SINODO 2008 : As realidades locais nas intervenções dos padres
sinodais
(11/10/2008) Chegou ao fim a primeira semana de trabalhos da XII assembleia geral
ordinária do sínodo dos bispos sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja.
Uma semana dedicada quase inteiramente ás intervenções individuais dos delegados das
varias conferencias episcopais, abordando os pontos que consideram mais pertinentes
do documento base de discussão, o chamado instrumentum laboris ( o documento de trabalho). Alguns
padres sinodais falaram da evangelização em contextos como a Europa do leste, a Birmânia
ou a Terra Santa: áreas geográficas marcadas por perseguições dos passados regimes
totalitários, por catástrofes naturais e pelo conflito entre israelitas e palestinianos.
Em particular foi salientado que os cristãos árabes têm dificuldades na leitura do
Antigo Testamento por causa de interpretações politicas e ideológicas que pesam sobre
ele. “Muitos cristãos árabes têm dificuldades em ler o Antigo Testamento, não pelas
Palavras de Deus, mas devido às interpretações políticas e ideológicas”- disse o patriarca
latino de Jerusalém Fouad Twal que finalizou a sua intervenção pedindo mais orações
e peregrinos na Terra Santa “para testemunhar Jesus”. De assinalar neste sentido
a proposta avançada por Gregório III Laham, Patriarca de Antioquia dos Grego-Melquitas
que sugeriu a organização de um fórum sobre a Palavra de Deus, no qual cristãos e
muçulmanos se possam encontrar, discutir e meditar. Na reflexão deste Patriarca
a Palavra de Deus deve-se poder tornar Palavra para os outros, para a sociedade e
para o mundo; o cristão vive a fé através da liturgia, centrada na Eucaristia. A mesa
da Palavra e a mesa da Eucaristia são inseparáveis. A Palavra de Deus é palavra
de reconciliação. É por isso que no dia de Páscoa os fiéis (greco-melkitas) veneram
o Evangeliário e o ícone da Ressurreição, antes de se darem uns aos outros o abraço
da paz. Gostaria que pudéssemos partilhar a palavra de Deus. Não tenhamos medo dos
versículos do Corão; e que os nossos irmãos muçulmanos não tenham medo do Evangelho
e da Torah. Presente também nas intervenções dos padres sinodais o tema da exegese
bíblica: em particular foi reafirmada a necessidade de aproximar da Palavra de Deus
as pessoas mais afastadas, favorecendo a tradução da Bíblia também em línguas com
pouca difusão. Neste contexto foi anunciado que no próximo dia 14 será assinado um
acordo entre a federação bíblica católica e as sociedades bíblicas para uma tradução
e difusão do Livro Sagrado. O cardeal Vinko Puljic, arcebispo de Sarajevo, na sua
intervenção, focalizou o papel dos leigos na vida eclesial. Para o seu serviço,
requerem-se “competências diversificadas e uma formação bíblica específica”. Para
este purpurado, a catequese familiar é um “meio privilegiado para o encontro com Deus
que fala ao homem”. Às famílias toca a responsabilidade de iniciar os filhos na Sagrada
Escritura.O Arcebispo de Nagasaki, no Japão, D. Joseph Mitsuaki Takami afirmou que
“somente a lectio divina não é suficiente. É importante conhecer as Palavras de Deus,
relacioná-las com a nossa vida, partilhá-la e praticá-la ao longo de toda a nossa
vida”. A forma como cada pessoa se deixa tocar e animar na sua vida cristã é uma questão
que, segundo o bispo japonês “deve ser constantemente questionada”. D. Takami pediu
que Bento XVI “recomende a todos os cristãos a meditação e a partilha das Sagradas
Escrituras, na Exortação Pós Sinodal. O Bispo pediu ainda a publicação de um livro
explicativo “em detalhe, que aborde métodos actuais de como ler a Bíblia”. Para
o bispo de Torun, na Polónia, D. André Suski, é fundamental compreender a liturgia
como lugar privilegiado da Palavra de Deus: a proclamação da Palavra, a meditação
e o confronto comas muitas situações quotidianas – no âmbito da comunidade paroquial
– dá início à comunidade eclesial, como afirmou João Paulo II na Exortação Apostólica
“Catechesi Tradendae”. A paróquia tem motivações também teológicas, é comunidade eucarística.
