2009-01-08 16:44:09

TEXTO INTEGRAL DO DISCURSO DO PAPA AO CORPO DIPLOMÁTICO


Cidade do Vaticano, 08 jan (RV) - Nesta quinta-feira, Bento XVI realizou um dos encontros mais aguardados do ano: a audiência ao corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, que teve lugar na Sala Regia, no Vaticano.

Leia a íntegra do discurso do Santo Padre ao Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé:

Excelências,
Senhoras e Senhores,

O mistério da Encarnação do Verbo, que nós revivemos todos os anos na Festa do Natal, nos convida a meditar sobre os acontecimentos que marcam o decurso da história. E é precisamente na luz deste mistério repleto de esperança que se realiza este encontro tradicional com vocês, ilustres membros do Corpo diplomático acreditado junto à Santa Sé, que no início deste novo ano nos oferece uma ocasião oportuna para a troca de cordiais felicitações. Dirijo-me primeiramente a Sua Excelência o Embaixador Alejandro Valladares Lanza, expressando-lhe a minha gratidão pelos votos que gentilmente me apresentou, pela primeira vez, como Decano do Corpo diplomático. A minha deferente saudação se estende a cada um dos senhores, assim como às suas famílias e a seus colaboradores e, por meio de vocês, aos povos e aos governos dos países que representam. Para todos, peço a Deus o dom de um ano que seja fecundo de justiça, de serenidade e de paz.

No alvorecer deste 2009, o meu pensamento afetuoso vai, primeiramente, às pessoas que sofreram por causa de graves catástrofes naturais, em especial no Vietnã, em Mianmar, na China e nas Filipinas, na América Central e no Caribe, na Colômbia e no Brasil, ou por causa de sangrentos conflitos nacionais ou regionais, ou devido a atentados terroristas que semearam a morte e a destruição em países como o Afeganistão, a Índia, o Paquistão e a Argélia. Apesar de muitos esforços, a paz tão almejada ainda está distante! Diante disso, não devemos nos desencorajar ou diminuir o empenho a favor de uma cultura de paz, mas redobrar os nossos esforços para promover a segurança e o desenvolvimento. Neste sentido, a Santa Sé quis estar entre os primeiros a assinar e ratificar a "Convenção sobre munições de fragmentação", um documento finalizado a reforçar o direito humanitário internacional. Por outro lado, observando com preocupação os sintomas de uma crise que emergem no setor de desarmamento e da não proliferação nuclear, a Santa Sé continua recordando que não somos capazes de construir a paz, quando a despesa militar subtrai enormes recursos humanos e materiais para os projetos de desenvolvimento, especialmente dos povos mais pobres.

E é aos pobres, aos demasiados inúmeros pobres do nosso planeta, que gostaria de dirigir a minha atenção hoje, no rastro da Mensagem para o Dia Mundial da Paz, que este ano dediquei ao tema "combater a pobreza, construir a paz". As palavras com as quais o Papa Paulo VI iniciou a sua reflexão na Encíclica Populorum Progressio não perderam absolutamente a sua atualidade: “Ser libertos da miséria, encontrar com mais segurança a subsistência, a saúde, um emprego estável; ter maior participação nas responsabilidades, excluindo qualquer opressão e situação que ofendam a sua dignidade de homens; ter maior instrução; numa palavra, realizar, conhecer e possuir mais, para ser mais: tal é a aspiração dos homens de hoje, quando um grande número dentre eles está condenado a viver em condições que tornam ilusório este legítimo desejo” (n.6). Para construir a paz, é preciso restituir esperança aos pobres. Como não pensar nas muitas pessoas e famílias atingidas pelas dificuldades e pelas incertezas que a atual crise financeira e econômica causou em nível mundial? Como não evocar a crise alimentar e o aquecimento climático, que tornam ainda mais árduo o acesso ao alimento e à água para os habitantes das regiões mais pobres do planeta? É hora, ou melhor, é urgente adotar uma estratégia eficaz para combater a fome e facilitar o desenvolvimento agrícola local, sobretudo porque a porcentagem de pessoas pobres nos países ricos aumenta. Neste contexto, fico satisfeito que por ocasião da recente Conferência de Doha sobre o desenvolvimento tenham sido identificados os critérios úteis para orientar a gestão do sistema econômico e ajudar os mais fracos. Mais especificamente, para tornar a economia saudável, é necessário construir uma nova confiança. Isso pode ser realizado somente através da aplicação de uma ética baseada na dignidade inata da pessoa humana. Sei quanto isso seja difícil, mas não é uma utopia! Hoje, mais do que no passado, o nosso futuro está em jogo, assim como o próprio destino do nosso planeta e dos seus habitantes, em primeiro lugar o futuro das jovens gerações, que herdam um sistema econômico e um tecido social fortemente comprometidos.

