2009-06-28 19:12:21

"A fé adulta não se deixa levar de um lado para outro por qualquer corrente. Ela opõe-se aos ventos da moda": salientou o Papa na homilia das Primeiras Vésperas dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, em que encerrou o Ano Paulino.
 

 





(28/6/2009) Esta tarde na Basílica de São Paulo fora de muros Bento XVI presidiu a celebração das Primeiras Vésperas da Solenidade de São Pedro e São Paulo para o encerramento do Ano Paulino. Presente na liturgia uma delegação do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla.
No inicio da homilia o Santo Padre revelou que foi efectuado um reconhecimento, o primeiro na historia, do tumulo de Paulo que se encontra sob a Basílica do mesmo nome, aqui em Roma, e que foram encontrados fragmentos de ossos humanos que remontam ao primeiro – segundo século, além de grãos de incenso vermelhos e tecidos de linho. Isto – afirmou o Papa – parece confirmar a unânime e incontestada tradição que se trata dos restos mortais do apóstolo Paulo.
Muitas pessoas, durante estes meses – salientou depois Bento XVI - seguiram os caminhos do Apóstolo, tanto exteriores quanto interiores, que ele percorreu durante a sua vida: o caminho de Damasco rumo ao encontro com o Ressuscitado; os caminhos no mundo mediterrâneo que ele atravessou com a chama do Evangelho, encontrando oposição e adesão, até ao martírio, pelo qual pertenceu para sempre à Igreja de Roma. A ela enviou também a sua Carta maior e mais importante. O Ano Paulino conclui - se, mas estar a caminho juntamente com Paulo, com ele e graças a ele conhecer Jesus e, como ele, sermos iluminados e transformados pelo Evangelho, isto fará sempre parte da vida cristã. E sempre, indo para além do ambiente dos fiéis, ele permaneceu o "mestre dos gentios", que deseja levar a mensagem do ressuscitado a todos os homens, porque Cristo os conheceu e os amou; morreu e ressuscitou por todos eles. Queremos então ouvi-lo também neste momento em que iniciamos a festa dos dois Apóstolos que fortemente se uniram.


Faz parte da estrutura das Cartas de Paulo, sempre em referência ao lugar e à situação particular, explicar o mistério de Cristo, ensinar – nos a fé. Numa segunda parte, está a aplicação prática para a nossa vida: o que diz a respeito de nossa fé? Como é que ela plasma o nosso dia-a-dia? Perguntou o Santo Padre. Na Carta aos Romanos, esta segunda parte começa com o 12° capítulo, nos primeiros dois versículos, onde o Apóstolo resume logo o núcleo essencial da existência cristã. O que nos diz São Paulo naquela mensagem? Sobretudo ressalta como fundamental que Cristo iniciou um novo modo de venerar Deus, um novo culto. Isso consiste no facto que o homem vivo se tornou ele mesmo adoração, "sacrifício" no seu próprio corpo. Já não coisas que serão oferecidas a Deus. Será a nossa própria existência que deverá tornar - se louvor a Deus. Mas como acontece isso? No segundo versículo é - nos dada a resposta: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa maneira de pensar e julgar, para que possais distinguir qual é a vontade de Deus..." (12, 2). As duas palavras decisivas deste versículo são: "transformar" e "renovar". Devemos tornar - nos homens novos, transformados numa nova maneira de viver. O mundo anda sempre á procura de novidades porque está sempre infeliz com a realidade concreta. Paulo diz - nos: o mundo não pode ser renovado sem homens novos. Somente se existirem homens novos, existirá também um mundo novo, um mundo renovado e melhor. No início está a renovação do homem. Isto vale para cada um. Somente se nós nos tornarmos novos, o mundo se tornará novo. Isso significa também que não basta adaptar-se à situação actual. O Apóstolo exorta - nos a um não -conformismo. Na nossa Carta afirma-se: não submeter-se ao esquema do mundo actual.
Voltaremos a este ponto reflectindo sobre o segundo texto que hoje meditarei convosco. O não do Apóstolo é claro e também convincente para todos aqueles que observam o esquema do nosso mundo. Mas como é possível tornarmo-nos novos? Somos realmente capazes? Em relação ao tornar-se novos, Paulo refere - se à própria conversão: ao seu encontro com Cristo ressuscitado, encontro que a Segunda Carta aos Coríntios diz: "Se alguém está em Cristo, é criatura nova; o que era antigo passou, agora tudo é novo" (5, 17). Era tão inquietador este encontro com Cristo que ele diz a este propósito : "Eu morri" (Gl 2, 19; cfr. Rm 6). Ele tornou - se novo, tornou - se outro, porque não vive mais para si mesmo e em razão de si mesmo, mas para Cristo e em Cristo. Durante os anos, porém, ele viu também que este processo de renovação e de transformação continua a vida inteira. Tornamo-nos novos, se nos deixarmos levar e formos plasmados pelo Homem novo, Jesus Cristo. Ele é o Homem novo por excelência. Nele a nova existência humana torna -se realidade, e podemos realmente tornarmos novos se nos entregarmos às suas mãos e por Ele nos deixarmos plasmar.


