MENSAGEM PASTORAL DOS BISPOS DE ANGOLA “O NOSSO VIVER E AGIR EM CRISTO”
1. “Eu sou a videira, vós os ramos; quem está em Mim e Eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem Mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). É assim que Cristo nos fala
da Sua união connosco. Viver em Cristo é estar e agir unido a Ele. O Senhor é a fonte
da vida e o cristão é chamado a estar em permanente união com essa fonte.
Dentro do plano pastoral da CEAST, depois de, nos anos anteriores, termos meditado
sobre o anúncio de Jesus Cristo e o Seu mistério de salvação bem como sobre a santificação
como contemplação e celebração do mistério do Senhor na liturgia e nos sacramentos,
durante estes dois próximos anos debruçar-nos-emos sobre o nosso viver em Cristo. No
primeiro ano, iremos reflectir sobre o aspecto pessoal do nosso viver em Cristoe, no segundo ano, debruçar-nos-emos sobre a dimensão social do mesmo viver. 2. Pretendemos, pois, renovar e aprofundar a nossa vida cristã, o modo de
seguir o Senhor e de O ter presente em todas as actividades e no nosso coração. Cristo
é a referência necessária do cristão. Somos, pois, convidados, durante este ano, a
fazer uma análise séria sobre o nosso viver. Assim, com o ideal evangélico das Bem-aventuranças,
os caminhos da vida que são os mandamentos e a análise da nossa caridade pelas
obras de misericórdia, somos interpelados a fazer de Cristo o centro da
nossa existência, realizando em nós toda uma transformação de vida que nos leve a
dizer com São Paulo: “O meu viver é Cristo”(Fl 1,21); “Vivo, mas já não sou eu que
vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Nesta “Mensagem Pastoral”, não queremos
abordar todos os aspectos da vida cristã, mas alguns pontos que nos parecem mais urgentes
como resposta aos desafios do mundo de hoje. Partimos, para a nossa reflexão de: Jesus
Cristo Filho de Deus, Jesus Cristo Servo, Jesus Cristo Peregrino, E terminamos
chamando a atenção para a necessidade de formarmos rectamente a consciência moral. A
- A identidade moral do Cristão Jesus Cristo Filho de Deus Pai3. A
principal característica da “espiritualidade” de Jesus brota da sua consciência de
ser “o Filho muito amado do Pai”. Como consequência, toda a Sua actividade é viver
este seu “ser Filho”, na união, na oração, na obediência amorosa e total à vontade
do Pai. Também o discípulo de Jesus está convidado a viver primeiramente como filho
de Deus, filho no Filho, com o Espírito de Jesus e imitando-O. 4. Daqui brotam
as atitudes fundamentais do discípulo: - Conhecer e amar cada vez mais o
verdadeiro Rosto de Deus, fazendo da leitura e meditação da Palavra de Deus alimento
diário da nossa vida e lugar de revelação do Rosto do Pai. - Como filhos, buscar
a intimidade com o Pai na oração, nos seus vários tipos: adoração, louvor, acção de
graças e súplica. - Fazer a vontade do Pai em tudo, sempre e a qualquer custo,
até com o da própria vida. Pretender que seja Deus a fazer a nossa vontade é transformá-lo
num criado nosso. Deus é o Pai e não um comerciante que se deixa comover pelas nossas
mais ou menos abundantes doações. Esta táctica “comercialista” com Deus é totalmente
alheia ao espírito cristão. - Evitar toda e qualquer forma de pecado, que é desobediência
e ofensa ao amor do Pai. Um dos pecados é a falta de confiança em Deus, que leva pessoas
a crer na feitiçaria e a procurar nela a solução dos seus problemas, caindo no medo
e na escravidão de poderes reais ou imaginários, esquecendo que somos filhos e não
escravos.