Sim, Senhoras e Senhores, se quisermos lutar contra a pobreza, devemos investir principalmente nos jovens, educando-os a um ideal de verdadeira fraternidade. Durante a minha viagem apostólica do ano passado, tive a oportunidade de encontrar muitos jovens, sobretudo no contexto da extraordinária celebração do XXIII Dia Mundial da Juventude em Sidney, na Austrália. As minhas viagens apostólicas, iniciadas com uma visita aos Estados Unidos, também contribuíram para avaliar as expectativas de muitos setores da sociedade em relação à Igreja Católica. Nesta delicada fase da história humana, marcada por incertezas e dúvidas, muitos esperam que a Igreja desempenhe com coragem e clareza a sua missão de evangelização e a sua obra de promoção humana. Meu pronunciamento na sede das Nações Unidas se inseriu neste contexto: sessenta anos após a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, quis destacar que este documento se fundamenta na dignidade do ser humano, que por sua vez, se baseia na natureza comum a todos, que transcende das diversas culturas. Depois de alguns meses, realizei uma peregrinação a Lourdes, para o sesquicentenário das aparições da Virgem Maria a santa Bernadete, e quis destacar que a mensagem de conversão e de amor que se irradia da gruta de Massabielle permanece muito atual, e é um constante convite a construir a nossa existência e as relações entre os povos com base no respeito e na autêntica fraternidade, na consciência de que esta fraternidade supõe um Pai comum de todos os homens, o Deus criador. Além disso, a salutar laicidade da sociedade não ignora a dimensão espiritual e seus valores, porque a religião – e me pereceu útil repeti-lo durante minha visita pastoral à França – não é um obstáculo, mas sim um alicerce sólido para a construção de uma sociedade mais justa e livre.

As discriminações e os graves ataques de que milhares de cristãos foram vítimas, no ano passado, demonstram que não somente a pobreza material, mas também a pobreza moral lesa a paz. Com efeito, é na pobreza moral que estes abusos encontram raízes. Reafirmando a grande contribuição que as religiões podem oferecer na luta contra a pobreza e na construção da paz, gostaria de reiterar a esta assembléia que, idealmente, representa todas as nações do mundo, que o cristianismo é uma religião de liberdade e de paz e está a serviço do verdadeiro bem da humanidade. A nossos irmãos e às nossas irmãs vítimas da violência, especialmente no Iraque e na Índia, renovo a garantia de meu carinho paterno. Peço insistentemente às autoridades civis e políticas que ajam com firmeza para colocar fim à intolerância e às perseguições contra cristãos; que façam com que os danos provocados, especialmente aos locais de culto e propriedades, sejam reparados, e que encorajem com todos os meios o justo respeito por todas as religiões, abolindo toda forma de ódio e desprezo. Auspicio também que, no mundo ocidental, não sejam cultivados preconceitos ou hostilidades contra os cristãos, simplesmente porque, em certas questões, sua voz é divergente. Os discípulos de Cristo, diante de provas semelhantes, não se devem desanimar: o testemunho do Evangelho é sempre um “sinal de contradição” com o “espírito do mundo”! Enquanto as tribulações são penosas, a constante presença de Cristo é um forte conforto. O seu Evangelho é uma mensagem de salvação para todos, e por isso, não pode ser confinado à esfera pessoal, mas deve ser proclamado a partir dos tetos, até as extremidades da terra.

