Na Missa da Epifania, Papa exorta os fiéis a perseverarem firmes na esperança e na
missão de anunciar Cristo Luz dos Povos, a exemplo de Paulo
Comentando o episódio dos Magos referido no Evangelho de São Mateus, neste ano 2009
dedicado de modo especial à astronomia, o Papa deteve-se inicialmente sobre o símbolo
da estrela. Os “Padres da Igreja”, autores cristãos dos primeiros séculos – observou
– viram neste singular episódio evangélico “uma espécie de revolução cosmológica,
causada pela entrada no mundo do Filho de Deus”: “ao passo que a teologia pagã divnizava
os elementos e as forças do cosmos, a fé cristã, levando a cumprimento a revelação
bíblica, contempla um único Deus, Criador e Senhor de todo o universo. É o amor divino,
incarnado em Cristo, a lei fundamental e universal de toda a criação”.Como escreve
Dante, na conclusão da sua “Divina Comédia”, é Deus “o amor que move o sol e as outras
estrelas”. “Isto significa que as estrelas, os planeta, o universo no seu conjunto,
não são governados por uma força cega, não obedecem às meras dinâmicas da matéria.
Não há, portanto, que divinizar os elementos cósmicos. Pelo contrário, em tudo e acima
de tudo existe uma vontade pessoal, o Espírito de Deus, que em Cristo se revelou como
Amor”. Como escrevia São Paulo aos Colossenses, os homens não são escravos dos “elementos
do cosmos”, mas são livres, isto é, capazes de se relacionarem com a liberdade criadora
de Deus. “É Deus a origem de tudo. Ele tudo governa não como um anónimo e frio motor,
mas sim como Pai, Esposo, Amigos, Irmão. Como Logos, Palavra-Razão que
se uniu à nossa carne mortal para sempre, partilhando plenamente a nossa condição
e manifestando a superabundante potência da sua graça. Existe portanto no cristianismo
uma peculiar concepção cosmológica, que encontrou na filosofia e na teologia medievais
elevadíssimas expressões”.Também no nosso tempo – sublinhou o Papa – se manifesta
um novo florescimento dessas reflexões, “graças à paixão e à fé de muitos cientistas
que – na esteira de Galileu – não renunciam nem à razão nem fé, mas as valorizam
até ao fim, na sua recíproca fecundidade”. “O pensamento cristão - prosseguiu ainda
Bento XVI - compara o cósmos a um livro... considerando-o como a obra de um
Autor que se exprime mediante a sinfonia da criação. No interior desta sinfonia
encontra-se, a um certo ponto, aquilo que em linguagem musical se diria um solo,
um tema confiado a um só instrumento ou a uma única voz. E é tão importante que daí
depende o significado de toda a obra”. “Este solo, este solista é Jesus,
ao qual corresponde precisamente um sinal régio: o aparecer de uma nova estrela no
firmamento. Os escritores cristãos antigos comparavam Jesus a um novo sol. Segundo
os actuais conhecimentos astrofísicos, deveríamos compará-lo a uma estrela ainda mais
central, não só para o sistema solar, mas para todo o universo conhecido”. Jesus,
“o Filho do Homem” – concluiu o Papa – “resume em si a terra e o céu, a criação e
o Criador, a carne e o Espírito. É Ele o centro do cósmos e da história, porque n’Ele
se unem (sem se confundirem) o Autor e a sua obra”. Mas “se no Jesus terreno se encontra
o cume da criação e da história” – observou seguindamente Bento XVI – “em Cristo ressuscitado
vai-se ainda mais além: a passagem, através da morte, à vida eterna anticipa o ponto
da recapitulação de tudo em Cristo”. É esta convicção, esta consciência, que
mantém a Igreja, Corpo de Cristo, no seu caminhar ao longo da história: “Não há sombra
alguma, por muito tenebrosa que seja, que possa obscurecer a luz de Cristo. É por
isso que nos crêem em Cristo nunca se extingue a esperança, nem mesmo hoje em dia,
perante a grande crise social e económica que aflige a humanidade, perante o ódio
e a violência destruidora que continuam a ensanguentar muitas regiões da terra, perante
o egoísmo e a pretensão do homem de arvorar-se em deus de si mesmo, que conduz por
vezes a perigosas alterações fundamentais do projecto divino sobre a vida e a dignidade
do ser humano, sobre a família e a harmonia da criação”. Para o Papa, “mantêm o seu
valor e o seu sentido” os esforços “para libertar a vida humana e o mundo daqueles
envenenamentos e inquinamentos que poderiam destruir o presente e o futuro”. “Mesmo
se aparentemente não somos bem sucedidos ou parecemos impotentes perante a preponderância
das forças hostis”, “é a grande esperança que se apoia sobre as promessas de Deus
que nos dá coragem e orienta o nosso agir”. Orientando-se já para a conclusão
da homilia, nesta Missa da Epifania, Bento XVI observou que,m se “a Epifania é a manifestação
do Senhor”, é-o também, de modo indirecto, “manifestação da Igreja, pois o Corpo é
inseparável da Cabeça”. A realidade da Igreja é um "mistério de luz reflectida”. “A
Igreja sabe que a própria humanidade, com seus limites e misérias, põe ainda mais
em relevo a obra do Espírito Santo. Ela não se pode vangloriar de nada senão do seu
Senhor. Não é dela que provém a luz, não é sua a glória. Mas é precisamente esta a
sua alegria, que ninguém lhe poderá arrebatar: ser sinal e instrumento d’Aquele
que é lumen gentium, luz dos povos”.