Paulo torna ainda mais claro este processo de "refundição" dizendo que nos tornamos novos se transformamos o nosso modo de pensar. O que aqui foi traduzido como "modo de pensar", é a palavra grega "nous". É uma palavra complexa. Pode ser traduzida como "espírito", "sentimento", "razão" e também como "modo de pensar". A nossa razão deve tornar - se nova. Isto nos surpreende. Talvez esperávamos que se referisse a algum comportamento: aquilo que devemos mudar nas nossas acções. Mas não: a renovação deve ir até o fundo. A nossa maneira de ver o mundo, de compreender a realidade, todo o nosso pensar deve mudar a partir do seu fundamento. O pensamento do homem velho, a maneira de pensar comum é dirigida em geral rumo ao possesso, o bem-estar, a influência, o sucesso, a fama e assim por diante. Mas este modo tem uma capacidade muito limitada e em última análise, permanece o próprio "eu" o centro do mundo. Devemos aprender a pensar de maneira mais profunda. O que isso significa, diz São Paulo na segunda parte da frase: precisamos de aprender a conhecer a vontade de Deus, para que Ele plasme a nossa vontade, a fim de que nós possamos querer aquilo que Deus quer, pois reconhecemos que o que Deus quer é bonito e bom. Trata-se então de uma mudança na nossa orientação espiritual. Deus deve entrar no horizonte do nosso pensamento: o que Ele quer e a maneira como Ele pensou o mundo e eu. Devemos aprender a participar na maneira de pensar e de querer de Jesus Cristo. É assim que seremos homens novos de onde emerge um mundo novo.


O mesmo pensamento de uma necessária renovação de nosso ser pessoa humana, Paulo ilustrou em dois versículos da Carta aos Efésios, que reflectiremos brevemente a seguir. No quarto capítulo da Carta o Apóstolo diz-nos que com Cristo devemos chegar à idade adulta, uma humanidade amadurecida. Já não podemos "permanecer como crianças, entregues ao sabor das ondas e levados por todo vento de doutrina... (4, 14). Paulo deseja que os cristãos tenham uma fé "responsável", uma "fé adulta". A palavra "fé adulta" nos últimos decénios tornou-se um slogan com grande difusão. É entendida muitas vezes como comportamento de quem não escuta a Igreja e os seus Pastores, mas escolhe autonomamente aquilo que quer ou não acreditar, uma fé "feita por si proprio". A expressão é apresentada como "coragem" de se expressar contra o Magistério da Igreja. Na realidade não é preciso ter coragem para isso e contar com o aplauso do público. É preciso ter coragem para aderir à fé da Igreja, mesmo se essa contradiz o esquema do mundo contemporâneo. É este não-conformismo da fé que Paulo chama "fé adulta". É infantilismo correr atrás de ventos e de correntes do tempo. Faz parte da fé adulta, por exemplo, lutar contra a violação da vida humana desde o primeiro momento, opondo -se com isso radicalmente ao princípio da violência, e colocando –se em defesa das criaturas humanas mais vulneráveis. Faz parte da fé adulta reconhecer o matrimónio entre um homem e uma mulher por toda a vida como norma do Criador, restabelecida novamente por Cristo. A fé adulta não se deixa levar de lá para cá por qualquer corrente. Ela opõe -se aos ventos da moda. Sabe que estes ventos não são o sopro do Espírito Santo; sabe que o Espírito Santo de Deus se expressa e se manifesta na comunhão com Jesus Cristo. Todavia, também aqui Paulo não se detém na negação, mas conduz - nos ao grande "sim". Descreve a fé amadurecida, realmente adulta de maneira positiva com a expressão: "vivendo segundo a verdade, no amor" (cfr. Ef 4, 15). O novo modo de pensar, a nós doado pela fé, se dirige – se primeiramente rumo á verdade. O poder do mal é a mentira. O poder da fé, o poder de Deus é a verdade. A verdade sobre o mundo e sobre nós mesmos torna –se visível quando olhamos para Deus. E Deus torna - se visível para nós em Jesus Cristo. Olhamos Cristo e reconhecemos uma coisa ulterior: verdade e amor são inseparáveis. Em Deus ambas são uma coisa só: é essa a essência de Deus. Por isso, para os cristãos, verdade e caridade caminham juntas. A caridade é a prova da verdade. Sempre de novo devemos ser medidos segundo este critério, que a verdade se torne caridade e a caridade nos torne verdadeiros.