Para
o bispo auxiliar de Valparaiso (Chile), Santiago Silva, há que tomar em consideração
três critérios para a leitura cristã da Bíblia, no contexto cultural de hoje:
a sede de Deus; a identidade do cristão como filho de Deus, discípulo de Jesus e templo
do Espírito; a nossa condição de “família de Deus” reunida para reconhecer essa condição
e se preparar para a missão. Daqui a exigência de uma pastoral e de uma espiritualidade
bíblica que favoreçam a experiência do amor de Deus.
D. Charles Soreng, bispo
de Hazaribag (Índia) pôs em relevo a eficácia da Palavra de Deus na construção
da comunidade e na realização da comunhão entre fiéios provenientes de culturas diversas,
uma comunhão eucarística que se manifesta como testemunho e serviço.
Para
responder às esperanças e aos desafios de hoje sem cair nos erros e perigos da
chamada “teologia da libertação”, o bispo equatoriano de Ibarra, D. Júlio Teran
faz uma série de observações: a reflexão teológica deve colocar-se no contexto da
comunidade cristã de pertença; tal leitura comunitária da Escritura deve confrontar-se
com os sinais de pecado e de graça que conformam o mundo globalizado e, no contexto
da América Latina, deve prestar especial atenção aos pobres. Assim, a elaboração da
reflexão teológica não terá dificuldade em se articular com a exegese científica,
conforme as indicações do magistério. Ponto de convergência do trabalho dos teólogos
é sempre a pessoa do Senhor da Igreja, o Jesus histórico que aparece nos Evangelhos
e que é o próprio Cristo ressuscitado, realmente presente na Igreja através do mistério
da Sua Páscoa.
“A homilia não é uma catequese, nem tão pouco uma meditação
ou uma lição de exegética”, apontou na sua intervenção o Bispo de Terni e presidente
da Federação Católica Bíblia, D. Vincenzo Paglia. “A homilia representa um momento
em que devemos deixar a Palavra de Deus guiar-nos o coração”. Recordando os vários
debates que existem sobre a preparação das homilias, D. Paglia referiu não haver necessidade
de “medos por se entregar a Bíblia aos fiéis”, referiu, sublinhando que “cada um deveria
ter uma Bíblia pessoal para poder consultar e meditar regularmente”. Vários outros
bispos recordaram experiências e a relação entre os cristãos dos seus países e a Bíblia.
O Bispo de Kankan, na Guiné, D. Emmanuel Félémou indicou que a Igreja católica
do seu país manifesta um especial interesse por este Sínodo. “Queremos que todos os
agentes pastorais – catequistas, religiosos, padres, bispos – veiculem a mensagem
que é importante ler a Bíblia e tirar, diariamente uma mensagem para o seu dia”. “Todos
os dias, nas famílias, a Bíblia deveria ser lida e meditada”, indicou o Bispo africano,
reforçando que “os jovens precisam ouvir Jesus Cristo”. D. Emmanuel Félémou sublinhou
que os bispos "têm o dever de acompanhar a formação". Por sua vez, o Bispo Anthony
Muheria, de Embu, no Quénia, afirmou que a forte presença dos evangélicos em África
“que se vangloriam de decorar algumas passagens bíblicas, está a conduzir a uma tendência
de mal entendidos no conhecimento sobre a Bíblia, gerando livres interpretações”.
Nesta sexta feira á tarde intervieram nos trabalhos sinodais dois delegados fraternos:
o reverendo Gunnar Stalsett bispo emérito de Oslo, expoente da federação mundial luterana
e o Reverendo Robert Welsh dos Discípulos de Cristo. NO centro das suas reflexões,
a condenação do fundamentalismo religioso, o convite a todas as pessoas de fé a empenharem-se
para se atingir os objectivos do milénio e o apelo a superar as divisões no interior
do Corpo de Cristo. E concluímos esta primeira parte dedicada aos trabalhos do
Sínodo escutando o presidente da CNBB, conferencia nacional dos bispos do Brasil,
o arcebispo de Mariana D. Geraldo Lyrio Rocha que já interveio na Aula Sinodal: fala-nos
do grande impulso que vem da Palavra de Deus na acção evangelizadora da Igreja no
Brasil.