SANTO PADRE PRESIDE CELEBRAÇÃO DE ENCERRAMENTO DO ANO PAULINO
Cidade do Vaticano, 28 jun (RV) - O Santo Padre presidiu, na tarde deste domingo,
a celebração das primeiras vésperas da Solenidade dos Santos Pedro e Paulo e encerramento
do Ano Paulino, na Basílica de São Paulo "Fora dos Muros".
A seguir a homilia
do Santo Padre com a tradução livre de Mariângela Jaguraba.
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio, Ilustres membros da Delegação do Patriarcado Ecumênico, Queridos
irmãos e irmãs,
a todos vocês a minha cordial saudação. Em particular, saúdo
o arcipreste desta Basílica e os seus colaboradores, saúdo o abade e a comunidade
beneditina, saúdo também a delegação do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.
Estamos
aqui junto ao sepulcro do Apóstolo, cujo sarcófago, conservado sob o altar papal,
foi submetido a uma atenciosa análise científica: no sarcófago, que nunca foi aberto
em vários séculos, foi feita uma pequena abertura para introduzir uma sonda especial,
e por meio dela foram identificadas partículas de um preciso tecido de linho colorido
de púrpura revestido de ouro, e de um tecido azul com filamentos de linho. Foi também
encontrado grãos de incenso vermelho, substâncias protéicas e calcárias. Além disso,
pequenos fragmentos ósseos, submetidos por especialistas ao exame do carbono 14, resultam
ser de uma pessoa que viveu entre o I e o II século. Isso parece confirmar a unânime
e incontrastável tradição que se trate dos restos mortais do Apóstolo Paulo. Tudo
isso enche a nossa alma de profunda emoção.
Muitas pessoas, durantes estes
messes, seguiram os caminhos do Apóstolo, tanto exteriores quanto interiores, que
ele percorreu durante a sua vida: o caminho de Damasco rumo ao encontro com o Ressuscitado;
os caminhos no mundo mediterrâneo que ele atravessou com a chama do Evangelho, encontrando
oposição e adesão, até o martírio, pelo qual pertenceu para sempre à Igreja de Roma.
A ela enviou também a sua Carta maior e mais importante. O Ano Paulino se conclui,
mas estar a caminho junto com Paulo, com ele e graças a ele conhecer Jesus e, como
ele, sermos iluminados e transformados pelo Evangelho, isto fará sempre parte da vida
cristã. E sempre, indo além do ambiente dos fiéis, ele permaneceu o "mestre dos gentios",
que deseja levar a mensagem do ressuscitado a todos os homens, porque Cristo os conheceu
e os amou; morreu e ressuscitou por todos eles. Queremos então ouvi-lo também neste
momento em que iniciamos a festa dos dois Apóstolos que fortemente se uniram.
Faz
parte da estrutura das Cartas de Paulo, sempre em referência ao lugar e à situação
particular, explicar o mistério de Cristo, nos ensinar a fé. Numa segunda parte, está
a aplicação prática para a nossa vida: o que diz a respeito de nossa fé? Como ela
plasma o nosso dia-a-dia? Na Carta aos Romanos, esta segunda parte começa com o 12°
capítulo, nos primeiros dois versículos onde o Apóstolo resume logo o núcleo essencial
da existência cristã. O que nos diz São Paulo naquela mensagem? Sobretudo ressalta
como fundamental que Cristo iniciou um novo modo de venerar Deus, um novo culto. Isso
consiste no fato que o homem vivo se tornou ele mesmo adoração, "sacrifício" em seu
próprio corpo. Não são mais coisas que serão oferecidas a Deus. Será a nossa própria
existência que deverá se tornar louvor a Deus. Mas como isso acontece? No segundo
versículo nos é dada a resposta: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos,
renovando vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir o que é da
vontade de Deus..." (12, 2). As duas palavras decisivas deste versículo são: "transformar"
e "renovar". Devemos nos tornar homens novos, transformados numa nova maneira de viver.
O mundo está sempre em busca de novidade porque está sempre infeliz com a realidade
concreta. Paulo nos diz: o mundo não pode ser renovado sem homens novos. Somente se
existirem homens novos, existirá também um mundo novo, um mundo renovado e melhor.
No início está a renovação do homem. Isto vale para cada um. Somente se nós tornarmos
novos, o mundo se tornará novo. Isso significa também que não basta adaptar-se à situação
atual. O Apóstolo nos exorta a um não-conformismo. Em nossa Carta se diz: não submeter-se
ao esquema do mundo atual. Voltaremos neste ponto refletindo sobre o segundo texto
que hoje meditarei com vocês. O não do Apóstolo é claro e também convincente para
qualquer um que observa o esquema de nosso mundo. Mas como é possível tornarmo-nos
novos? Somos realmente capazes? Em relação ao tornar-se novos, Paulo se refere à própria
conversão: ao seu encontro com Cristo ressuscitado, encontro que a Segunda Carta aos
Coríntios diz: "Se alguém está em Cristo, é criatura nova; o que era antigo passou,
agora tudo é novo" (5, 17). Era tão inquietador este encontro com Cristo que ele diz
a respeito: "Eu morri" (Gl 2, 19; cfr. Rm 6). Ele se tornou novo, se tornou outro,
porque não vive mais para si mesmo e em razão de si mesmo, mas para Cristo e em Cristo.