Nesta nossa caminhada de filhos, tenhamos consciência de que é o
Espírito de Jesus que nos conduz, é Ele que nos transforma e anima, contando com a
abertura do nosso coração ao mesmo Espírito e a nossa cooperação consciente, generosa,
alegre e firme. Jesus Cristo Servo 5. Cristo,
feito homem, apresenta-se-nos com a figura de servo. O seu caminhar, desde o nascimento
à cruz, está marcado pelo ideal de serviço, pela proximidade com os pequenos, os pobres,
os marginalizados. A sua palavra é bem clara: “Quem entre vós quiser ser o primeiro
seja vosso escravo. Será como o Filho do Homem, que não veio para ser servido, mas
para servir e dar a vida pelo resgate de muitos” (Mt 20,27-28). O episódio
do lava-pés, descrito no evangelho de João, é expressão eloquente deste espírito que
Ele quer ver presente nos seus discípulos. Este gesto é expressão da sua entrega total
por nós e antecipa o acto supremo da sua Morte e Ressurreição. “Depois de amar
os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim”(Jo 13,1). É necessário aceitar
este espírito de serviço para ficar vinculados a Cristo. “Se não te lavo os pés,
não terás parte comigo”(Jo 13, 8), dizia Ele a Pedro. Todos somos chamados a reproduzir
em nós os traços do Cristo servo: no amor transbordante, no amor que é perdão, compreensão,
escuta, apoio e disponibilidade: “Dei-vos o exemplo para que, assim como eu fiz,
vós façais também” (Jo 13,15).
6. Esta total disponibilidade e amor para
com os outros afecta a nossa identidade cristã e o nosso agir no diálogo com
o mundo e na missão de sermos fermento de humanização e sacramento de salvação.
Num mundo tantas vezes marcado pela crueldade, pelo culto do ego e pelo hedonismo,
temos de viver o segue-me do Mestre com todas as consequências. Somos chamados,
com Cristo, a sermos sinal de contradição, a não aceitarmos a lógica do mundo, a mostrar
à sociedade de hoje que só o amor e o serviço libertam e fazem de todos nós uma única
família de Deus, uma comunidade de irmãos. Jesus Cristo Peregrino 7.
A Igreja sente-se, como Cristo, peregrina no meio dos homens e do mundo. A passagem
dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35) reflecte bem a sua e a nossa vocação. Como em
Emaús, também hoje o Senhor desce às estradas que percorremos para se fazer nosso
companheiro de viagem e nos animar a prosseguir a nossa caminhada. Os discípulos
de Emaús caracterizam bem o homem de hoje e o homem de todos os tempos.
A vida cristã é toda ela uma experiência de caminho, uma peregrinação. E assim como
Cristo veio ao encontro dos discípulos, também nós somos convidados a ir ao encontro
dos irmãos, sobretudo daqueles que vão caminhando sem esperança, sem futuro. A
Conferência Episcopal Italiana, a este propósito, diz: “Os dois discípulos de Emaús
exprimem bem a situação do homem contemporâneo, desconsolado pelo fim das falsas seguranças
e fáceis esperanças que, às vezes, até o afastam de Cristo e da Sua Igreja, na busca
de conforto e de ideais pelos quais lutar, acreditar e esperar” (ECC 5 ECEI 3/2659). No
episódio de Emaús, Cristo levou os discípulos ao encontro do sentido da vida,
partindo da experiência. No nosso mundo, torna-se necessária uma proposta da fé cristã
e um coerente empenho para colmatar este vazio e abrir caminhos de esperança. Há que
afirmar Cristo como a VERDADE, em contraste com o relativismo moral e religioso que
campeia livremente ao nosso redor. 8. O homem é peregrino, mas rumo a
quê? Não pode circunscrever-se aos limites de si próprio ou do nosso mundo. A sua
peregrinação é para “além de si mesmo”. Emaús não é só um ponto de chegada, é também
um ponto de partida. Os discípulos, depois de reconhecerem Jesus ressuscitado, vão
pressurosos ao encontro dos amigos para curar a cegueira deles, para lhes anunciar
que Cristo está vivo, que há razões para a esperança. Somos residentes
ou peregrinos? Uma das tentações do homem é querer fazer da terra a sua pátria definitiva,
do dinheiro a sua riqueza, das suas conquistas os seus amores. Contudo a verdade
da vida é que a pátria terrestre é passagem, os bens são meios para a viagem e
as amizades são companheiros num caminho para um outro amor maior. 9.
