialmente uma rede muito mais complicada
de convergências e divergências, inclusive flutuantes. Em efeito, este clichê de
duas teologias, de duas eclesiologias, tem pesado e não pouco, e desfavoravelmente,
nos trabalhos conciliares e, sobretudo sobre os teólogos, e outrossim, numa sucessiva
hermenêutica que não era correta. O Card. Suenens, na reunião da Comissão de
coordenação de 23 de janeiro de 1963, sugeriu então − depois de haver solicitado a
aprovação do Card. Cicognani − uma reformulação do esquema de Ecclesia em quatro
capítulos. Seguiu-se um debate, especialmente concernente à colegialidade, e foi confirmado,
o caráter central da questão eclesiológica, da Igreja conciliar. No documento decidiu-se
introduzir também um capítulo sobre os religiosos, e mais tarde (em 20 de outubro)
um sobre Maria Santíssima (com maioria estrita: 1114 placet contra 1074 non
placet, porque os que votaram contra preferiam um texto a parte sobre a Mãe de
Deus). A re-elaboração do esquema continuava sob a responsabilidade da Comissão
doutrinal, que se dividiu com este escopo em subcomissões e, como base de reconstrução
dos núcleos mais caracteríscos do documento, foi escolhido o texto “costurado”, junto
a outros, do conhecido teólogo de Lovaina Mons. Philips. É importante ressaltar que
ele mesmo fez saber que o 60% do texto redigido foi pego do anterior. Apresenta-se,
aqui, outro motivo de reflexão sobre o que quer dizer a expressão “Igreja conciliar”. Estamos
no segundo período, com o novo papa e com a editio altera recognita do regulamento
do concílio. Faço notar que nesse momento fora oficializada a participação de peritos
leigos na atividade das Comissões, enquanto auditores leigos teriam podido
assistir às sessões conciliares. A eclesiologia (Igreja conciliar) ocupou outra
vez um lugar privilegiado e a nova redação obteve, só depois de duas sessões, o consenso
necessário (2231 placet sobre 2301 votantes) para continuar elaborando a plataforma
sobre cada capítulo. Em 4 de outubro, ao iniciar a discussão do capítulo sobre a Hierarquia,
se manifestaram claramente as divergências na assembleia. Sinal disto foi a questão
da votação cujo objeto era conhecer a orientação fundamental dos Padres. Em 29 de
outubro propôs-se o texto das perguntas, mudado em relação ao inicial, sugerido este
último pelo sacerdote Dossetti. Teve o toque final do mesmo Paulo VI. As perguntas
haviam chegado a cinco (com a solicitação de um voto de orientação sobre o diaconato).
A destruição das primeiras fichas de votação mandadas preparar indevidamente, causou
a saída, de junto aos Moderadores, do homem de confiança do Card. Lercaro, (precisamente
Dossetti) que o havia cooptado como secretário dos “quatro”, estabelecendo assim,
de fato, uma alternativa não regulamentar com o Secretário geral do Concílio, Dom
Felici. O Papa inclusive disse: «esse não é o lugar de Dossetti!». Depois da reestruturação
e a reformulação dos esquemas, entre o II e III período (o chamado plano Düpfner),
a importantíssima Comissão coordenadora deu novas recomendações, especialmente sobre
a sacramentalidade e colegialidade episcopal, sempre em estreita união com a constituição
Pastor aeternus do Vaticano I. Também este nos diz algo referente a expressão
“Igreja conciliar”. Neste mesmo período se apresenta também a transformação de
um est em subsistit (a Igreja de Cristo), em Ecclesia catholica
(LG 8), que foi importante no desenvolvimento do ecumenismo pós-conciliar e
ao mesmo tempo fez gastar muita tinta aos comentadores do Concílio (v. a intervenção
do Card. Ratzinger no convênio romano sobre o magno sínodo, por ocasião do Grande
Jubileu, e no documento Dominus Jesus, com uma importante entrevista ao Frankfurter
Allgemeine). Vale a pena destacar aqui também uma iniciativa bem mais forte, em
princípios de setembro de 1964, de uma parte influente e consistente dos Padres (entre
eles muitos cardeais, encabeçados pelo Card. Larraona), de crítica à doutrina da colegialidade
em sentido estrito que se temia fora dilatado. Paulo VI, respeitando o regulamento,
fez prosseguir o iter do esquema e, consequentemente a votação: além de tudo esta
se realizava em forma tríplice: placet, non placet e placet juxta modum.