O nascimento de Cristo na pobre gruta de Belém nos conduz naturalmente à situação no Oriente Médio, e primeiramente, na Terra Santa, onde, nestes dias, assistimos ao agravamento da violência que provoca danos e imensos sofrimentos às populações civis. Tal situação complica ainda mais a busca da saída para o conflito entre Israelenses e Palestinos, uma solução que muitos, no mundo inteiro, desejam vivamente. Uma vez mais, gostaria de reafirmar que a opção militar não é uma solução e que a violência, de qualquer parte provenha, e qualquer forma assuma, deve ser condenada firmemente. Auspicio que, com o compromisso determinante da comunidade internacional, volte a vigorar a trégua na faixa de Gaza – condição indispensável para propiciar condições de vida aceitáveis para a população – e que sejam reiniciadas as negociações de paz, com a renúncia ao ódio, às provocações e ao uso das armas. É muito importante que, por ocasião das eleições cruciais que interessam muitos habitantes da região nos próximos meses, emerjam políticos capazes de impulsionar com determinação este processo e de guiar seus povos rumo à difícil, mas indispensável, reconciliação. Não se poderá obtê-la sem adotar uma visão global dos problemas daqueles países, no respeito das aspirações e interesses de todas as populações envolvidas. Além dos renovados esforços para a solução do conflito israelense-palestino, que acabei de mencionar, é preciso apoiar com convicção o diálogo entre Israel e Síria e a consolidação das instituições no Líbano – o que será muito mais eficaz se realizado com espírito de unidade. Aos iraquianos, que se preparam a reassumir plenamente as rédeas do próprio destino, dirijo um encorajamento especial a voltarem página e olharem ao futuro, para construí-lo sem discriminações de raça, etnia ou religião. Em relação ao Irã, não se deve renunciar à busca de uma solução negociada à controvérsia sobre o programa nuclear, através de um mecanismo que permita satisfazer as legítimas exigências do país e da comunidade internacional. Um resultado semelhante pode favorecer consideravelmente a distensão regional e mundial.

Referindo-me ao grande continente asiático, constato com preocupação que em certos países as violências perduram, e em outros, a situação política permanece tensa, mas há progressos, que permitem olhar ao futuro com mais confiança. Por exemplo, penso nas novas negociações de paz em Mindanao, nas Filipinas, e no novo andamento das relações entre Pequim e Taipei. Ainda contexto de busca da paz, a solução definitiva para o conflito em Sri Lanka pode ser somente de cunho político, e as necessidades humanitárias da população atingida devem permanecer continuamente no centro das atenções. As comunidades cristãs que vivem na Ásia são quase sempre poucas do ponto de vista numérico, mas desejam oferecer uma contribuição convicta e eficaz ao bem comum, à estabilidade e ao progresso de seus países, testemunhando a primazia de Deus, que estabelece uma salutar hierarquia de valores e oferece uma liberdade mais forte dos que as injustiças. A recente beatificação de 128 mártires no Japão foi uma prova eloqüente disso. Como foi dito diversas vezes, a Igreja não pede privilégios, mas a aplicação do princípio da liberdade religiosa em toda a sua extensão. Neste sentido, é importante que na Ásia central, as legislações sobre comunidades religiosas garantam o pleno exercício deste direito fundamental, respeitando as normas internacionais.

Daqui a poucos meses, terei a alegria de me encontrar com muitos irmãos e irmãs de fé e humanidade que vivem na África. Na expectativa desta visita, que tanto desejei, peço ao Senhor que seus corações se abram para acolher o Evangelho e vivê-lo com coerência, construindo a paz e lutando contra a pobreza moral e material. Deve-se reservar uma atenção especial à infância: vinte anos depois da adoção da Convenção sobre os direitos das crianças, elas ainda são vulneráveis. Muitas crianças vivem o drama de refugiados e deslocados na Somália, em Darfur e na República Democrática do Congo. Fluxos migratórios de milhões de pessoas precisam de ajudas humanitárias; têm seus direitos elementares privados e sua dignidade ferida. Peço aos que têm responsabilidades políticas, em nível nacional e internacional, que tomem todas as medidas necessárias para resolver os conflitos em ato, e colocar fim nas injustiças que os provocaram. Espero que na Somália, a restauração do Estado possa progredir, a fim de que cessem os intermináveis sofrimentos de seus habitantes. A situação em Zimbábue também permanece crítica, e são necessárias significativas ajudas humanitárias. Os Acordos de paz em Burundi geraram esperança na região. Faço votos de que sejam plenamente aplicados e se tornem fonte de inspiração para os outros países que ainda não encontraram o caminho da reconciliação. Como sabem, a Santa Sé acompanha com atenção especial o continente africano e se alegra por ter estabelecido, no ano passado, relações diplomáticas com Botsuana.