Durante os anos, porém, ele viu também que este processo de renovação e de transformação
continua a vida inteira. Tornamo-nos novos, se nos deixamos levar e sermos plasmados
pelo Homem novo, Jesus Cristo. Ele é o Homem novo por excelência. Nele a nova existência
humana se torna realidade, e podemos realmente nos tornar novos se nos entregarmos
às suas mãos e por Ele nos deixarmos plasmar.
Paulo torna ainda mais claro
este processo de "refundição" dizendo que nos tornamos novos se transformamos o nosso
modo de pensar. O que aqui foi traduzido como "modo de pensar", é o termo grego "nous".
É uma palavra complexa. Pode ser traduzida como "espírito", "sentimento", "razão"
e também como "modo de pensar". A nossa razão deve se tornar nova. Isto nos surpreende.
Talvez esperávamos que se referisse a algum comportamento: aquilo que devemos mudar
em nossas ações. Mas não: a renovação deve ir até o fundo. A nossa maneira de ver
o mundo, de compreender a realidade, todo o nosso pensar deve mudar a partir de seu
fundamento. O pensamento do homem velho, a maneira de pensar comum é dirigida em geral
rumo ao possesso, o bem-estar, a influência, o sucesso, a fama e assim por diante.
Mas este modo tem uma capacidade muito limitada e em última análise, permanece o próprio
"eu" o centro do mundo. Devemos aprender a pensar de maneira mais profunda. O que
isso significa, diz São Paulo na segunda parte da frase: precisamos aprender a conhecer
a vontade de Deus, para que Ele plasme a nossa vontade, a fim de que nós possamos
querer aquilo que Deus quer, pois reconhecemos que o que Deus quer é bonito e bom.
Trata-se então de uma mudança em nossa orientação espiritual. Deus deve entrar no
horizonte de nosso pensamento: o que Ele quer e a maneira como Ele pensou o mundo
e eu. Devemos aprender a participar da maneira de pensar e de querer de Jesus Cristo.
É assim que seremos homens novos de onde emerge um mundo novo.
O mesmo pensamento
de uma necessária renovação de nosso ser pessoa humana, Paulo ilustrou em dois versículos
da Carta aos Efésios, que refletiremos brevemente a seguir. No quarto capítulo da
Carta o Apóstolo nos disse que com Cristo devemos chegar à idade adulta, uma humanidade
amadurecida. Não podemos mais "permanecer como crianças, entregues ao sabor das ondas
e levados por todo vento de doutrina... (4, 14). Paulo deseja que os cristãos tenham
uma fé "responsável", uma "fé adulta". A palavra "fé adulta" nos últimos dez anos
se tornou um slogan difundido. É entendida muitas vezes como comportamento de quem
não dá mais ouvido à Igreja e aos seus Pastores, mas escolhe autonomamente aquilo
que quer ou não acreditar, uma fé "feita por si mesma". A expressão é apresentada
como "coragem" de se expressar contra o Magistério da Igreja. Na realidade não precisa
ter coragem para isso e contar com o aplauso do público. É preciso ter coragem para
aderir à fé da Igreja, mesmo se essa contradiz o esquema do mundo contemporâneo. É
este não-conformismo da fé que Paulo chama de "fé adulta". Qualifica-se de infantil
o correr atrás de ventos e de correntes do tempo. Faz parte da fé adulta, por exemplo,
lutar contra a violação da vida humana desde o primeiro momento, se opondo com isso
radicalmente ao princípio da violência, e se colocando em defesa das criaturas humanas
mais vulneráveis. Faz parte da fé adulta reconhecer o matrimônio entre um homem e
uma mulher por toda a vida como norma do Criador, restabelecida novamente por Cristo.
A fé adulta não se deixa levar de lá para cá por qualquer corrente. Ela se opõe aos
ventos da moda. Sabe que estes ventos não são o sopro do Espírito Santo; sabe que
o Espírito Santo de Deus se expressa e se manifesta na comunhão com Jesus Cristo.
Todavia, também aqui Paulo não se detém na negação, mas nos conduz ao grande "sim".
Descreve a fé amadurecida, realmente adulta de maneira positiva com a expressão: "vivendo
segundo a verdade, no amor" (cfr. Ef 4, 15). O novo modo de pensar, a nós doado pela
fé, se dirige primeiramente rumo á verdade. O poder do mal é a mentira. O poder da
fé, o poder de Deus é a verdade. A verdade sobre o mundo e sobre nós mesmos se torna
visível quando olhamos para Deus. E Deus se torna visível para nós em Jesus Cristo.
