O exegeta católico estará atento a captar a Palavra de Deus no interior da própria
fé da Igreja: Bento XVI à Pontifícia Comissão Bíblica, sobre "inspiração e verdade
da Bíblia"
Recebendo ao meio dia os participantes na assembleia anual da Pontifícia Comissão
Bíblica, Bento XVI pronunciou um circunstanciado discurso sobre o tema – “muito importante”
- desta plenária: “a inspiração e a verdade da Bíblia”.
“Trata-se de um tema
que diz respeito não apenas ao crente, mas à própria Igreja, pois a vida e a missão
da Igreja fundamentam-se necessariamente na Palavra de Deus, alma da teologia e ao
mesmo tempo inspiradora de toda a existência cristã. O tema que enfrentastes responde,
aliás, a uma preocupação que tenho muito particularmente a peito, e isso porque a
interpretação da Sagrada Escritura é de importância capital para a fé cristã e para
a vida da Igreja”.
Bento XVI recordou os contributos que sobre o tema da “inspiração,
verdade e hermenêutica bíblica” deram a seu tempo os Papas Leão XIII e Pio XII, respectivamente
com as Encíclicas “Providentissimus Deus” e “Divino afflante Spiritu”. “O forte impulso
destes dois Pontífices aos estudos bíblicos encontrou plena confirmação no Concílio
Vaticano II”, com a Constituição “Dei Verbum”, que - sublinhou Bento XVI – “ainda
hoje ilumina a actividade dos exegetas católicos e convida Pastores e fiéis a alimentarem-se
mais assiduamente à mesa da Palavra de Deus”.
Citando abundantemente a Constituição
“Dei verbum”, Bento XVI fez notar que o Concílio afirmou, antes de mais que é Deus
o autora da Sagrada Escritura, pelo que se deve reconhecer que “os livros da Escritura
ensinam firmemente, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação,
quis que fosse consignada nas sagradas Letras”. Mas por outro lado, logo acrescentou
o Papa, “na Sagrada Escritura Deus fala ao homem à maneira humana”. Assim, para uma
recta interpretação da Escritura, há que procurar com atenção o que é que os autores
sagrados quiseram verdadeiramente afirmar e o que é que aprouve a Deus manifestar
com as palavras deles. A Sagrada Escritura, como afirma o Vaticano II, deve “ser lida
e interpretada com a ajuda do mesmo Espírito mediante o qual foi escrita”.
Três
os “critérios sempre válidos” fornecidos pelo Concílio “para uma interpretação da
Sagrada Escritura conforme ao Espírito que a inspirou – recordou Bento XVI: - antes
de mais, “prestar grande atenção ao conteúdo e à unidade de toda a Escritura”; depois,
“ler a Sagrada Escritura no contexto da tradição viva de toda a Igreja”; finalmente,
atender à chamada “analogia da fé”, ou seja, “a coesão de cada uma das verdades da
fé, entre si, e com o plano global da Revelação e a plenitude da economia divina nela
contida”.
“A tarefa dos investigadores que estudam com diversos métodos a
Sagrada Escritura – sublinhou depois o Papa – è contribuírem, segundo esses princípios,
para uma mais profunda inteligência e exposição do sentido da Sagrada Escritura”.
“Nas basta o estudo científico dos textos sagrados. Para respeitar a coerência
da fé da Igreja, o exegeta católico deve estar atento a captar a Palavra de Deus nesses
textos, no interior da própria fé da Igreja.”
“Se faltar este imprescindível
ponto de referência (insistiu o Papa), fica incompleta a investigação exegética, perdendo
de vista a sua finalidade principal, com o perigo de se tornar mesmo numa espécie
de exercício intelectual”.
“A interpretação das Sagradas Escrituras não pode
ser apenas um esforço científico individual, mas deve ser sempre confrontada, inserida
e autenticada com a tradição viva da Igreja. Esta norma é decisiva para especificar
a correcta relação recíproca entre a exegese e o Magistério da Igreja. O exegeta católico
não alimenta a ilusão individualista de (pensar) que fora da comunidade dos crentes
se possa compreender melhor os textos bíblicos”.
Na verdade, “os textos inspirados
por Deus foram confiados à comunidade dos crentes, à Igreja de Cristo, para alimentar
a fé e guiar a vida de caridade. O respeito desta finalidade condiciona a validade
e eficácia da hermenêutica bíblica”.
“Ser fiel à Igreja significa colocar-se
na corrente da grande Tradição que, sob a guia do Magistério, reconheceu os escritos
canónicos como palavra dirigida por Deus ao seu povo e nunca cessou de os meditar
e de descobrir neles as suas inexauríveis riquezas. O Concílio Vaticano II reafirmou-se
com grande clareza: Tudo o que diz respeito ao modo de intrepretar a Escritura
está sujeito, em última instância, ao juízo da Igreja, que tem o mandato divino e
o ministério de conservar e interpretar a Palavra de Deus”.