Neste amplo panorama, que representa todo o mundo, desejo também deter-me um momento sobre a América Latina, cujos povos também anseiam viver em paz, libertos da pobreza, exercendo livremente seus direitos fundamentais. Neste contexto, é oportuno fazer votos de que as necessidades daqueles que emigram sejam contempladas por legislações que facilitem a reintegração familiar e conciliem as legítimas exigências da segurança e do respeito inviolável pela pessoa. Gostaria também de louvar o compromisso prioritário de certos governos em restabelecer a legalidade e conduzir uma luta sem compromissos contra o tráfico de estupefacientes e a corrupção. Felicito-me, pois trinta anos após o início da mediação pontifícia na controvérsia entre Argentina e Chile sobre a região austral, os dois países reafirmaram, de certa forma, seu desejo de paz, elevando um monumento a meu venerado predecessor, Papa João Paulo II. Espero também que a recente assinatura do Acordo entre a Santa Sé e Brasil facilite o livre exercício da missão evangelizadora da Igreja e reforce ainda mais a sua colaboração com as instituições civis para o desenvolvimento integral da pessoa. Há cinco séculos, a Igreja acompanha os povos da América Latina, compartilhando suas esperanças e preocupações. Seus pastores sabem que para favorecer o autêntico progresso da sociedade, seu dever específico é iluminar as consciências e formar leigos capazes de intervir com coragem nas realidades temporais, colocando-se a serviço do bem comum.

Enfim, dirigindo minha atenção às nações mais próximas, desejo saudar a comunidade cristã da Turquia, recordando que neste ano jubilar especial, por ocasião do segundo milênio de nascimento do Apóstolo São Paulo, muitos peregrinos convergem a Tarso, sua cidade de origem, o que ressalta mais uma vez a estreita relação desta terra com as origens do cristianismo. As aspirações de paz também estão vivas em Chipre, onde foram retomadas as negociações em vista de soluções justas aos problemas ligados à divisão da Ilha. Em relação ao Cáucaso, gostaria de recordar ainda mais uma vez que os conflitos que abalam os Estados da Região não podem ser resolvidos com as armas; e referindo-me à Geórgia, espero que sejam honrados todos os compromissos assumidos no Acordo de cessar-fogo do mês de agosto passado, obtido graças aos esforços diplomáticos da União Européia; e que o retorno dos deslocados às suas casas seja em breve possibilitado. Enfim, em relação ao Sudeste da Europa, a Santa Sé continua a empenhar-se para a estabilidade na região, e espera que continuem sendo criadas condições para um futuro de reconciliação e paz entre as populações da Sérvia e de Kossovo, no respeito das minorias e sem subestimar a defesa do precioso patrimônio artístico e cultural cristão, que constitui uma riqueza para toda a humanidade.

Senhoras e Senhores Embaixadores, na conclusão deste quadro panorâmico, que por razões de tempo não pode evocar todas as situações de sofrimento e pobreza presentes em meu espírito, retorno à Mensagem de celebração do Dia Mundial da Paz deste ano. Neste documento, recordei que os seres humanos mais pobres são as crianças não-nascidas (n.3). Devo recordar, concluindo, os outros pobres, como os doentes e as pessoas abandonadas, as famílias divididas e sem chance de remédio. A pobreza pode ser combatida se a humanidade for mais fraterna, se tiver valores e ideais comuns, fundados na dignidade da pessoa, na liberdade unida à responsabilidade, no reconhecimento efetivo do lugar de Deus na vida do homem. Nesta perspectiva, dirijamos o nosso olhar a Jesus, o humilde menino deposto na manjedoura. Ele é o Filho de Deus, e nos indica que a solidariedade fraterna entre todos os homens é o principal caminho para combater a pobreza e construir a paz. Que a Luz de Seu amor ilumine todos os governantes e toda a humanidade! Que ela nos guie durante todo este ano novo, que está começando! Bom ano a todos.
(Tradução livre da Redação do programa Brasileiro - Rádio Vaticano)
 







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