Não ceder ao eugenismo, que se apresenta hoje sob novas formas: exortação do Papa
em discurso à Academia Pontifícia para a Vida. "Qualquer discriminação em relação
a pessoas, povos ou etnias, tendo como base factores genéticos, é atentado contra
a humanidade"
“Qualquer discriminação exercida por qualquer poder em relação a pessoas, povos ou
etnias em razão de diferenças reconduzíveis a alegados factores genéticos é um atentado
contra a humanidade”. “A confiança na ciência não pode fazer esquecer o primado da
ética, quando está em jogo a vida humana”. Advertências de Bento XVI, recebendo neste
sábado de manhã, no Vaticano, aos membros da Pontifícia Academia para a Vida e aos
participantes no Congresso que teve lugar nestes dias sobre “As novas fronteiras da
genética e o risco de eugenética”. A Academia para a Vida foi instituída por João
Paulo II em 1994, sob a presidência do professor Jerôme Lejeune, cientista francês. Evocando
o caminho percorrido pela genética, desde que o abade agostiniano Gregório Mendel
descobriu, em meados do século XIX, as leis da hereditariedade dos caracteres, Bento
XVI sublinhou o “lugar de particular relevo que a genética moderna ocupa no seio das
disciplinas biológicas que contribuíram para o prodigioso desenvolvimento dos conhecimentos
sobre a arquitectura invisível do corpo humano e os processos celulares e moleculares
que presidem às suas múltiplas actividades”. “Permanece ainda hoje muito aberto
o âmbito da investigação e cada dia se entrevêem novos horizontes em larga parte ainda
por explorar. Nestes âmbitos tão enigmáticos e preciosos requer especial apoio o
esforço do investigador; não pode portanto faltar a colaboração entre as diferentes
ciências como suporte para chegar a resultados concretos que sejam eficazes e ao mesmo
tempo produtores de autêntico progresso para toda a humanidade”. Há-de se evitar
assim “o risco de um difuso reducionismo genético, que tende a identificar a pessoa
exclusivamente com a referência à informação genérica e às suas inter-acções com o
ambiente” – advertiu o Papa. “É necessário reafirmar que o homem será sempre muito
maior do que tudo o que forma o seu corpo. De facto, o homem leva em si a força do
pensamento, sempre em busca da verdade sobre si e sobre o mundo”. O Papa citou, neste
contexto, Blaise Pascal, “um grande pensador que foi também um bravo cientista”, que
escrevia que o homem “é um junco pensante”. “Cada ser humano é, portanto, muito
mais do que uma singular combinação de informações genéticas transmitidas pelos pais.
A geração do homem nunca poderá ser reduzida a uma mera reprodução de um novo indivíduo
da espécie humana, como acontece com um animal qualquer. Cada aparecer no mundo de
uma pessoa é sempre uma nova criação”. “Se se quiser entrar no mistério da vida
humana, é pois necessário – prosseguiu ainda o Papa – que nenhuma ciência se isole,
pretendendo possuir a última palavra. Pelo contrário, há que partilhar a vocação comum,
para chegar à verdade, embora na diferença das metodologias e dos conteúdos próprios
de cada ciência”. Fixando-se, finalmente, no tema do Congresso agora promovido
pela Academia para a Vida, Bento XVI deteve-se a considerar os riscos da eugenética,
partindo das “inauditas formas de autêntica discriminação e violência” praticadas
no passado. Na realidade, “a desaprovação em relação à eugenética utilizada com a
violência de um regime de Estado ou fruto do ódio para com um estirpe ou uma população,
está tão radicada nas consciências que encontrou expressão formal na Declaração universal
dos direitos do homem”. E contudo, “também nos nossos dias surgem preocupantes manifestações
desta odiosa prática, que se apresenta sob novos aspectos”. “Toda e qualquer discriminação
exercida por qualquer poder em relação a pessoas, povos ou etnias tendo como base
diferenças reconduzíveis a reais ou alegados factores genéticos é um atentado com
toda a humanidade. Há que reafirmar com vigor a igual dignidade de cada ser humano
pelo próprio facto de ter vindo à luz”.
“Há que consolidar a cultura do
acolhimento e do amor, que testemunham concretamente a solidariedade para com quem
sofre, abatendo as barreiras que muitas vezes a sociedade eleva, discriminando quem
é deficiente ou afectado de patologias, ou – pior ainda – chegando a seleccionar ou
recusar a vida em nome de um ideal abstracto de saúde e de perfeição física.”. "Se
o homem vem reduzido a objecto de manipulação experimental desde os primeiros estádios
do seu desenvolvimento, isso significa que as biotecnologias médicas se rendem ao
arbítrio do mais forte. A confiança na ciência não pode fazer esquecer o primado da
ética, quando está em jogo a vida humana”.