Ainda outro pensamento importante aparece no versículo de São Paulo. O Apóstolo n diz - nos que, agindo segundo a verdade na caridade, nós ajudamos a fazer que todo o universo cresça em Cristo. Paulo, baseando-se na sua fé, não se interessa somente pela nossa pessoal rectidão e não simplesmente pelo crescimento da Igreja. Ele interessa – se pelo universo: ta pánta. O objectivo da obra de Cristo é o universo, a transformação do universo, de todo o mundo humano, de toda a criação. A pessoa que juntamente com Cristo serve a verdade na caridade contribui para o verdadeiro progresso do mundo. Sim, é claro que Paulo conhece a ideia de progresso. Cristo, o seu viver, sofrer e ressuscitar foram o verdadeiro grande salto de progresso para a humanidade, para o mundo. Agora, porém, o universo deve crescer em virtude Dele. Onde aumenta a presença de Cristo, lá está o verdadeiro progresso do mundo. Lá o homem se torna novo e assim se torna novo o mundo.

Bento XVI comentando depois uma passagem da Segunda Carta aos Coríntios,” ainda que em nós se destrua o homem exterior, o interior renova-se diariamente” ( 4, 16) salientou que o homem interior se deve reforçar. É um imperativo muito apropriado para o nosso tempo em que os homens muitas vezes permanecem interiormente vazios e portanto devem agarrar-se a promessas e narcóticos que depois têm como consequência um ulterior crescimento do sentido de vazio no seu intimo. O vazio interior – a fraqueza do homem interior – é um dos grandes problemas do nosso tempo – acrescentou o Santo Padre. Deve ser reforçada a interioridade - a percepção do coração; a capacidade de ver e compreender o mundo e o homem partindo de dentro, com o coração. Nós precisamos de uma razão iluminada pelo coração, para aprender a agir segundo a verdade na caridade. Isto, contudo - salientou – não se realiza sem uma relação intima com Deus, sem a vida de oração. Precisamos do encontro com Deus, que nos é dado nos Sacramentos. E não podemos falar a Deus na oração, se não deixamos que seja ele mesmo a falar primeiro, se não o escutamos na palavra que nos deu. A este propósito – recordou depois o Papa, Paulo diz-nos: “para que Cristo habite pela fé nos vossos corações, de sorte que, arraigados e fundados na caridade, possais compreender com todos os santos, qual seja a largura, o comprimento,, a altura e a profundidade do amor de Cristo e conhecer a sua caridade que excede toda a ciência”. (Ef 3, 17 ss).
O amor vê mais longe do que a simples razão, é aquilo que Paulo nos diz com estas palavras. E diz-nos uma vez mais que somente na comunhão com todos os santos, isto é na grande comunidade de todos os crentes – e não contra ou sem ela – podemos conhecer a vastidão do mistério de Cristo.








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