PAPA CELEBRA VÉSPERAS DA SOLENIDADE DA CONVERSÃO DE SÃO PAULO
Cidade do Vaticano, 25 jan (RV) - Bento XVI presidiu na tarde deste domingo,
na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, as II Vésperas da Solenidade da Conversão
de São Paulo com a qual encerrou a Semana de Oração pela Unidade dos cristãos, no
hemisfério norte.
O tema da semana "Que formem uma só coisa em tua mão" (Ez
37,17) foi extraído do livro do profeta Ezequiel. Segue abaixo o texto integral da
homilia proferida pelo Santo Padre com a tradução livre de Mariângela Jaguraba.
Queridos
irmãos e irmãs,
Toda vez que nos reencontramos aqui, no túmulo do Apóstolo
Paulo, na memória litúrgica de sua conversão, para concluir a Semana de Oração pela
Unidade dos Cristãos, a alegria é grande! Saúdo todos vocês com afeto, sobretudo
o arcipreste da basílica papal de São Paulo "Fora dos Muros", Cardeal Andrea Cordero
Lanza di Montezemolo, e a Comunidade de Monges que nos acolheu. Saúdo também o Presidente
do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Cardeal Walter Kasper
e os demais Senhores Cardeais aqui presentes, os bispos e os pastores de várias Igrejas
e Comunidades eclesiais, aqui reunidos. Uma palavra especial de reconhecimento às
pessoas que colaboraram na preparação de subsídios para a oração, vivendo pessoalmente
a tarefa de refletir e de se confrontarem, uns com os outros e todos juntos, a escuta
da Palavra de Deus.
A conversão de São Paulo nos oferece o modelo e nos indica
a estrada para caminhar rumo à plena unidade. De fato, a unidade requer uma conversão:
da divisão à comunhão, da unidade ferida à unidade restaurada e plena. Esta conversão
é dom de Cristo ressuscitado, como aconteceu com São Paulo. Ouvimos isso das palavras
do Apóstolo na leitura proclamada agora a pouco: "Pela graça de Deus sou o que sou"
(1 Cor 15,10). O próprio Senhor, que chamou Saulo no caminho de Damasco, fala aos
membros de sua Igreja, Una e Santa, e chamando cada um pelo nome, pergunta: porque
me dividiste? Por que feriste a unidade do meu corpo? A conversão implica duas dimensões.
No primeiro passo se conhecem e se reconhecem à luz de Cristo as culpas e este reconhecimento
se torna dor e arrependimento, desejo de um novo início. No segundo passo se reconhece
que este novo caminho não pode vir de nós mesmos. Consiste em deixar-se conquistar
por Cristo. Como disse São Paulo: "... vou prosseguindo para ver se o alcanço, pois
que também já fui conquistado por Cristo Jesus" (Fl 3, 12). A conversão exige o nosso
sim, o meu "correr"; não é decididamente uma atividade minha, mas é dom, um deixar-se
formar por Cristo; é morte e ressurreição. Por isso, São Paulo nos diz: "De fato,
pela Lei eu morri para a Lei" (Gl 2,19), sou uma nova criatura. Na realidade a conversão
de São Paulo não foi uma passagem da imoralidade à moralidade, da fé errada a uma
fé correta, mas foi ser conquistado pelo amor de Cristo: a renúncia à própria perfeição,
foi a humildade de quem se coloca sem reservas a serviço de Cristo para os irmãos.
E somente nesta renúncia a nós mesmos, nesta conformidade com Cristo, estaremos unidos
também entre nós, nos tornaremos "um" em Cristo. É a comunhão com Cristo ressuscitado
que nos doa a unidade.
Podemos observar uma interessante analogia com a dinâmica
da conversão de São Paulo também meditando sobre o texto do profeta Ezequiel (37,15-28)
escolhido este ano como base para a nossa oração. Nele, de fato, é apresentado o gesto
simbólico das duas tábuas de madeira reunidas numa só na mão do profeta, que com este
gesto representa a ação futura de Deus. É a segunda parte do capítulo 37 que, na primeira,
contém a célebre visão dos ossos ressequidos e da ressurreição de Israel, realizada
pelo Espírito de Deus. Como não observar que o sinal profético da reunificação do
povo de Israel é colocado depois do grande símbolo dos ossos secos vivificados pelo
Espírito? Surge um esquema teológico análogo ao da conversão de São Paulo: em primeiro
lugar está a força de Deus, que com o Espírito realiza a ressurreição como uma nova
criação. Este Deus, que é o Criador e é capaz de ressuscitar os mortos, é também capaz
de reconduzir à unidade o povo dividido em dois. Paulo, como e mais do que Ezequiel,
se torna instrumento eleito da pregação da unidade conquistada por Jesus mediante
a cruz e a ressurreição: a unidade entre judeus e pagãos, para formar um único povo
novo. A ressurreição de Cristo estende a dimensão da unidade: não somente unidade
entre as tribos de Israel, mas unidade entre judeus e pagãos (cfr. Ef 2; Jo 10,16);
unificação da humanidade dispersa por causa do pecado e ainda mais unidade de todos
os fiéis em Cristo.