Continuou-se todavia, no empenho de chegar a um consensus harmônico, durante
o III período, muito bem delineado na alocução pontifícia de sua inauguração. Se
as votações relativas aos dois primeiros capítulos do esquema sobre a Igreja (como
mistério e Povo de Deus) foram “fáceis”, aquela sobre o terceiro capítulo − “a constituição
hierárquica da Igreja” − determinou duas correntes, bastante fixas, maioritária e
minoritária, por assim dizer. Não seguiremos aqui o debate, embora interessante, mas
ao invés paramos, sempre brevemente à Nota Explicativa Praevia, apresentada
em uma semana difícil, que alguém, jornalisticamente, definiu “negra”. Em todo caso,
já não se pode mais chamá-la assim, porque ao contemplá-la com uma certa perspectiva,
essa agora se considera positivamente decisiva, como Concílio, consenso e comunhão,
entre renovação e Tradição. Seria bom reler o texto, mas aqui basta salientar − além
de mencionar o conceito-realidade-mistério de communio hierarchica, que sintetiza
muito bem o I e II milênio eclesial, empreendimento católico necessaríssimo − que,
segundo declaração do mesmo Mons. Philips, não existe contradição entre a Nota
e o texto conciliar. Vale também recordar, a confirmação, que também Schillebeeckx
a considerou um esclarecimento necessário, dos termos das questões, porque eliminava
o elemento de indeterminação e confusão, mantido por alguns voluntariamente − como
ele mesmo escreveu −, para fazer passar um conceito de colegialidade em senso estrito
que não estava em harmonia com a Tradição. A votação definitiva sobre a Lumen
Gentium (finalmente articulada em oito capítulos: o mistério da Igreja; o Povo
de Deus; a constituição hierárquica da Igreja; os Leigos; a universal vocação à santidade
na Igreja; os Religiosos; a índole escatológica da Igreja peregrina sobre a terra
e a sua união com a Igreja celestial, e a Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus no
mistério de Cristo e da Igreja), com aprovação praticamente unânime, representou um
resultado extraordinário, consideradas as oposições surgidas durante o debate na Basílica
Vaticana. Foi este, um mérito grande do Papa Paulo VI, que justamente não quis considerar-se
um simples “notário” do Concílio, como ele mesmo afirmou. 3. Síntese eclesiológica
do Vaticano II e sua aplicação à Instrução Erga migrantes caritas Christi
(A Caridade de Cristo para com os Migrantes) Com este vasto “telão de fundo” se pode deduzir facilmente a síntese eclesiológica
do Vaticano II aplicada à Sitz im Leben (situação)migratória, presente
na Instrução Erga migrantes caritas Christi − EMCC − (n.os
37 e 38) Trata-se de dois números muito densos, que alguém considerou quase como um
corpo estranho ao Documento, opinião que não partilhamos em absoluto. Em efeito, a
Igreja ad intra e ad extra tem sido o eixo portador, como temos visto, de todo
o empenho conciliar, a resposta original, em Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro
Deus, aos “sinais dos tempos”, o Sinal colocado por Deus também entre os migrantes.
Naturalmente, levou-se em conta, no texto da Instrução, a interpretação qualificada
do Vaticano II, realizada em ocasião do Sínodo extraordinário dos Bispos de 1985,
os dois belíssimos volumes de avaliação e perspectivas conciliares, aos vinte e cinco
anos depois, publicado pelo Pe. Latourelle, assim como aquele que eu publiquei, com
a correspondente visão de perspectiva. O número 37 de EMCC se refere, pois,
a três modalidades-sinteses, fundamentais, de realização do ministério pastoral
da Igrejaconciliar, pondo-a em primeiro lugar «como comunhão».