A fé no Ressuscitado põe-nos em marcha para o encontro definitivo com o Senhor. Como
comunidade de ressuscitados, aspiramos à completa realização da salvação, que só se
realiza quando Cristo for tudo em todas as coisas, na parusia final, na VIDA ETERNA. Quando
os bens da terra, ou a experiência nos fecham nos limites do vivido, então em nós
morreu a esperança. Fomos criados para a eternidade, por isso tem sentido proclamarmos:
Vem Senhor Jesus! Já que só nele o nosso coração pode encontrar repouso. B
– Algumas considerações sobre a consciência moral 10. Para se viver
com verdade o mistério de Cristo nas nossas vidas, é importante valorizar a consciência
moral da pessoa. Por isso, nós, Bispos da CEAST, queremos das algumas orientações
sobre este tema. Ouvir a consciência 11. O agir cristão tem como
elemento importante uma consciência bem formada, pois como diz o CIC n º 1783: “É
pelo juízo da sua consciência que o homem tem a percepção e reconhece as prescrições
da lei divina”. Também o Concílio Vaticano II, na “Gaudium et Spes”, no nº16 afirma:
“ No fundo da consciência, o homem descobre uma lei, que não se impôs a si mesmo,
mas à qual deve obedecer e cuja voz ressoa oportunamente aos ouvidos do seu coração,
convidando-o a fazer o bem e a evitar o mal;(…) Na verdade o homem tem uma lei escrita
no coração; (…)A consciência é o núcleo mais secreto do homem, e o santuário onde
ele está a sós com Deus.” Educar a consciência 12.
Uma das tarefas mais importantes, hoje, é a formação de uma consciência recta,
verdadeira e certa, já queum dos maiores dramas é a destruição sistemática
da consciência, que vai a par com a destruição da consciência de pecado. Mesmo dentro
das comunidades cristãs dos nossos países, a consciência errónea está presente
em muitos campos, devido às experiências políticas e outras que vivemos nos últimos
decénios e à ignorância religiosa. É necessário enfrentar, na catequese e na formação
pastoral, a formação da consciência. É certamente um plano para toda a vida e em todas
as facetas da moral cristã. A sensibilidade da consciência na vida cristã é
uma das melhores condições para garantir o crescimento espiritual. Alguns
desafios a uma consciência bem formada 13. Há que afirmar o facto de assistirmos
hoje, no nosso mundo, a uma tentativa generalizada de deformação moral, muitas vezes
patrocinada por governos, parlamentos e instituições internacionais; veiculada pelos
potentes meios de comunicação social; financiada por fundos públicos e de poderosas
instituições. Há uma promoção de ideias que desvalorizam a instituição familiar, advogam
a liberalização do aborto e outras formas atentatórias da vida humana, favorecem a
exploração de menores e da mulher, entre outras. Perante este panorama, a Igreja
continua a afirmar o seu empenho pela causa da vida da concepção até à morte, a afirmação
da família como célula fundamental da sociedade, o respeito pela pessoa humana e sua
dignidade. Conclusão 14. Para este Ano Pastoral, nós, Bispos de Angola
e São Tomé e Príncipe, pretendemos, pois, levar o Povo de Deus a fazer uma revisão
profunda da vivência da sua fé em Jesus Cristo. Acreditar em Cristo implica optar
pela sua Verdade, pela sua opção pelos mais pobres, por uma vida orientada por valores
morais consistentes. Acreditar em Cristo, significa abrirmo-nos ao seu Espírito, viver
de verdade como filhos de Deus, fazermo-nos servos uns dos outros, trabalhar pela
paz e a justiça, lutar pela dignidade da pessoa humana, optar pela VIDA. Somos
conscientes das dificuldades que tantos irmãos nossos vivem no seu dia a dia, numa
luta diária pela sobrevivência, e manifestamos para com eles a nossa solidariedade,
apelando a que todas as forças sociais e políticas se unam para irradicar estas situações
de pobreza. Lançamos também um apelo aos nossos pastores, aos vários grupos eclesiais,
a todos os cristãos em geral e às pessoas de boa-vontade, que assumam o ideal do evangelho
na sua vida e se mantenham firmes na vivência desses ideais não se deixando iludir
por ideias vazias de conteúdo moral, ausentes de Deus. Ao mesmo tempo, faça-se uma
análise séria sobre como se está a viver a fé num mundo que tantos desafios nos apresenta,
exigindo cada vez mais autenticidade e unidade entre o crer e o agir. 15. Que
Maria nos acompanhe neste subir para Deus e nos guie nos nossos caminhos de
ser autênticos seguidores de Cristo, fermento do mundo, formadores de verdadeiras
comunidades de fé. E que São Paulo, o grande apóstolo, neste Ano a ele dedicado, sirva
também de modelo para todos nós no anúncio do evangelho, na denúncia das situações
de pobreza e injustiça e como testemunhas dos valores do Reino. Luanda, 15 de
Outubro de 2008, na festividade de Santa Teresa de Jesus- Os Bispos da CEAST