2008-12-10 10:31:29

Direitos Humanos: Declaração é um alerta


(10/12/2008) Justifica-se a alegria de celebrar os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Quando, no dia 10 de Dezembro de 1948, era aprovada pela Assembleia das Nações Unidas, a Humanidade, através dos seus representantes, proclamava que só pelo reconhecimento da dignidade fundamental de cada pessoa se poderia atingir a realização do sonho sempre vivo no mais profundo do ser humano: a liberdade, a paz e a alegria de viver. Era o respirar de novo, depois do pesadelo de mortes e atrocidades da 2ª Guerra Mundial; era a manifestação de uma Humanidade não rendida ao desânimo da sua própria fragilidade; era um passo, não o único nem o primeiro, mas importante nessa caminhada para a civilização que vai ultrapassando a atitude meramente instintiva perante quem está ao lado. A efeméride deve ser celebrada. Obviamente não para se ficar no celebrativo, mas para dar um novo alento a essa obra de humanização jamais concluída.
E porque é inacabada e entregue às mãos de cada um, seria um contra-senso ficar-se a contemplar o passado, por mais belo e nobre que ele seja. Ela está viva no seu espírito, embora nunca perfeita na sua aplicação. Mas é o espírito que remete para o fundamento, para o núcleo vivificador da mesma. Esse núcleo cruza-se com tudo aquilo que faz parte desta cultura ocidental, marcada profunda e indelevelmente por aquilo que é o coração da própria religião cristã: um Deus que não é distante, que se apresenta como amigo, como um pai e que, nessa qualidade, convida à comunhão, a qual não se realiza sem a comunhão com o próximo. E, ainda que alguém se considere não crente, esse dado é cultural, faz parte do húmus onde a planta do seu ser encontra alimento, o que já pode não acontecer com quem vier de outras culturas. Para o crente, ultrapassa-se a dimensão cultural para se assumir a dimensão da amizade que compromete a pessoa ao ponto de descobrir Deus na pessoa do seu irmão.
A Declaração não é um sinal perfeito e definitivo a marcar em cada momento o passo que se segue; é apenas um sinal que aponta a direcção, mas constantemente exigindo o esforço do discernimento. Questões relacionadas com a acção humanitária, com a ingerência, com as necessidades básicas de gente desprotegida, têm que forçar a abertura de portas não previstas, mas exigidas pela fidelidade ao seu espírito. O pesadelo dos “actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade”, referido no Preâmbulo, continuou a visitar-nos na última década com o recrudescer do terrorismo, com as guerras no Afeganistão, no Iraque, nos territórios do ex-bloco soviético, com os conflitos étnicos na região dos Grandes Lagos, com o actual drama no Darfur e, hoje mesmo, na R.D. do Congo. Em tais cenários os direitos fundamentais e as diferentes expressões da liberdade são esquecidos ou espezinhados.
Se a Declaração é universal e, ainda mais, se hoje podemos tomar conhecimento da barbárie em tempo real, não se pode invocar o desconhecimento para justificar a não intervenção e alheamento. Há que descobrir maneiras para fazê-lo, a todos os níveis, sabendo que a barbárie acontece por interesses particulares e obscuros, nomeadamente pela cobiça de matérias primas ou bens essenciais, pela sede de controlo político e estratégico, pelo fome de lucro a todo o custo, especialmente através do negócio das armas, ainda que isso implique a morte dos inocentes. É um imperativo para as autoridades, mandatadas pelos cidadãos, que as obriga a procurar meios de estancar essa torrente de morte, controlando negócios e accionando meios diplomáticos para que aos carrascos dos seus irmãos não seja permitido pavonear-se no palco da vida pública como que se de honestos cidadãos se tratasse; eles têm que ser chamados pelos seus nomes; fazer de conta traduz conivência e cobardia.
Mas também ao nível local há que estar atento. As ofensas aos direitos podem ser discretas; mas não deixam de ser ofensa. É o que se passa no âmbito da pobreza. Por isso a Comissão Nacional Justiça e Paz apresentou uma petição à Assembleia da República para que a mesma declarasse que a pobreza constitui uma violação dos direitos humanos; a petição foi aceite e assim aprovada uma resolução; é um compromisso dos nossos representantes assumindo a realidade de que um em cada cinco portugueses vive em situação de pobreza, o que impede o desabrochar das condições mínimas de dignidade e de bem-estar. O importante é que isto não constitua mera manifestação de boa vontade. Ao cidadão cumpre estar alerta e tornar, também nestas situações, a Declaração viva e actual, pressionando os seus representantes a que ocupem o seu lugar na realização do sonho de todos e de cada um, “o ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”.
P. Valentim Gonçalves - Ecclesia








All the contents on this site are copyrighted ©.