“Abandonar-se nas mãos misericordiosas de Deus: foi esta a atitude constantemente
cultivada” por Pio XII
(9/10/2008) Assinalam-se nesta Quinta-feira, dia 9 de Outubro, os 50 anos da morte
de Pio XII, o Papa que guiou a Igreja Católica durante o período dramático da II Guerra
Mundial. Eugénio Pacelli, nascido a 2 de Março de 1876, é ainda hoje uma figura rodeada
por polémicas, mitos e preconceitos que tendem a obscurecer a análise do seu pontificado.
Bento XVI presidiu esta manhã, na Basílica de São Pedro, a uma Missa em sufrágio
do falecido Papa. Participaram os delegados presentes no Sínodo dos Bispos, que decorre
no Vaticano. “Abandonar-se nas mãos misericordiosas de Deus: foi esta a atitude
constantemente cultivada” por Pio XII – sublinhou Bento XVI, na homilia da Missa . Recordando
as dificuldades da época em que o Papa Pacelli foi chamado a desenvolver o seu ministério
ao serviço da Igreja – durante a II Grande Guerra e o “complexo” período seguinte,
“da guerra fria” – Bento XVI referiu a necessidade profundamente sentida por Pio XII
de, “mesmo mediante um constante esforço ascético, aderir a Cristo, única certeza
que não se desvanece”.
“A Palavra de Deus tornava-se assim luz no seu caminho,
um caminho no qual o Papa Pacelli teve que consolar desalojados e perseguidos, teve
que enxugar lágrimas de sofrimento e deplorar as inumeráveis vítimas da guerra. É
Cristo a única verdadeira esperança do homem. Só confiando n’Ele o coração humano
se pode abrir ao amor que vence o ódio”.
“Foi esta consciência que acompanhou
Pio XII no seu ministério de Sucessor de Pedro, ministério iniciado precisamente quando
se adensavam sobre a Europa e sobre o resto do mundo as nuvens ameaçadoras de um novo
conflito mundial, que ele procurou, por todos os modos, evitar”. Bento XVI referiu
o amor que o seu predecessor sempre mostrou pela sua “dilecta Roma”, amor “testemunhado
pela intensa obra de caridade que promoveu em defesa dos perseguidos, sem qualquer
distinção de religião, etnia, nacionalidade ou pertença política”. Muitos são os testemunhos
sobre as privações de alimento, aquecimento, roupas e comodidades a que voluntariamente
se sujeitava para partilhar a condição das pessoas duramente provadas pelos bombardeamentos
e pelas consequências da guerra. Neste contexto, Bento XVI evocou a radiomensagem
pronunciada por Pio XII, no Natal de 1942:
“Com voz profundamente comovida,
deplorou a situação de centenas de milhares de pessoas, que, sem culpa alguma,
por vezes apenas por razões de nacionalidade e de estirpe, são destinadas à morte
ou a um crescente definhar, numa clara referência à deportação e ao extermínio
perpetrado contra os judeus. Ele agiu muitas vezes de modo secreto e silencioso
precisamente porque, à luz das situações concretas daquele complexo momento histórico,
intuía que só desse modo se podia evitar o pior e salvar o maior número possível de
judeus”.
“No final da guerra, como também no momento da sua morte, numerosos
e unânimes atestados de gratidão lhe foram dirigidos pelas mais altas autoridades
do mundo judaico, por estas suas intervenções” – recordou o Papa, citando a ministra
dos Negócios Estrangeiros de Israel, Golda Meir que escreveu: “Deploramos a perda
de um grande servidor da paz”. “Quando o mais horroroso martírio atingiu o nosso povo,
durante os dez anos do terror nazista, a voz do Pontífice elevou-se a favor das vítimas”.
Bento
XVI deplorou o facto de que “o nem sempre sereno debate histórico sobre a figura do
Servo de Deus Pio XII” tenha levado a descurar “todos os aspectos do seu poliédrico
pontificado”, com muitíssimos discursos, alocuções e mensagens dirigidas a cientistas,
médicos, expoentes das mais diversas categorias de trabalhadores. Muitos desses pronunciamentos
– sublinhou o Papa actual – “conservam ainda hoje extraordinária actualidade e continuam
a ser seguro ponto de referência”. Paulo VI considerava-o um precursor do Concílio
Vaticano II. Na impossibilidade de referir exaustivamente os muitos documentos que
mereceriam ser citados, Bento XVI mencionou três Encíclicas de especial relevo: a
“Mystici Corporis” (Junho 1943), que pela primeira vez esboçava uma síntese teológica
dos principais temas da eclesiologia, abrindo o caminho à Constituição conciliar “Lumen
gentium”; a “Divino afflante Spiritu” (Setembro de 1943), com normas doutrinais para
o estudo da Sagrada Escritura, e a “Mediator Dei” (Novembro de 1947), “que impulsionou
o movimento litúrgico”, sublinhando que o “elemento essencial do culto” há-de ser
“interior”: viver sempre em Cristo. “Caso contrário, a religião torna-se um formalismo
sem fundamento nem conteúdo”. Na presença dos numerosos Padres sinodais reunidos
este mês no Vaticano para debater “a Palavra de Deus na vida e missão da Igreja”,
Bento XVI deteve-se especialmente sobre a importância que teve a Encíclica “Divino
afflante Spiritu”. “Trata-se de um documento que testemunha uma grande abertura no
que diz respeito à investigação científica sobre os textos bíblicos”. “Deve-se à intuição
profética de Pio XII o início de um estudo sério das características da historiografia
antiga, para melhor compreender a natureza dos livros sagrados, sem por isso diminui
ou negar o seu valor histórico”. “O aprofundamento dos géneros literários,
com o objectivo de melhor compreender o que o autor sagrado tinha querido dizer (observou
Bento XVI), até então era vista com suspeita, até pelos abusos que se tinham verificado.
A Encíclica reconhecia a sua correcta aplicação, declarando legítimo o seu uso, para
o estudo, não só do Antigo Testamento, mas também do Novo”. Quase a concluir a
sua homilia, o Papa referiu ainda, de passagem, as duas Encíclicas dedicadas por Pio
XII à actividade missionária “Evangelii praecones” (1951) e “Fidei donum” (1957),
que bem revelam “o amor pelas missões” revelado pelo Papa Pacelli desde o início do
seu pontificado, quando, em 1939, “quis consagrar pessoalmente doze Bispos de países
de missão, entre os quais um indiano, um chinês, um japonês, o primeiro Bispo africano
e o primeiro Bispo de Madagáscar”. Referido ainda o facto de que uma das suas preocupações
pastorais foi a promoção do papel dos leigos. Concluída a celebração, o Papa desceu
ás Grutas da Basílica de São Pedro detendo-se em oração pessoal diante do tumulo
de Pio XII.