Assim, se dá valor às legítimas particularidades das comunidades católicas, conjugando-as
com a universalidade. «A unidade do Pentecostes − afirma a EMCC − não exclui
as diversidades de línguas e culturas, mas as reconhece na sua identidade, e também
se abre à alteridade, através do amor universal nessas operantes». A única Igreja
católica está assim constituída das e nas Igrejas particulares, assim
como as Igrejas particulares estão constituídas na e da Igreja universal
(cfr. LG 13). 4. Fundamento eclesial da pastoral de acolhida Todavia
aqui está colocada a base teológica, eclesial, à pastoral de acolhida, no contexto
da evangelização das culturas (v. nota 40 de EMCC e o comentário publicado
na revista People on the Move). Trata-se da pastoral específica
(cfr. n.o 38 e n.os 49-55 de EMCC) do fenômeno migratório
que, colocando em contato entre si pessoas de diferente nacionalidades, etnias e religiões,
contribui para tornar visível a autêntica fisionomia da Igreja (cfr. Gaudium et
Spes 92) e valoriza a força ecumênica e dialógico - missionária das migrações
(cfr. Ad Gentes 11 e EMCC n.os 59-69). De fato, é também
através dessas, que se realizará entre os povos o desígnio decomunhão salvífica
de Deus (cfr. At 11,19-21 e Ad Gentes 39). Todavia na acolhida eclesial, se
oferece aos migrantes católicos a oportunidade privilegiada, embora frequentemente
dolorosa, de alcançar um maior sentido de pertença à Igreja universal para além de
cada particularidade. (cfr. EMCC 39). A base desta pastoral será, portanto,
uma cultura de acolhida (ibidem), característica expressão de João Paulo
II. Graças a esta base de comunhão, se compreenderá melhor o que os n.os
41-43 da Instrução indicam ao povo cristão para realizar a acolhida e a solidariedade,
sem esquecer o pequeno capítulo “Liturgia e religiosidade popular” (EMCC 44-48),
que é também manifestação de acolhida pastoral na Igreja conciliar. Naturalmente
a communio, na Igreja, é hierárquica e é o que se explica, entre outras coisas,
prestando sempre atenção aos dois números que são objeto específico da nossa investigação.
Cito o n.o 38, quer dizer: «A particular situação na qual se encontram
os Capelães/Missionários e os Agentes pastorais leigos, em relação à Hierarquia e
ao Clero local, exige dos mesmos uma consciência viva da necessidade de exercer o
ministério em estreita união com o Bispo diocesano, e ou com o Hierarca [oriental],
e com o seu Clero (cfr. Christus Dominus 28-29; Apostolicam Actuositatem
10 e Presbyterorum Ordinis 7). A dificuldade e a importância da consecução
de certos objetivos, seja no plano comunitário que individual, estimularão enfim os
Capelães/Missionários dos migrantes a buscarem a mais ampla e justa colaboração de
Religiosos e Religiosas (cfr. De Pastorale Migratorum Cura 52-55) e de Leigos
(cfr. ibidem. 56-61)». Como missão − outro elemento de fundamental
importância do Concílio e do pós-concílio (também a Igreja conciliar é missionária!),
especialmente nestes últimos anos −, «o ministério eclesial se dirige a um outro
lugar» (se diz assim, mas não se trata precisamente de um lugar), «para comunicar
o próprio tesouro e enriquecer-se de novos dons e valores», porque (é característica
do nosso documento, cfr. especialmente EMCC 96-100) ajuda a descobrir que a
missão não se realiza só nos assim chamados territórios missionários, tradicionalmente
na África ou na Ásia, dado que hoje os habitantes de diferentes continentes se deslocam,
e com eles a missão. Seguindo a mesma linha de pensamento, o parágrafo n.º 37
da EMCC, dá ênfase à pastoral missionária da própria Igreja particular, «visto
que a missão é, sobretudo, irradiação da glória de Deus, e a Igreja precisa de ouvir
proclamar as grandes obras de Deus... e de ser convocada e reunida de novo por Ele»
(Evangelii Nuntiandi 15). Em todo caso a Instrução EMCC se preocupade reunir diálogo e anúncio (cfr. EMCC 59-60 e 61 e igualmente os quatro
pontos particulares: dos n.os 61-64) encontrando o seu fundamento na visão