Olhamos Cristo e reconhecemos uma coisa ulterior: verdade e amor são inseparáveis.
Em Deus ambas são uma coisa só: é essa a essência de Deus. Por isso, para os cristãos,
verdade e caridade caminham juntas. A caridade é a prova da verdade. Sempre de novo
devemos ser medidos segundo este critério, que a verdade se torne caridade e a caridade
nos torne verdadeiros.
Ainda outro pensamento importante aparece no versículo
de São Paulo. O Apóstolo nos diz que, agindo segundo a verdade na caridade, nós ajudamos
a fazer que todo o universo cresça em Cristo. Paulo, baseando-se em sua fé, não se
interessa somente por nossa pessoal retidão e não simplesmente pelo crescimento da
Igreja. Ele se interessa pelo universo: ta pánta. O objetivo da obra de Cristo
é o universo, a transformação do universo, de todo o mundo humano, de toda a criação.
A pessoa que junto com Cristo serve a verdade na caridade contribui ao verdadeiro
progresso do mundo. Sim, é claro que Paulo conhece a idéia de progresso. Cristo, o
seu viver, sofrer e ressurgir foram o verdadeiro grande salto de progresso para a
humanidade, para o mundo. Agora, porém, o universo deve crescer em virtude Dele. Onde
aumenta a presença de Cristo, lá está o verdadeiro progresso do mundo. Lá o homem
se torna novo e assim se torna novo o mundo.
A mesma coisa Paulo evidencia
ainda a partir de outro ângulo. No terceiro capítulo da Carta aos Efésios ele nos
fala da necessidade de que "sejais robustecidos, por meio do seu Espírito, quanto
ao homem interior" (3, 15). Com isso responde um tema que antes, numa situação de
tribulação, tinha tratado na Segunda Carta aos Coríntios: "Mesmo se o nosso físico
vai se arruinando, o nosso interior, pelo contrário, vai-se renovando a cada dia"
(4, 16). O homem interior deve se reforçar é um imperativo muito apropriado para o
nosso tempo em que os homens muitas vezes permanecem interiormente vazios e, portanto,
devem se agarrar em promessas e narcóticos, que depois tem como conseqüência um maior
aumento do vazio em seu interior. O vazio interior, a fraqueza do homem interior,
é um dos grandes problemas de nosso tempo. Deve ser reforçada a interioridade, a perceptividade
do coração; a capacidade de ver e compreender o mundo e o homem a partir de dentro,
com o coração. Nós precisamos de uma razão iluminada pelo coração, para aprender a
agir segundo a verdade na caridade. Isto, todavia, não se realiza sem uma íntima relação
com Deus, sem a vida de oração. Precisamos do encontro com Deus, que nos é dado nos
Sacramentos. E não podemos falar com Deus na oração, se não deixarmos que Ele fale
primeiro, se não o ouvimos em sua palavra, que Ele nos doou. Paulo, em relação a isso,
diz "Que Cristo habite pela fé em vossos corações e que sejais arraigados e bem firmes
no amor. Assim tereis condições de compreender, com todos os santos, qual é a largura
e o comprimento, a altura e a profundidade, e conhecer o amor de Cristo que excede
a todo conhecimento" (Ef 3, 17ss). O amor enxerga além da simples razão, é o que Paulo
nos disse com estas palavras. E nos disse ainda que somente na comunhão com todos
os santos, ou seja, na grande comunidade de todos os fiéis, e não contra ou sem ela,
podemos conhecer a grandeza do mistério de Cristo. Esta grandeza, ele circunscreve
com palavras que queremos expressar nas dimensões do cosmo: amplidão, largura, altura
e profundidade. O mistério de Cristo tem uma grandeza cósmica: Ele não pertence somente
a um determinado grupo. O Cristo crucificado abraça todo o universo em todas as suas
dimensões. Ele toma o mundo em suas mãos e o leva no alto, a Deus. Começando por Santo
Irineu de Lião, no final do II século, os Santos Padres viram nas palavras, grandeza,
largura, altura e profundidade do amor de Cristo uma alusão à Cruz. O amor de Cristo
abraçou na Cruz a profundidade mais baixa, a noite da morte, a altura suprema, a grandeza
do próprio Deus. E tomou em seus braços a amplidão e a vastidão da humanidade e do
mundo em todas as suas distâncias. Sempre Ele abraça o universo, todos nós.
Rezemos
ao Senhor para que nos ajude a reconhecer algo da grandeza de seu amor. Rezemos para
que o seu amor e a sua verdade toquem o nosso coração. Peçamos que Cristo habite em
nossos corações e nos torne homens novos, que ajam segundo a verdade na caridade.
Amém!