Cidade do Vaticano, 06 jul (RV) - A semana que começa hoje será particularmente
intensa para Bento XVI. Na agenda, a publicação, amanhã, da encíclica social Caritas
in Veritate, e no dia 10, à tarde, a audiência com o novo presidente norte-americano,
Barack Obama, logo após o fim do G-8. Dois eventos paralelos, com preocupações comuns:
a crise econômica dos mercados financeiros, suas dramáticas conseqüências e implicações
éticas para as economias dos países pobres e ricos.
É a primeira vez que a
agenda de um G-8 se "enlaça" com a publicação de uma encíclica papal, como está para
ocorrer com a Caritas in Veritate e o G-8 de L’Aquila.
A coincidência é significativa:
a crise econômica pressiona cada vez mais os pobres, aumentando as disparidades entre
norte e sul do planeta, e os governos parecem ter cada vez mais dificuldade em encontrar
soluções realmente justas e eficazes.
A encíclica dará voz aos países mais
pobres, excluídos do G-8, pretendendo medidas anticrise que vislumbrem quem mais paga
as conseqüências e pouco contribuiu para causá-la. E deve alertar os "oito grandes"
para o fato que desta crise – acredita o papa – ou saímos todos, ou não sai ninguém.
A
expectativa pelo documento aumenta a cada hora. Entre antecipações e especulações,
o certo é que deve ilustrar novos horizontes sobre o pensamento do papa, que ele mesmo
reafirma, quando tem oportunidade. Ao abrir, em outubro passado, o Sínodo dos bispos,
Bento XVI despertou a atenção ao citar a falência dos grandes bancos e condenar a
idolatria do dinheiro. Com o tempo, seus pronunciamentos sobre economia e doutrina
social foram sempre mais específicos e pontuais.
A manutenção das ajudas ao
desenvolvimento e a firme intenção de erradicar a pobreza extrema são as maiores exigências
de Bento XVI. Em sua carta ao premiê italiano, Silvio Berlusconi, em vista do G-8,
o papa pede "trabalho para todos", para que possamos defender nossa dignidade, manter
nossas famílias e participar da vida social de nossos países. E exige que as medidas
anticrise, que estarão no centro do debate, sejam adotadas segundo um critério "ético".
Suas
indicações sugerem medidas práticas imediatas, voltadas à proposta de um modelo econômico
global para o futuro, que Bento XVI imagina não "estatalista" e muito menos confiado
a um capitalismo individualista.
A Caritas in veritate chega após 120 anos
da primeira encíclica com temas sociais: a Rerum Novarum, de 1891, de Leão XIII. Desde
o advento da modernidade e das transformações geradas pela revolução industrial, a
Igreja vem analisando temas abrangentes da economia e das mudanças sociais.
Nos
últimos dias, Bento XVI recordou que o caminho da doutrina social da Igreja tem mais
de um século: o pensamento social começou a ser formalizado sob forma de encíclica
com Leão XIII, mas os capítulos sucessivos foram muitos: a Quadragesimo Anno, de 1931,
escrita por Pio XI; a Mater et Magistra, de 1961 de João XXIII, seguidas pela Popolorum
Progressio, de Paulo VI, em 1967, e a Centesimus annus, de 1991.
Todavia,
a Humanae Vitae (1968) também pode ser incluída no rol das encíclicas "sociais", por
colocar a questão da centralidade da vida nas relações humanas, mas, sobretudo, por
tratar o grande problema do crescimento e controle demográfico.
Uma constante
em todos estes documentos é o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, e dotado,
por natureza, de dignidade específica. Daí derivam os seus diretos.
A crescente
independência de povos e nações, começou a impor uma visão mais global dos problemas,
que surgiu com a Mater et Magistra e prosseguiu na Populorum progressio, de Paulo
VI.
Em todas as encíclicas sociais de João Paulo II, a dimensão universal,
ou seja, a interdependência entre desenvolvimento e solidariedade, foi contemplada.
Recordamos que o magistério de João Paulo II se deu durante o conflito (até
1989) de dois modelos socioeconômicos: o capitalismo e o socialismo, situação que
foi pano de fundo histórico para a Sollicitudo Rei Socialis (1987). Depois da queda
do muro de Berlim, foi a vez da Centesimus Annus, de 1991, com a qual papa Wojtyla
começou a enfrentar os nós da globalização.
Hoje, 18 anos depois, papa Ratzinger
desenvolve sua reflexão a partir de aspectos e implicações técnicas e teológicas totalmente
inéditas. (CM)