Cidade do Vaticano, 04 ago (RV) - Por ocasião deste mês dedicado às vocações
e do Dia do Presbítero, que se celebra hoje, Dia de São João Maria Vianney, o Cardeal-Prefeito
da Congregação para o Clero, Dom Claudio Hummes, publicou uma carta aos sacerdotes.
Leia a íntegra do documento:
Jesus disse: “Eu não vim para julgar o mundo,
mas para salvá-lo” (Jo 12,47).
Caros Presbíteros,
A atual cultura
ocidental dominante, sempre mais difundida em todo o mundo, através da mídia global
e da mobilidade humana, também nos países de outras culturas, apresenta novos desafios,
não pouco empenhativos, para a evangelização. Trata-se de uma cultura marcada profundamente
por um relativismo que recusa toda afirmação de uma verdade absoluta e transcendente
e, em consequência, arruina também os fundamentos da moral e se fecha à religião.
Dessa forma, perde-se a paixão pela verdade, relegada a uma “paixão inútil”. Jesus
Cristo, no entanto, apresenta-se como a Verdade, o Logos universal, a Razão que ilumina
e explica tudo o que existe. O relativismo, ademais, vem acompanhado de um subjetivismo
individualista, que põe no centro de tudo o próprio ego. Por fim, chega-se ao niilismo,
segundo o qual não há nada nem ninguém pelo qual vale a pena investir a própria inteira
vida e, portanto, a vida humana carece de um verdadeiro sentido. Todavia, é preciso
reconhecer que a atual cultura dominante, pós-moderna, traz consigo um grande e verdadeiro
progresso científico e tecnológico, que fascina o ser humano, principalmente os jovens.
O uso deste progresso, infelizmente, não tem sempre como escopo principal o bem do
homem e de todos os homens. Falta-lhe um humanismo integral, capaz de dar-lhe seu
verdadeiro sentido e finalidade. Poderíamos referir-nos ainda a outros aspectos dessa
cultura: consumismo, libertinagem, cultura do espetáculo e do corpo. Não se pode,
porém, não frisar que tudo isso produz um laicismo, que não quer a religião, faz de
tudo para enfraquecê-la ou, ao menos, relegá-la à vida particular das pessoas.
Essa cultura produz uma descristianização, por demais visível, na maioria dos
países cristãos, especialmente no Ocidente. O número das vocações sacerdotais caiu.
Diminuiu também o número dos presbíteros, seja pela falta de vocações seja pelo influxo
do ambiente cultural em que vivem. Tais circunstâncias poderiam conduzir-nos à tentação
de um pessimismo desencorajante, que condena o mundo atual, e induzir-nos à retirada
para a defensiva, nas trincheiras da resistência.
Jesus Cristo, ao invés,
afirma: “Eu não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 12,47). Não podemos
nem desencorajar-nos nem ter medo da sociedade atual nem simplesmente condená-la.
É preciso salvá-la! Cada cultura humana, também a atual, pode ser evangelizada. Em
cada cultura há “sementes do Verbo”, como aberturas para o Evangelho. Certamente,
também na nossa atual cultura. Sem dúvida, também os assim chamados “pós-cristãos”
poderiam ser tocados e reabrir-se, caso fossem levados a um verdadeiro encontro pessoal
e comunitário com a pessoa de Jesus Cristo vivo. Em tal encontro, cada pessoa humana
de boa vontade pode, por Ele, ser alcançada. Ele ama a todos e bate à porta de todos,
porque quer salvar a todos, sem exceção. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida, para
todos. É o único mediador entre Deus e os homens.
Caríssimos Presbíteros,
nós, pastores, nos tempos de hoje, somos chamados com urgência à missão, seja “ad
gentes”, seja nas regiões dos países cristãos, onde tantos batizados afastaram-se
da partecipação em nossas comunidades ou, até mesmo, perderam a fé. Não podemos ter
medo nem permanecer quietos em casa. O Senhor disse a seus discípulos: “Por que tendes
medo, homens fracos na fé?” (Mt 8, 26). “Não se acende uma lâmpada e se coloca debaixo
do alqueire, mas no candieiro, para que ilumine a todos os que estão na casa” (5,15).
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). “Eis que eu
estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28,20).
Não
lançaremos a semente da Palavra de Deus apenas da janela de nossa casa paroquial,
mas sairemos ao campo aberto da nossa sociedade, a começar pelos pobres, para chegar
também a todas as camadas e instituições sociais. Iremos visitar as famílias, todas
as pessoas, principalmente os batizados que se afastaram. Nosso povo quer sentir a
proximidade da sua Igreja. Faremo-lo, indo à nossa sociedade com alegria e entusiasmo,
certos da presença do Senhor conosco na missão e certos de que Ele baterá à porta
dos corações aos quais O anunciarmos.
Cardeal Cláudio Hummes Arcebispo
Emérito de São Paulo Prefeito da Congregação para o Clero