SOCORRER CLANDESTINOS NO MAR É QUESTÃO HUMANITÁRIA
Cidade do Vaticano, 24 ago (RV) - Depois da enésima tragédia ocorrida nas costas
italianas, onde neste fim de semana, 73 eritreus morreram em uma travessia rumo à
península, o Presidente do Pontifício Conselho da Pastoral para os Migrantes e Itinerantes,
Dom Antonio Maria Veglió reiterou que “todos os migrantes têm direitos fundamentais
que devem ser respeitados, em qualquer situação”.
Depois de passar 23 dias
no mar sem combustível, comida, água ou socorro, somente cinco pessoas conseguiram
sobreviver e contaram a sua odisséia. Segundo eles, mais de dez barcos passaram por
perto e não os socorreram. As autoridades italianas e maltesas afirmaram duvidar deste
relato, mas a repercussão do episódio gerou críticas em todos os setores sociais e
políticos, e a condenação unânime da ONU e da Igreja Católica.
“O ACNUR ficaria
muito preocupado se o endurecimento das políticas governamentais em relação aos imigrantes
tivesse o efeito de desencorajar os capitães de barcos a honrar suas obrigações internacionais
marítimas” - afirmou o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, em relação à linha
dura adotada pelo governo de Silvio Berlusconi para a imigração.
“Como se o
medo pudesse prevalecer sobre o dever de dar assistência no mar” - disse Laura Boldrini,
porta-voz do ACNUR, definindo o episódio como “alarmante” e “chocante”.
A Igreja
italiana, indignada, falou de “ofensa à humanidade”, denunciando que o Ocidente mantém
os “os olhos fechados” como o fez diante dos trens que levavam os judeus a morrer
em campos de concentração.
“Hoje, quando lemos sobre as deportações de judeus
na época do nazismo, nos perguntamos: Ninguém via nem ouvia os gritos que provinham
dos vagões, parados nas estações? Naqueles anos, o totalitarismo e o terror faziam
fechar os olhos. Hoje não. A indiferença é tranquila, resignada” - escreve o jornal
do Episcopado italiano, Avvenire, em editorial na primeira página.
O cotidiano
recorda que “há uma lei do mar, bem mais antiga do que a codificada em tratados, que
ordena: no mar, socorre-se. Violar essa antiga lei ameaça as nossas raízes fundamentais,
a idéia do que é um homem e de como ele é precioso” - continua.
Depois de resgatados,
finalmente, por um pescador, os cinco migrantes (dois homens, uma mulher e dois menores)
foram socorridos em solo italiano. Não estão em perigo de vida, mas suas condições
físicas são precárias. “Seus corpos estão reduzidos a um esqueleto. A mulher parecia
um fantasma. Os olhos perdidos no vazio” – descreveu um funcionário da Organização
não-Governamental Save the Children, que os ajudou em Lampedusa.
Falando à
RV, o arcebispo responsável pela Pastoral dos Migrantes, Dom Veglió, se referiu também
à imigração em outras áreas geográficas, como o deserto de fronteira entre México
e Estados Unidos; ou no Oriente; na África sub-Sahariana: “A realidade é a mesma;
são seres humanos em direção de países ou regiões economicamente mais ricas, para
fugir da pobreza e da fome. Por isso, estão dispostos a deixar tudo, até a própria
vida”.
“Como diz o papa, este problema requer uma forte e iluminada política
de cooperação internacional, para ser adequadamente enfrentado” – declarou Dom Veglió,
acrescentando que “é um direito humano ser acolhido e socorrido, e isto se acentua
em situações de extrema necessidade, como por exemplo, quando se está à deriva em
meio ao mar. Por séculos, os capitães de barcos defendem o princípio fundamental do
direito marítimo, que prevê o socorro a naufrágios, sempre”.
“É uma lastima
que a sociedade seja tão egoísta e rechace o estrangeiro” – prosseguiu. Dom Veglió
disse que o Pontifício Conselho está entristecido pelo repetir-se de tragédias como
a ocorrida nas costas italianas, e reafirma a citação do Santo Padre, na Caritas in
veritate: “Todo migrante é uma pessoa humana, e enquanto tal, possui direitos fundamentais
inalienáveis, que devem ser respeitados em toda situação”.