O BRASIL É UM ESTADO LAICO. O ACORDO PREVÊ O ENSINO DA RELIGIÃO CATÓLICA NAS ESCOLAS
PÚBLICAS
Cidade do Vaticano, 29 nov (RV) - Estamos publicando, a cada dia, comentários
explicativos acerca do Acordo Brasil-Santa Sé, com o intuito de esclarecer a opinião
pública em geral e os católicos em particular, sobre o significado e a importância
desse documento.
Hoje respondemos à seguinte questão: O Brasil é um Estado
laico. O Acordo prevê o ensino da religião católica nas escolas públicas de ensino
fundamental. Como se conciliariam, a seu juízo, o caráter leigo da República e o ensino
confessional nas escolas? Alguns dizem que o ensino confessional nas escolas públicas
seria até inconstitucional... O Artigo em questão é plenamente
coerente com quanto previsto pela Constituição Federal, Art. 210, § 1º e pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, Art. 33. Todas as Constituições que se sucederam
no Brasil nas últimas seis décadas, desde a Constituição de 1937, incluem o ensino
religioso no currículo escolar do ensino fundamental. O atual Art. 210 da Constituição
Federal de 1988 determina: «O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental». É inegável
que o ensino religioso não deve ser entendido como alusivo a uma “religião genérica”,
a-confessional, indefinida, já que uma tal ‘religião’ não existe. Seria pura abstração
mental, sem correspondência na realidade da vida e da sociedade humana. Ninguém, portanto,
teria condições de ministrá-la, a não ser quem quisesse ensinar suas próprias e subjetivas
opiniões. Tampouco poderia criá-la e impô-la o Estado, que é democrático e leigo e,
enquanto tal, respeitoso das múltiplas confissões religiosas, com suas diferenças
e identidades, sua fé, seu credo, sua doutrina, seus fiéis.
E cada fiel tem,
no Brasil, o direito constitucional de receber, se quiser, a educação religiosa conforme
a sua fé, nos termos fixados pela Lei e no respeito da liberdade religiosa e de consciência.
Esta é a verdadeira e autêntica laicidade. Um ensino genérico, apenas indefinidamente
“religioso”, não atingiria esta meta e, principalmente, não cumpriria os ditames da
Constituição.
O Estado brasileiro não admite, de forma alguma, concessão de
privilégios para nenhuma religião específica, nem discriminações religiosas. Da mesma
forma, o Acordo, também no que diz respeito ao ensino religioso, não privilegia a
Igreja Católica, nem discrimina outras confissões. Neste preciso intuito, foi expressamente
mencionado, além do “ensino religioso católico”, também o “de outras confissões religiosas”.
Podemos chamar este modelo de “ensino religioso pluri-confessional”. Ele encontra
um válido exemplo legislativo na Lei sobre ensino religioso adotada no Estado do Rio
de Janeiro (Lei n. 3459/2000, de 14 de setembro de 2000). Conforme este modelo, o
legislador reconhece, aplicando os princípios constitucionais de liberdade religiosa
e de crença (Art. 5º, inciso VI, da Constituição), o direito das famílias (e dos alunos
que já completaram os 16 anos de idade) a que lhes seja oferecido, pelo Estado, o
ensino religioso correspondente ao credo e à identidade religiosa confessional do
estudante e de sua família.
É importante destacar que essa Lei estadual, menos
de um ano depois de editada, passou por rigoroso controle de constitucionalidade pelo
Tribunal de Justiça do Estado e foi mantida (cf. Representação n. 141/2000, Acórdão
de abril de 2001).
Deve-se sublinhar que esse ensino religioso é sim ‘confessional’,
mas é, ao mesmo tempo, pluralista, enquanto o Estado oferece aos alunos os ensinos
religiosos próprios, em conformidade com sua identidade de fé, e é perfeitamente democrático
e leigo, porque só será ministrado aos que, livre e facultativamente, o requeiram.
Em nada, portanto, afeta negativamente o espírito de mútua tolerância e respeito entre
as diferentes confissões, nem tampouco contraria a irrenunciável laicidade do Estado
brasileiro.
A esse propósito, enfim, no que diz respeito ao conceito da verdadeira
laicidade, merecem reflexão as palavras recentemente pronunciadas por Nicolas Sarkozy,
Presidente da República da França, nação que sempre foi, e continua sendo a ‘porta-bandeira’
do princípio da laicidade do Estado. «A laicidade não poderia ser a negação do passado.
A laicidade não tem o poder de cortar uma nação das suas raízes cristãs. Ela tentou
fazê-lo. E não deveria tê-lo feito [...], eu acho que uma nação que ignore a herança
ética, espiritual e religiosa da sua história comete um crime contra sua cultura [...]
que impregna tão profundamente nossa maneira de viver e pensar. Arrancar a raiz é
perder o significado, é enfraquecer o cimento da identidade nacional, é tornar ainda
mais ásperas as relações sociais, que tanta necessidade têm de símbolos de memória.
[...] É por isso que desejo o advento de uma laicidade positiva, ou seja, uma laicidade
que, preservando a liberdade de pensamento, a de crer ou não crer, não veja as religiões
como um perigo, mas, pelo contrário, como um trunfo. [...] Trata-se de procurar o
diálogo com as grandes religiões e ter por princípio facilitar a vida quotidiana das
grandes correntes espirituais, ao invés de procurar complicá-las» (Discurso pronunciado
em Roma, em 4 de Janeiro de 2008).