2008-12-17 15:37:46

OS DIREITOS HUMANOS NO DISCURSO DO PRESIDENTE DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO


Trechos do discurso proferido pelo presidente da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavia, no congresso realizado na Sala Paulo VI, no Vaticano, para comemorar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no dia 10 de dezembro.

1- A essência dos direitos humanos reside na dignidade de cada ser humano 
Existem laços fortes entre a Declaração dos Direitos Humanos, a Doutrina Social da Igreja e também a Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), fundados na promoção e na proteção da dignidade humana. Todos dizem respeito ao modo de transformar os valores em políticas, e as políticas em ação, para organizar a sociedade de modo que respeite a dignidade dos povos. Como podemos ler no Compêndio da Doutrina Social, “a essência dos direitos humanos reside na dignidade de todo ser humano” (153). Pessoalmente, e como responsável pela organização que dirijo, gostaria de destacar o papel do trabalho digno nesta busca de dignidade: é o fundamento da Constituição da OIT quando diz que o trabalho não é uma comodidade.

2- Crise financeira e crise de valores

A crise econômica, que foi precedida pelo aumento dos preços dos produtos alimentícios, se tornou uma crise da economia real, mas, sobretudo, é uma crise dos empregos. Este é o ponto principal das preocupações dos povos. Certamente, as tensões sociais se aprofundam. Alguns se perguntam: “Por que se encontram prontamente os bilhões para salvar os mercados financeiros, mas não os bilhões para lutar contra os problemas da pobreza, do desemprego, da falta de acesso à proteção social?” Que aconteceu ao sentido mínino de justiça social? À justiça fundamental nas regras?

3- A importância de um trabalho digno

Um trabalho digno significa a possibilidade, para as mulheres e para os homens, de manter suas famílias e mandar seus filhos para a escola. Um trabalho em que as pessoas possam ser respeitadas, que garantirá uma pensão no final da carreira. Uma política que produza um trabalho de qualidade em toda a sociedade. Nós o chamamos de “trabalho digno”, porque sabemos que o trabalho é muito mais que um mercado de trabalho. O trabalho é de dignidade pessoal. O trabalho é fundamental para a estabilidade familiar. Sua Santidade Papa Bento XVI disse: o trabalho é muito importante para o desenvolvimento pessoal e para o "desenvolvimento da sociedade; por isso, é sempre necessário organizá-lo e desenvolvê-lo no respeito total da dignidade humana e a serviço do bem comum”. O trabalho está relacionado com a paz. Uma comunidade que trabalha bem é uma comunidade em paz.
O trabalho digno reconhece que não pode haver sociedade estável fundada na desigualdade social, como não pode existir um desenvolvimento social fundado sobre economias instáveis.

Para realizar o trabalho digno, devem-se realizar quatro objetivos ligados reciprocamente entre si:


 4- Os riscos da globalização

Devemos recordar que, antes da crise atual, já havia uma crise em andamento, um mal-estar crescente com o evolver-se da globalização, a desigualdade gritante e os desequilíbrios que dela derivam. Demasiados são as mulheres e os homens que, trabalhando nas economias formais e informais, não têm a oportunidade de um trabalho digno e um salário consistente. Os grupos sociais vulneráveis, que incluem os trabalhadores migrantes e as camadas mais baixas das populações locais, continuam sofrendo a discriminação e a exclusão. Isso é particularmente evidente na África. Assim, torna-se importante a opção preferencial da Igreja pelos pobres. Muitos vêem no momento atual da globalização um processo rumo a um vazio ético. Devemos recordar que os mercados deveriam atuar em um contexto guiado pelos valores fundamentais centralizados nos seres humanos, nos direitos humanos, nas pessoas e nas famílias e no bem comum.

5- Possíveis soluções

Não se deve voltar à abertura dos mercados e ao estrangulamento dos potenciais lucros derivados do comércio e dos investimentos internacionais crescentes, mas se devem encontrar soluções equilibradas, com uma atenção especial às pessoas, às famílias e às comunidades. A mensagem positiva é que isso é possível. Podemos ter econômicas e sociedades abertas que alimentam o respeito pelos direitos econômicos, sociais e culturais.

Por isso, é imperativo alcançar alguns equilíbrios.

Primeiro, um equilíbrio global entre a política pública e a função reguladora do Estado


 De fato, superestimamos os mercados, subestimamos o Estado e desvalorizamos a dignidade do trabalho.

Segundo, um equilíbrio entre a dimensão econômica, social e ambiental da vida, ou seja, uma política de desenvolvimento sustentável.

Terceiro, um equilíbrio entre a economia financeira e a economia real. O sistema financeiro deve voltar a seu princípio basilar, ou seja, contribuir ao investimento produtivo, facilitando o comércio e apoiando as necessidades racionais de consumo.

E quarto, um equilíbrio entre capital e trabalho. A parte do trabalho em relação ao capital no PIB declinou progressivamente durante as últimas duas décadas.

O Papa João Paulo II, na missa jubilar dos trabalhadores em 2000, recordou: "Todos devem trabalhar para que o sistema econômico no qual vivemos, não inverta a ordem fundamental da prioridade do trabalho sobre o capital, do bem comum sobre o interesse privado." Na busca de um equilíbrio, devemos nos orientar pela Rerum Novarum, que forneceu uma 'bússola moral' para guiar o comportamento com "empenho de justiça".

6- Necessidade de uma democracia mais participativa

Temos um sistema multilateral insatisfatório. Não produz o tipo de coerência política necessária hoje.

Há uma necessidade profunda, nas diversas instituições, de um novo tipo de governo global, que passe de uma comunidade internacional de governo (que criou centros de decisão paralelos e, às vezes, de decisões contrastantes) para uma comunidade global de múltiplos atores, que inclua os governos, mas não só.

De diferentes maneiras, tudo isso refletirá na transação já presente em muitos países, de democracias somente representativas a democracias participativas – um processo muito mais rico. (…) Hoje, como resposta à crise, encorajo os governos a uma coerência política maior, congregando as organizações internacionais que tratam de finança, comércio, desenvolvimento e trabalho, para fortalecerem juntos políticas e programas de criação de empregos, proteção social, planos de segurança especiais e políticas afins. (Tradução de Bianca Fraccalvieri)







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