OS DIREITOS HUMANOS NO DISCURSO DO PRESIDENTE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO
Trechos do discurso proferido pelo presidente da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), Juan Somavia, no congresso realizado na Sala Paulo VI, no Vaticano, para comemorar
os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no dia 10 de dezembro.
1-
A essência dos direitos humanos reside na dignidade de cada ser humano Existem
laços fortes entre a Declaração dos Direitos Humanos, a Doutrina Social da Igreja
e também a Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fundados na
promoção e na proteção da dignidade humana. Todos dizem respeito ao modo de transformar
os valores em políticas, e as políticas em ação, para organizar a sociedade de modo
que respeite a dignidade dos povos. Como podemos ler no Compêndio da Doutrina Social,
“a essência dos direitos humanos reside na dignidade de todo ser humano” (153). Pessoalmente,
e como responsável pela organização que dirijo, gostaria de destacar o papel do trabalho
digno nesta busca de dignidade: é o fundamento da Constituição da OIT quando diz que
o trabalho não é uma comodidade.
2- Crise financeira e crise de valores
A
crise econômica, que foi precedida pelo aumento dos preços dos produtos alimentícios,
se tornou uma crise da economia real, mas, sobretudo, é uma crise dos empregos. Este
é o ponto principal das preocupações dos povos. Certamente, as tensões sociais se
aprofundam. Alguns se perguntam: “Por que se encontram prontamente os bilhões para
salvar os mercados financeiros, mas não os bilhões para lutar contra os problemas
da pobreza, do desemprego, da falta de acesso à proteção social?” Que aconteceu ao
sentido mínino de justiça social? À justiça fundamental nas regras?
3- A
importância de um trabalho digno
Um trabalho digno significa a possibilidade,
para as mulheres e para os homens, de manter suas famílias e mandar seus filhos para
a escola. Um trabalho em que as pessoas possam ser respeitadas, que garantirá uma
pensão no final da carreira. Uma política que produza um trabalho de qualidade em
toda a sociedade. Nós o chamamos de “trabalho digno”, porque sabemos que o trabalho
é muito mais que um mercado de trabalho. O trabalho é de dignidade pessoal. O trabalho
é fundamental para a estabilidade familiar. Sua Santidade Papa Bento XVI disse: o
trabalho é muito importante para o desenvolvimento pessoal e para o "desenvolvimento
da sociedade; por isso, é sempre necessário organizá-lo e desenvolvê-lo no respeito
total da dignidade humana e a serviço do bem comum”. O trabalho está relacionado com
a paz. Uma comunidade que trabalha bem é uma comunidade em paz. O trabalho digno
reconhece que não pode haver sociedade estável fundada na desigualdade social, como
não pode existir um desenvolvimento social fundado sobre economias instáveis.
Para
realizar o trabalho digno, devem-se realizar quatro objetivos ligados reciprocamente
entre si:
Criação de políticas e de um ambiente que permita
o investimento e o desenvolvimento da empresa, porque não pode haver trabalho
digno sem trabalho; Respeitar os direitos ao trabalho e a dignidade no trabalho; Proteção
social, segundo as possibilidades de cada economia; Igualdade entre os sexos e
ausência de discriminações; Tudo isso facilitado pelo diálogo entre governos, empresários
e trabalhadores; E com a solidariedade e a cooperação internacional que apóiam
os esforços.
4- Os riscos da globalização
Devemos recordar
que, antes da crise atual, já havia uma crise em andamento, um mal-estar crescente
com o evolver-se da globalização, a desigualdade gritante e os desequilíbrios que
dela derivam. Demasiados são as mulheres e os homens que, trabalhando nas economias
formais e informais, não têm a oportunidade de um trabalho digno e um salário consistente.
Os grupos sociais vulneráveis, que incluem os trabalhadores migrantes e as camadas
mais baixas das populações locais, continuam sofrendo a discriminação e a exclusão.
Isso é particularmente evidente na África. Assim, torna-se importante a opção preferencial
da Igreja pelos pobres. Muitos vêem no momento atual da globalização um processo rumo
a um vazio ético. Devemos recordar que os mercados deveriam atuar em um contexto guiado
pelos valores fundamentais centralizados nos seres humanos, nos direitos humanos,
nas pessoas e nas famílias e no bem comum.
5- Possíveis soluções
Não
se deve voltar à abertura dos mercados e ao estrangulamento dos potenciais lucros
derivados do comércio e dos investimentos internacionais crescentes, mas se devem
encontrar soluções equilibradas, com uma atenção especial às pessoas, às famílias
e às comunidades. A mensagem positiva é que isso é possível. Podemos ter econômicas
e sociedades abertas que alimentam o respeito pelos direitos econômicos, sociais e
culturais.
Por isso, é imperativo alcançar alguns equilíbrios.
Primeiro,
um equilíbrio global entre a política pública e a função reguladora do Estado
a criação da riqueza e as capacidades inovadoras dos mercados; a voz
democrática da sociedade; e as necessidades dos indivíduos, das famílias e das
comunidades.
De fato, superestimamos os mercados, subestimamos o Estado
e desvalorizamos a dignidade do trabalho.
Segundo, um equilíbrio entre a dimensão
econômica, social e ambiental da vida, ou seja, uma política de desenvolvimento sustentável.
Terceiro,
um equilíbrio entre a economia financeira e a economia real. O sistema financeiro
deve voltar a seu princípio basilar, ou seja, contribuir ao investimento produtivo,
facilitando o comércio e apoiando as necessidades racionais de consumo.
E quarto,
um equilíbrio entre capital e trabalho. A parte do trabalho em relação ao capital
no PIB declinou progressivamente durante as últimas duas décadas.
O Papa
João Paulo II, na missa jubilar dos trabalhadores em 2000, recordou: "Todos devem
trabalhar para que o sistema econômico no qual vivemos, não inverta a ordem fundamental
da prioridade do trabalho sobre o capital, do bem comum sobre o interesse privado."
Na busca de um equilíbrio, devemos nos orientar pela Rerum Novarum, que forneceu
uma 'bússola moral' para guiar o comportamento com "empenho de justiça".
6-
Necessidade de uma democracia mais participativa
Temos um sistema multilateral
insatisfatório. Não produz o tipo de coerência política necessária hoje.
Há
uma necessidade profunda, nas diversas instituições, de um novo tipo de governo global,
que passe de uma comunidade internacional de governo (que criou centros de decisão
paralelos e, às vezes, de decisões contrastantes) para uma comunidade global de múltiplos
atores, que inclua os governos, mas não só.
De diferentes maneiras, tudo isso
refletirá na transação já presente em muitos países, de democracias somente representativas
a democracias participativas – um processo muito mais rico. (…) Hoje, como resposta
à crise, encorajo os governos a uma coerência política maior, congregando as organizações
internacionais que tratam de finança, comércio, desenvolvimento e trabalho, para fortalecerem
juntos políticas e programas de criação de empregos, proteção social, planos de segurança
especiais e políticas afins. (Tradução de Bianca Fraccalvieri)