Cidade do Vaticano, 03 fev (RV) - Foi divulgada esta manhã a Mensagem do papa
para a Quaresma 2009. Participaram da apresentação, na Sala de Imprensa da Santa Sé,
o Card. Paul Josef Cordes, Presidente do Pontifício Conselho “Cor Unum”, Mons. Karel
Kasteel, Secretário, e Mons. Giampietro Dal Toso, Vice-Secretário; e a Sra. Josette
Sheeran, Diretora Executiva do Programa Mundial de Alimentos da ONU.
Publicamos
a seguir o texto integral da Mensagem, na versão oficial traduzida pela Secretaria
de Estado do Vaticano. O tema da Mensagem deste ano é "Jejuou durante quarenta dias
e quarenta noites e, por fim, teve fome".
"Queridos irmãos e irmãs! No
início da Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso, a
Liturgia propõe-nos três práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e
cristã – a oração, a esmola, o jejum – a fim de nos predispormos para celebrar melhor
a Páscoa e deste modo fazer experiência do poder de Deus que, como ouviremos na Vigília
pascal, «derrota o mal, lava as culpas, restitui a inocência aos pecadores, a alegria
aos aflitos. Dissipa o ódio, domina a insensibilidade dos poderosos, promove a concórdia
e a paz» (Hino pascal). Na habitual Mensagem quaresmal, gostaria de reflectir este
ano em particular sobre o valor e o sentido do jejum. De facto a Quaresma traz à mente
os quarenta dias de jejum vividos pelo Senhor no deserto antes de empreender a sua
missão pública. Lemos no Evangelho: «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de
ser tentado pelo demónio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim,
teve fome» (Mt 4, 1-2). Como Moisés antes de receber as Tábuas da Lei (cf. Êx 34,
28), como Elias antes de encontrar o Senhor no monte Horeb (cf. 1 Rs 19, 8), assim
Jesus rezando e jejuando se preparou para a sua missão, cujo início foi um duro confronto
com o tentador. Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos,
privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras
e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado
e tudo o que a ele induz. Por isto, na história da salvação é frequente o convite
a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor comanda que o homem
se abstenha de comer o fruto proibido: «Podes comer o fruto de todas as árvores do
jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que
o comeres, certamente morrerás» (Gn 2, 16-17). Comentando a ordem divina, São Basílio
observa que «o jejum foi ordenado no Paraíso», e «o primeiro mandamento neste sentido
foi dado a Adão». Portanto, ele conclui: «O “não comas” e, portanto, a lei do jejum
e da abstinência» (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98). Dado que todos estamos entorpecidos
pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para
restabelecer a amizade com o Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso
do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar «para nos humilhar
– diz – diante do nosso Deus» (8, 21). O Onipotente ouviu a sua prece e garantiu os
seus favores e a sua protecção. O mesmo fizeram os habitantes de Ninive que, sensíveis
ao apelo de Jonas ao arrependimento, proclamaram, como testemunho da sua sinceridade,
um jejum dizendo: «Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua
ira, de modo que não pereçamos?» (3, 9). Também então Deus viu as suas obras e os
poupou. No Novo Testamento, Jesus ressalta a razão profunda do jejum, condenando
a atitude dos fariseus, os quais observaram escrupulosamente as prescrições impostas
pela lei, mas o seu coração estava distante de Deus. O verdadeiro jejum, repete também
noutras partes o Mestre divino, é antes cumprir a vontade do Pai celeste, o qual «vê
no oculto, recompensar-te-á» (Mt 6, 18). Ele próprio dá o exemplo respondendo a satanás,
no final dos 40 dias transcorridos no deserto, que «nem só de pão vive o homem, mas
de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). O verdadeiro jejum finaliza-se
portanto a comer o «verdadeiro alimento», que é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4,
34). Portanto, se Adão desobedeceu ao mandamento do Senhor «de não comer o fruto da
árvore da ciência do bem e do mal», com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente
a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia. Encontramos a prática do jejum
muito presente na primeira comunidade cristã (cf. Act 13, 3; 14, 22; 27, 21; 2 Cor
6, 5). Também os Padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado,
de reprimir os desejos do «velho Adão», e de abrir no coração do crente o caminho
para Deus. O jejum é também uma prática frequente e recomendada pelos santos de todas
as épocas. Escreve São Pedro Crisólogo: «O jejum é a alma da oração e a misericórdia
é a vida do jejum, portanto quem reza jejue. Quem jejua tenha misericórdia. Quem,
ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto
em seu benefício o coração de Deus não feche o seu a quem o suplica» (Sermo 43; PL
52, 320.332). Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco
do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da
satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo.
Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar
uma «terapia» para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus.
Na Constituição apostólica Paenitemini de 1966, o servo de Deus Paulo VI reconhecia
a necessidade de colocar o jejum no contexto da chamada de cada cristão a «não viver
mais para si mesmo, mas para aquele que o amou e se entregou a si por ele, e... também
a viver pelos irmãos» (Cf. Cap. I). A Quaresma poderia ser uma ocasião oportuna para
retomar as normas contidas na citada Constituição apostólica, valorizando o significado
autêntico e perene desta antiga prática penitencial, que pode ajudar-nos a mortificar
o nosso egoísmo e a abrir o coração ao amor de Deus e do próximo, primeiro e máximo
mandamento da nova Lei e compêndio de todo o Evangelho (cf. Mt 22, 34-40). A prática
fiel do jejum contribui ainda para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a
a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor. Santo Agostinho, que conhecia
bem as próprias inclinações negativas e as definia «nó complicado e emaranhado» (Confissões,
II, 10.18), no seu tratado A utilidade do jejum, escrevia: «Certamente é um suplício
que me inflijo, mas para que Ele me perdoe; castigo-me por mim mesmo para que Ele
me ajude, para aprazer aos seus olhos, para alcançar o agrado da sua doçura» (Sermo
400, 3, 3: PL 40, 708). Privar-se do sustento material que alimenta o corpo facilita
uma ulterior disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação.
Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que
vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus. Ao mesmo tempo, o jejum ajuda-nos
a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Na sua Primeira
Carta São João admoesta: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer
necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?» (3, 17).
Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina
e socorre o irmão que sofre (cf. Enc. Deus caritas est, 15). Escolhendo livremente
privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em
dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento
e de atenção para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades
a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de
igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. Foi este, desde o início
o estilo da comunidade cristã, na qual eram feitas colectas especiais (cf. 2 Cor 8-9;
Rm 15, 25-27), e os irmãos eram convidados a dar aos pobres quanto, graças ao jejum,
tinham poupado (cf. Didascalia Ap., V, 20, 18). Também hoje esta prática deve ser
redescoberta e encorajada, sobretudo durante o tempo litúrgico quaresmal. De quanto
disse sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante,
uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos.
Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais, ajuda
o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da
origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana. Exorta oportunamente
um antigo hino litúrgico quaresmal: «Utamur ergo parcius, / verbis, cibis et potibus,
/ somno, iocis et arcitius / perstemus in custodia – Usemos de modo mais sóbrio palavras,
alimentos, bebidas, sono e jogos, e permaneçamos mais atentamente vigilantes». Queridos
irmãos e irmãos, considerando bem, o jejum tem como sua finalidade última ajudar cada
um de nós, como escrevia o Servo de Deus Papa João Paulo II, a fazer dom total de
si a Deus (cf. Enc. Veritatis splendor, 21). A Quaresma seja portanto valorizada em
cada família e em cada comunidade cristã para afastar tudo o que distrai o espírito
e para intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo.
Penso em particular num maior compromisso na oração, na lectio divina, no recurso
ao Sacramento da Reconciliação e na participação activa na Eucaristia, sobretudo na
Santa Missa dominical. Com esta disposição interior entremos no clima penitencial
da Quaresma. Acompanhe-nos a Bem-Aventurada Virgem Maria, Causa nostrae laetitiae,
e ampare-nos no sforço de libertar o nosso coração da escravidão do pecado para o
tornar cada vez mais «tabernáculo vivo de Deus». Com estes votos, ao garantir a minha
oração para que cada crente e comunidade eclesial percorra um proveitoso itinerário
quaresmal, concedo de coração a todos a Bênção Apostólica". Vaticano, 11 de Dezembro
de 2008.