O trecho do profeta Ezequiel foi escolhido pelos irmãos
da Coréia, que se sentiram fortemente interpelados por esta página bíblica, como coreanos
e como cristãos. Eles se espelharam na divisão do povo judeu em dois reinos, como
filhos de uma única terra, em que as vicissitudes políticas a dividiram uma parte
ao norte e outra ao sul. E esta experiência humana os ajudou a compreender melhor
o drama da divisão entre os cristãos. Agora, à luz desta Palavra de Deus que os nossos
irmãos coreanos escolheram e propuseram a todos, emerge uma verdade cheia de esperança:
Deus promete a seu povo uma nova unidade que deve ser sinal e instrumento de reconciliação
e de paz também no plano histórico, para todas as nações. A unidade que Deus doa à
sua Igreja, e pela qual rezamos, é naturalmente a comunhão no sentido espiritual,
na fé e na caridade; mas nós sabemos que esta unidade em Cristo é fermento de fraternidade
também no plano social, nas relações entre as nações e para toda a família humana.
É fermento do Reino de Deus que faz levedar toda a massa (cfr. Mt 13,33). Neste sentido,
a oração que elevamos nestes dias, referindo-nos à profecia de Ezequiel, se tornou
também intercessão pelas diversas situações de conflito que atualmente afligem a humanidade.
Lá onde as palavras humanas se tornam impotentes, porque prevalece a trágica opressão
da violência e das armas, a força profética da Palavra de Deus não permanece em vão
e nos repete que a paz é possível, e que devemos ser instrumentos de reconciliação
e de paz. Por isso a nossa oração pela unidade e pela paz pede sempre para ser comprovada
por gestos corajosos de reconciliação entre nós cristãos. Penso ainda na Terra Santa:
quanto é importante que os fiéis que lá vivem, como também os peregrinos que a visitam,
ofereçam a todos o testemunho de que a diversidade de ritos e de tradições não deveria
constituir um obstáculo ao respeito mútuo e à caridade fraterna. Nas diversidades
legítimas de posições diferentes devemos buscar a unidade na fé, em nosso "sim" fundamental
a Cristo e à sua única Igreja. E assim, as diversidades não serão mais obstáculos
que nos separam, mas riqueza na multiplicidade das expressões de fé comum.
Gostaria
de concluir esta reflexão referindo-me a um acontecimento que os mais idosos entre
nós certamente não se esquecem. Em 25 de janeiro de 1959, exatamente cinqüenta anos
atrás, o bem-aventurado Papa João XXIII manifestou pela primeira vez neste lugar o
seu desejo de convocar "um Concílio ecumênico para a Igreja universal" (AAS LI [1959],
pag. 68). Fez este anúncio aos Padres cardeais, na Sala Capitular do Mosteiro de São
Paulo, depois de celebrar a Missa solene na Basílica. Daquela providente decisão,
sugerida ao meu venerado Predecessor, segundo a sua firme convicção, pelo Espírito
Santo, nasceu uma fundamental ajuda ao ecumenismo, condensada no Decreto Unitatis
redintegratio. Nele se lê: "Não existe verdadeiro ecumenismo sem a conversão interior;
porque o desejo de unidade nasce e amadurece da renovação da mente (cfr. Ef 4,23),
da abnegação de si mesmo e da livre efusão da caridade" (n. 7). O comportamento de
conversão interior em Cristo, de renovação espiritual, de aumento da caridade para
com os outros cristãos deu lugar a uma nova situação nas relações ecumênicas. Os frutos
dos diálogos teológicos, com as suas convergências e com a mais precisa identificação
das divergências que ainda permanecem, impulsionam a prosseguir corajosamente em duas
direções: na acolhida daquilo que positivamente foi conseguido e num renovado compromisso
em direção ao futuro. Oportunamente o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade
dos Cristãos, a que agradeço pelo serviço que presta em prol da unidade de todos os
discípulos do Senhor, recentemente refletiu sobre a acolhida e sobre o futuro do diálogo
ecumênico. Tal reflexão, se por um lado quer justamente valorizar o que foi adquirido,
por outro pretende encontrar novos caminhos para a continuação das relações entre
as Igrejas e as Comunidades eclesiais no contexto atual. Permanece aberto diante de
nós o horizonte da plena unidade. Trata-se de uma tarefa árdua, mas entusiasta para
os cristãos que querem viver em sintonia com a oração do Senhor: "a fim de todos sejam
um, para que o mundo creia" (Jo 17,21). O Concílio Vaticano II nos salientou que o
"santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade da Igreja de Cristo,
una e única, supera as forças e as capacidades humanas" (UR, 24). Confiando na oração
do Senhor Jesus Cristo e encorajados pelos significativos passos realizados pelo movimento
ecumênico, invocamos com fé o Espírito Santo, a fim de que continue iluminando e guiando
o nosso caminho. Nos impulsione e nos acompanhe do céu o Apóstolo Paulo, que tanto
trabalhou e sofreu pela unidade do corpo místico de Cristo; nos acompanhe e nos ajude
a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da unidade da Igreja.