(23/12/2008) As práticas culturais ditam a sociedade em que vivemos, sendo estas
alvos de mudanças. Nesta época natalícia, facilmente se lêem sinais que apenas se
associam a esta altura do ano. Por detrás das práticas desta época, estão costumes
mais antigos e que de alguma forma foram associados e apropriados culturalmente. As
prendas e ofertas no Natal são disso exemplo. “As práticas da dádiva são estruturantes
na cultura”, assim afirma à Agência ECCLESIA Alfredo Teixeira, professor de Antropologia
e Sociologia da Religião na Universidade Católica Portuguesa. Todas as sociedades
vivem essencialmente de trocas, sendo que o seu desenvolvimento das estruturas económicas
foi regulando este acto, até dado ponto em que esta troca é substituída por intermediários,
como é o caso do dinheiro. Nas culturas há vestígios de festas onde se praticava
esta actividade de dádiva e de troca, sendo que “o significado que é atribuído a este
acto, diz respeito aos significados que se atribuiu ao dom”, afirma Alfredo Teixeira.
A dádiva neste contexto reveste-se de gratuidade, sendo que as pessoas oferecem a
quem lhes oferece, dentro do seu quadro de relações pessoais. “O facto de as pessoas
esconderem o valor dessa troca, abre espaço para a promoção de outro tipo de valores
num contexto festivo, para além da dimensão económica”, sublinha o professor. Os
principais destinatários principais dessas trocas, nesta altura natalícia são as crianças.
Este facto “aponta para a valorização que a sociedade dá à dimensão da vida”, afirma
uma vez que são as crianças precisamente que estão fora da dimensão mercantil e económica,
sublinhando assim a gratuidade. “Será uma forma também de apelar ao futuro e à esperança”.
A forma como se vivem as trocas “é marcada pela experiência histórica que as sociedades
fizeram do cristianismo, características incorporadas nestas práticas natalícias”,
afirma Alfredo Teixeira. Mas esta prática excede em muito a experiência cristã das
sociedades, sendo antes uma prática das sociedades e das relações em si, sendo por
isso impossível de as datar. “Porque estamos a datar o quê? A festa cristã, as práticas
que antes do cristianismo se entendiam no contexto das sociedades?” reflecte o Professor
da UCP. “O sentido que podem ter neste contexto social que vivemos e a sua leitura
sob o ponto de vista cristão não estão reduzidos”. Assim o Natal assume a dimensão
de dádiva e troca enquanto relação interpessoal. Mas há outra dimensão que é importante
sublinhar: “a relevância do domínio doméstico no contexto festivo”, explica Alfredo
Teixeira, pois segundo o professor em nenhuma outra festa “as relações interfamiliares
estão tão desenvolvidas”. A festa de Natal é vivida no espaço doméstico, ao contrário
da Páscoa que é vivida na rua ou dos santos populares. “Aqui se celebram os valores
básicos da sociedade, pois no espaço familiar se encontra a experiência da socialização
que organiza a vida de cada pessoa”: tais como a confiança na família, a celebração
da transmissão da vida num contexto familiar, as relações intergeracionais que assumem
hoje uma relevância particular dado o aumento da esperança média de vida. “A família
torna-se neste contexto um espaço de comunicação entre gerações de uma forma diversificada.
Talvez não se tome consciência do que se está a celebrar neste contexto, quando se
promovem estas reuniões. Estão patentes as relações que estabelecem”, esclarece o
professor. Os símbolos são outra característica cultural mas com uma história
mais recente. O Natal foi sendo vivido com diferentes símbolos. “Actualmente existe
o fenómeno de comunicação que conduz a uma homogeneização simbólica do Natal”, explica
Alfredo Teixeira com exemplos: a árvore de Natal há 20 ou 30 anos era um símbolo raro
começando a existir em espaços urbanos. Alfredo Teixeira aponta para uma homogeneização
do Natal “devido às imagens divulgadas pela comunicação social”, aponta e acrescenta
que também na dimensão das dádivas isto se reflecte a mudança. “Nas culturas rurais
ofereciam-se determinadas iguarias e doçarias, objectos alimentares de fabrico tradicional
e artesanal”, isto porque os símbolos do Natal estão ligados à própria experiência
pessoal das pessoas o que leva a que alguns símbolos tenham desaparecido com as práticas
culturais e sociais que não sobreviveram, “sendo que os actuais símbolos também a
seu tempo, irão desaparecer”. O presépio passou por diferentes significados. Um
aspectos a reter é a sua miniaturização da vida pela sua representação. “A vida entra
dentro de casa, concentrada num espaço doméstico” reflecte o professor da UCP. Grande
parte dos presépios históricos que se conhecem são tradução da a vida social quotidiana
das épocas em que foram feitos. “Há um mimetismo entre a representação do presépio
e o que é a experiência das pessoas” afirma Alfredo Teixeira. Este aspecto foi-se
diluindo com o passar do tempo, visível também no facto de os presépios não ter a
importância que tinham há alguns anos atrás. “Muitos dos nossos contemporâneos, as
crianças por exemplo, têm já alguma dificuldade em reconhecer a narrativa cristã do
Natal”, dá conta o professor que reflecte que na medida em que as Igrejas nas sociedades
deixam de ter a influência que tinham, e de ter a capacidade de organizar simbolicamente
o natal, “os significados cristãos do Natal vão tornar-se cada vez mais difíceis de
ler”. Quer isto dizer que outros significados “vão invadindo esse terreno, sendo que
a dádiva e a valorização do espaço doméstico e das relações familiares são aspectos
estruturantes” desta celebração, embora alvo de mudança na forma como a vida vai sendo
entendida. (Em Ecclesia)