"O caso-Galileu. Uma releitura histórica, filosófica e teológica": Congresso Internacional,
em Florença, 26-30 de Maio.
É o evento central de uma série de iniciativas reconhecidas e apoiadas pela Santa
Sé por ocasião do Ano Internacional da Astronomia 2009, convocado sob a égide das
Nações Unidas. Um ano que coincide com o IV centenário das primeiras observações ao
telescópio, da parte de Galileu. Organizado pela Fundação Nielson, dos jesuítas
de Florença, este Colóquio conta com a colaboração e adesão de 18 instituições culturais
e científicas que se dedicam a estudos sobre Galileu ou se encontram historicamente
envolvidas na questão Galileu. De entre elas, a Universidade Gregoriana e as Universidade
de Pisa, Pádua e Florença, nomeadamente. Participam como observadores o Observatório
Astronómico (“Specola”) do Vaticano, o Conselho Pontifício para a Cultura e a Academia
Pontifícia das Ciências. A confrontar-se sobre “o caso Galileu” com uma amplitude
e perspectivas até agora inéditas, serão teólogos, historiadores e filósofos que,
à luz dos mais recentes estudos a este respeito, procurarão reexaminar o caso e estabelecer
se este pode ou não considerar-se definitivamente encerrado. Recorde-se que Galileu
nasceu em Pisa, Norte da Itália, em 1564 e faleceu em 1642, tendo sido condenado em
1633 pelo Tribunal eclesiástico conhecido na época por Inquisição.
Numa conferência
de imprensa, em Janeiro, para apresentar este Colóquio de Florença, o Presidente do
Conselho Pontifício para a Cultura, Mons. Gianfranco Ravasi e o Director do Observatório
do Vaticano, Padre José Funes, passaram em revista alguns dados históricos e os passos
que foram dados nas últimas décadas no reconhecimento dos erros cometidos no que diz
respeito a Galileu. Já o Concílio Vaticano II deplorou “certas atitudes mentais,
por vezes até entre cristãos, devidas ao facto de não se ter suficientemente advertido
a legítima autonomia da ciência, o que, suscitando controvérsias, levou muitos espíritos
a considerar que Ciência e Fé são realidades que se contrapõem” (GS 36). Num
discurso à Academia das Ciências, a 10 de Novembro de 1979, na comemoração do nascimento
de Einstein, João Paulo II pedia aos teólogos, cientistas e historiadores para aprofundarem
o caso Galileu e remover, no leal reconhecimento dos erros, as diferenças, a bem de
uma “frutuosa concórdia entre ciência e fé, entre Igreja e mundo”. Nessa ocasião o
Papa expôs alguns pontos importantes para fazer luz sobre o caso a começar pela explicita
afirmação de Galileu, segundo o qual as duas verdades, da ciência e da Fé respectivamente,
nunca se podem contrapor, pois que tal como a Sagrada Escritura e a natureza, ambos
provêm de Deus. Galileu, crente convicto e fundador da física moderna, era ao
mesmo tempo profundamente consciente da presença do Criador na sua investigação cientifica
e na iluminação divina da sua mente. A ele se ficou também a dever – afirmava João
Paulo II – a enunciação de importantes normas de carácter epistemológico para harmonizar
a Sagrada Escritura com a Ciência. A fim de examinar profunda e desapaixonadamente
esta problemática, o Papa Woytyla instituiu em 1981 uma Comissão de Estudo que concluiu
as suas pesquisas interdisciplinares dez anos depois. À luz desses estudos, numa audiência
à Pontifícia Academia das Ciências, em 1992, João Paulo II fazia sua a questão Galileu
e sublinhava de modo particular o aspecto epistemológico, ligado à hermenêutica bíblica:
na cultura da época, a representação geocêntrica do mundo era aceite como plenamente
concorde com o ensinamento da Bíblia. “O problema da compatibilidade do heliocentrismo
e da Escritura – observava o Papa – obrigava os teólogos a interrogar-se sobre os
seus critérios de interpretação da Sagrada Escritura. A maior parte deles não souberam
fazê-lo”. A não percepção da distinção formal entre a Sagrada Escritura e a sua
interpretação levou a maioria dos teólogos de então a “transpor indevidamente para
o campo da doutrina da fé uma questão que na realidade pertencia à investigação cientifica”.
Palavras estas que constituíam uma convicta homenagem à figura de Galileu, crente
e cientista, relegando para o passado incompreensões e mal entendidos entre o espírito
da ciência e da fé cristã. Mais recentemente um tributo à astronomia e à sua
função na marcação dos tempos de oração ficou a dever-se a Bento XVI, no Ângelus de
21 de Dezembro passado, solstício de Inverno, circunstância que ofereceu ao Papa a
“oportunidade para saudar todos aqueles que iriam participado de algum modo no Ano
mundial da Astronomia, proclamado por ocasião do IV centenário das primeiras observações
por telescópio de Galileu Galilei”. O Papa recordava também alguns dos seus predecessores
apaixonados pela Astronomia: Silvestre II, que foi mesmo professor desta matéria,
Gregório XIII, ao qual se deve o calendário gregoriano, e São Pio X, construtor de
relógios solares. Na homilia da Epifania, o Papa referiu-se novamente ao Ano da Astronomia
e a Galileu, a propósito do símbolo da estrela, tão importante na narração evangélica
dos reis magos. Eles eram, com muita probabilidade, astrónomos – considerou Bento
XVI, que naquela mesma ocasião recordou a peculiar concepção cosmológica presente
no cristianismo, que mesmo na época actual dá sinais interessantes de novo florescimento,
graças à paixão e à fé de não poucos cientistas que, nas pegadas de Galileu não renunciam
nem à religião, nem à fé; antes pelo contrário, valorizam-nas a ambas profundamente,
na sua recíproca fecundidade.
A abertura do Colóquio teve lugar às 17 horas
desta terça-feira, na Basílica de Santa Cruz (onde se encontra o túmulo de Galileu),
com a participação do Presidente da Republica italiana, Giorgio Napolitano, do arcebispo
de Florença, D. Giusppe Betori e de outras personalidades eclesiásticas e civis. Nos
próximos três dias, os trabalhos prosseguem no Palácio dos Congressos, onde “o caso
Galileu” será enfrentado de vários pontos de vista por 27 oradores. Finalmente no
sábado 30, os congressistas transferir-se-ão à Villa (residência campestre) de Arcetri,
nos arredores de Florença, onde Galileu viveu nos últimos anos.