que brotou no Concílio Ecumênico Vaticano II, porém baseando-se sempre nos princípios
fundamentais cristãos, como a liberdade do ato de fé, o dever da busca da verdade,
o não relativismo em religião, os semina verbi [as sementes do Verbo] (EMCC
96), etc. No III parágrafo do n.o 37 tenta-se reunir outros aspectos
da Igrejaconciliar, aos quais há uma tendência à contraposição ou a deixá-los
descuidados, para favorecer uma ou outra imagem, ou dimensão, quiçá com uma visão
preconcebida ou ideológica. Isto explica, por exemplo, a relação imediata, no nosso
documento, entre povo e família de Deus, conceito-realidade-pensamento tão amado,
este último, pelas Igrejas locais na África. Também as distintas facetas da “montanha
de Deus”, que é para nós a Igreja, colocam-se uma junto à outra, como «mistério, sacramento,
corpo místico e templo do Espírito», com a seguinte conclusão: «a Igreja se faz história
e um povo em caminho que, partindo do mistério de Cristo e das vicissitudes dos indivíduos
e dos grupos que a compõem, é chamada a construir uma nova história, dom de Deus e
fruto da liberdade humana» (EMCC 37). Heis, portanto, a trama da história que
nos introduz no desígnio de Deus, no mistério pascal de morte e de vida, e também
a trama das alegrias e das dores dos migrantes, peregrinos na terra. 5. Componentes
da Igreja conciliar ao serviço de uma pastoral específica A
este ponto deveria analisar como, concretamente, segundo a EMCC, estão empenhados
os componentes da Igreja conciliar ao serviço da pastoral integrada, (EMCC
93-95), específica, de conjunto, em favor dos migrantes e itinerantes (pastoral da
mobilidade humana), começando pelos leigos. O farei brevemente, por pontos, porque
o nosso discurso já se estendeu muito). Abriram-se amplos espaços aos leigos nos n.os
45 (ministérios laicais), 60 (chamamento ao empenho dos Movimentos eclesiais
e das Associações laicais), 47 (com ênfase e atenção à família), 86-88 (mais geral,
porém com a proposta de instituir um “ministério não ordenado de acolhida"), e 99
e nas Ordenações jurídico-pastorais, cap. I. Além disso, é importante recordar, que
no n.º 99 da nossa revista People on the Move, estão publicadas (pp. 205-221)
as Cartas circulares que o Conselho Pontifício da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes
enviou às Associações laicais e aos Movimentos eclesiais, depois de ter consultado
o Conselho Pontifício para os Leigos, convidando-os a colocar-se de coração ao serviço
da causa dos migrantes, e das distintas expressões de mobilidade Humana. Lembro, igualmente,
o n.o 98 da mesma revista, dedicado a comentários autorizados sobre a EMCC,
já citados, entre os quais figura uma contribuição de Dom Clemens, precisamente sobre
o laicato. Todavia deveria analisar o papel no serviço migratório, das outras
expressões da Igreja conciliar, como resultado da nossa Instrução. Porém devo limitar-me
de reenviar também aqui, a toda a III parte da EMCC, entitulada: “Agentes de
uma pastoral de comunhão” (n.os 70-88) e às Ordenações judídico-pastorais,
capítulos II e III, nos quais se trata dos Presbíteros e Religiosos, além dos Leigos,
no seu ministério em favor dos migrantes. Também sobre este ponto reenvio de novo
aos comentários autorizados, como os de Dom Ternyák e de Dom Nesti e às nossas respectivas
cartas circulares conjuntas. O capítulo VIII da Lumen Gentium apresenta,
enfim, a Beata Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja. Aqui
também se encontra o vínculo eclesial e um chamado aos Migrantes, no contexto da santidade
(universal vocação à santidade na Igreja: Lumen Gentium cap. V). O n.o
104, o último da EMCC, é dedicado a Maria, que já desde antes era chamada,
«ícone vivente da mulher migrante» (n.º 15) e «Virgem do caminho» (ibidem). É
também um chamamento à presença da mulher no fenômeno migratório, recordada com autoridade
pelo Papa Bento XVI na sua mensagem de 2006 para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado.