Discurso no encontro com o mundo do sofrimento no Cntro Card. Paul Emile Léger -C.N.R.H
(19/3/2009) Senhores Cardeais, Senhora Ministra dos Assuntos Sociais, Senhor
Ministro da Saúde, Amados Irmãos no Episcopado, nomeadamente D. Joseph Djida, Senhor
Director do Centro Cardeal Léger, Gentil pessoal sanitário, queridos doentes!
Desejei
vivamente transcorrer estes momentos convosco e sinto-me feliz por poder saudar-vos.
Uma saudação particular dirijo a vós, irmãos e irmãs que carregais o peso da doença
e do sofrimento. Sabeis que não estais sozinhos no vosso sofrimento, porque o próprio
Cristo está solidário com aqueles que sofrem. Revela aos doentes e enfermos o lugar
que têm no coração de Deus e na sociedade. O evangelista Marcos oferece-nos como exemplo
a cura da sogra de Pedro: Esta estava doente no leito «e logo Lhe falaram dela. Jesus
aproximou-Se, pegou-lhe pela mão e fê-la levantar-se» (Mc 1, 30-31). Nesta
passagem do Evangelho, vemos um dia passado por Jesus junto dos doentes, para os aliviar.
Ele revela-nos ainda, com gestos concretos, a sua ternura e benévola atenção para
com todos aqueles que têm o coração despedaçado e o corpo ferido. Daqui deste Centro
que tem o nome do Cardeal Paulo Emílio Léger, que veio do Canadá para o vosso meio
a fim de tratar dos corpos e das almas, não esqueço aqueles que, na própria casa,
nos hospitais, nos estabelecimentos especializados ou nos dispensários, são portadores
duma deficiência, motora ou mental, nem aqueles que trazem na sua carne os sinais
das violências e das guerras. Penso também em todos os doentes e de modo especial
aqui, na África, naqueles que são vítimas de doenças como a sida, a malária e a tuberculose.
Sei que, junto de vós, a Igreja católica está fortemente empenhada numa luta eficaz
contra estes terríveis flagelos, encorajando-a a prosseguir com determinação nesta
obra urgente. A vós que sois provados pela doença e aflição, a todas as vossas famílias,
desejo levar, da parte do Senhor, um pouco de conforto, renovar-vos o meu apoio e
convidar a dirigir-vos a Cristo e a Maria, que Ele nos deu por Mãe. Ela conheceu a
dor, e seguiu o seu Filho pelo caminho do Calvário, conservando em seu coração aquele
mesmo amor que Jesus veio trazer a todos os homens. Perante o sofrimento, a doença
e a morte, o homem é tentado a gritar sob o efeito da dor, como fez Job, cujo nome
significa «sofredor» (cf. Gregório Magno, Moralia in Job, I, 1, 15). O próprio
Jesus gritou, pouco antes de morrer (cf. Mc 15, 37; Heb 5, 7). Quando
a nossa condição se degrada, aumenta a angústia; alguns são tentados a duvidar da
presença de Deus na sua vida. Job, pelo contrário, é consciente da presença de Deus
na sua vida; o seu grito não se faz revolta, mas, do mais fundo da sua desgraça, faz
subir a expressão da sua confiança (cf. Job 19; 42, 2-6). Os seus amigos –
como faz cada um de nós diante do sofrimento de um ser querido – esforçam-se por consolá-lo,
mas usam palavras vazias. Na presença de sofrimentos atrozes, sentimo-nos inaptos
e não encontramos as palavras justas. Diante de um irmão ou uma irmã imersos no mistério
da Cruz, o silêncio respeitoso e compassivo, a nossa presença assistida pela oração,
um gesto de ternura e conforto, um olhar, um sorriso, podem fazer melhor do que muitos
discursos. Esta experiência foi vivida por um reduzido grupo de homens e mulheres,
entre os quais a Virgem Maria e o Apóstolo João, que seguiram Jesus até ao clímax
do seu sofrimento na sua paixão e morte na Cruz. Entre eles – recorda-nos o Evangelho
– havia um africano, Simão de Cirene. Foi encarregado de ajudar Jesus a levar a sua
Cruz no caminho para o Gólgota. Este homem, se bem que involuntariamente, veio em
ajuda do Homem das dores, abandonado por todos os seus e entregue a uma violência
cega. Assim a história recorda que um africano, um filho do vosso continente, participou,
com o seu próprio sofrimento, na pena infinita d’Aquele que redimiu todos os homens,
incluindo os seus perseguidores. Simão de Cirene não podia saber que tinha diante
dos olhos o seu Salvador. Foi «requisitado» para O ajudar (Mc 15, 21); foi
constrangido, forçado a fazê-lo. É difícil aceitar carregar a cruz de outrem. Só depois
da ressurreição é que ele pôde compreender o que tinha feito. O mesmo se passa com
cada um de nós, irmãos e irmãs: no âmago do desespero, da revolta, Cristo propõe-nos
a sua presença amorosa, ainda que tenhamos dificuldade em compreender que Ele está
ao nosso lado. Só a vitória final do Senhor nos desvendará o sentido definitivo das
nossas provas. Não se pode dizer que todo o africano é, em qualquer medida, membro
da família de Simão de Cirene? Todo o africano e todo o homem que sofre ajudam Cristo
a levar a sua Cruz e sobem com Ele ao Gólgota para com Ele ressuscitar um dia. Vendo
Jesus objecto de tal infâmia, contemplando o seu rosto na Cruz e reconhecendo a atrocidade
da sua dor, podemos vislumbrar, pela fé, o rosto luminoso do Ressuscitado que nos
diz que o sofrimento e a doença não terão a última palavra nas nossas vidas humanas.
Rezo, amados irmãos e irmãs, para que vos saibais reconhecer neste «Simão de Cirene».
Rezo, amados irmãos e irmãs doentes, para que muitos «Simões de Cirene» venham também
à vossa cabeceira. Desde a ressurreição até aos nossos dias, numerosas são as testemunhas
que se voltaram, com fé e esperança, para o Salvador dos homens, reconhecendo a sua
presença no âmago da sua provação. O Pai de todas as misericórdias acolhe sempre com
benevolência a prece de quem a Ele se dirige. Responde ao nosso apelo e à nossa oração,
como quer e quando quer, para nosso bem e não segundo os nossos desejos. Compete-nos
a nós discernir a sua resposta e acolher os dons que ele nos oferece como uma graça.
Fixemos o nosso olhar no Crucificado, com fé e coragem, porque d’Ele nos vem a Vida,
o conforto, a cura. Saibamos olhar para Aquele que quer o nosso bem e sabe enxugar
as lágrimas dos nossos olhos; saibamos abandonar-nos nos seus braços como uma criança
nos braços da mãe. Os Santos deram-nos um belo exemplo com a sua vida inteiramente
entregue a Deus, nosso Pai. Santa Teresa de Ávila, que tinha colocado o seu mosteiro
sob o patrocínio de São José, foi curada de um padecimento mesmo no dia da sua festa.
Muitas vezes dizia ela que nunca lhe tinha rezado em vão e recomendava-o a quantos
pensavam que não sabiam rezar: «Eu não compreendo – escrevia ela – como se possa pensar
na Rainha dos Anjos e em tudo o que Ela teve de enfrentar durante a infância do Menino
Jesus, sem agradecer a São José a dedicação tão perfeita com que ele veio em ajuda
de uma e do outro. Aquele que não encontra ninguém para lhe ensinar a rezar escolha
este admirável Santo por mestre, sem temor de se desencaminhar sob a sua guia» (Vida,
6). Além de intercessor pela saúde do corpo, a Santa via em São José um intercessor
pela saúde da alma, um mestre de oração, de súplica. Escolhamo-lo também nós como
mestre de oração. Não apenas nós que estamos de boa saúde, mas também vós, queridos
doentes e todas as famílias. Penso de modo particular em vós que fazeis parte do pessoal
hospitalar e em todos aqueles que trabalham no mundo sanitário. Acompanhando aqueles
que sofrem com a vossa atenção e os cuidados que lhes dispensais, cumpris um acto
de caridade e de amor que Deus agradece: «Estava doente, e viestes visitar-Me» (Mt 25, 36).
A vós, investigadores e médicos, compete realizar tudo o que é legítimo para aliviar
a dor; cabe-vos em primeiro lugar proteger as vidas humanas, ser os defensores da
vida desde a sua concepção até ao seu termo natural. Para todo o homem, o respeito
da vida é um direito e ao mesmo tempo um dever, porque cada vida é um dom de Deus.
Quero convosco dar graças ao Senhor por todos aqueles que, duma maneira ou doutra,
trabalham ao serviço das pessoas que sofrem. Encorajo os sacerdotes e os visitadores
de doentes a empenhar-se com a sua presença activa e amiga na pastoral sanitária nos
hospitais ou para assegurar uma presença eclesial no domicílio, para conforto e apoio
espiritual dos doentes. Segundo a sua promessa, Deus dar-vos-á o justo salário e vos
recompensará no céu. Antes de vos saudar de forma mais pessoal e despedir-me de
vós, quero assegurar a cada um a minha afectuosa solidariedade e a minha oração. Desejo
também exprimir o meu desejo de que nenhum de vós se sinta jamais sozinho. Na verdade,
compete a todo o homem, criado à imagem de Cristo, fazer-se próximo do seu vizinho.
Confio-vos todos e todas à intercessão da Virgem Maria, nossa Mãe, e à de São José.
Que Deus nos conceda ser uns para os outros portadores da sua misericórdia, ternura
e amor e que Ele vos abençoe.