HOMILIA DE BENTO XVI NA SANTA MISSA PELOS 150 ANOS DAS APARIÇÕES EM LOURDES (TEXTO
INTEGRAL)
"Vá e diga aos sacerdotes que venham aqui em procissão e construam uma capela." É
a mensagem que Bernadette recebeu da “bela senhora” na aparição de 2 de março de 1858.
Há 150 anos, os peregrinos nunca deixaram de vir à gruta de Massabielle, para ouvir
a mensagem de conversão e esperança que lhes foi dirigida. Nós também estamos aqui
esta manhã aos pés de Maria, a Virgem Imaculada, assim como a pequena Bernadette.
Agradeço de modo especial Dom Jacques Perrier, bispo de Tarbes e Lourdes,
pela acolhida calorosa que me reservou, e pelas palavras gentis que me dirigiu. Saúdo
os cardeais, os bispos, os sacerdotes, diáconos, religiosos e religiosas, assim como
vocês queridos peregrinos de Lourdes, de modo especial, os doentes. Vocês vieram em
grande número, realizar esta peregrinação jubilar comigo, e confiar suas famílias,
parentes e amigos, e todas as suas intenções a Nossa Senhora. Expresso reconhecimento
também às autoridades civis e militares, que quiseram estar presentes nesta celebração
eucarística.
“Que coisa maravilhosa é possuir a Cruz! Quem a possui, possui
um tesouro!. Neste dia, em que a liturgia da Igreja celebra a exaltação da santa cruz,
o Evangelho que acabamos de ouvir nos recorda o significado deste grande mistério:
Deus tanto amou o mundo que entregou seu Filho unigênito para que os homens fossem
salvos. O Filho de Deus se tornou vulnerável, assumindo a condição de servo, obedecendo
até a morte, e a morte de cruz. Por sua Cruz somos salvos. O instrumento de suplício
que, na Sexta-feira Santa, manifestou o juízo de Deus sobre o mundo, tornou-se fonte
de vida, de perdão, de misericórdia, sinal de reconciliação e de paz. “Para nos curarmos
do pecado, olhemos ao Cristo Crucificado!”– dizia Santo Agostinho.
Elevando
os olhos ao Crucifixo, adoramos Aquele que veio para assumir os pecados do mundo e
nos doar a vida eterna. E a Igreja nos convida a elevar, honrados, esta Cruz, gloriosa,
para que o mundo possa ver até aonde chega o amor do Crucificado pelos homens. Ela
nos convida a dar graças a Deus, porque da arvore que gerou a morte brotou novamente
a vida. É neste madeiro que Jesus nos revela sua majestade, soberana, nos revela que
Ele se exalta na glória. Sim, “Venham, adoremo-no!”. Em meio de nós, encontra-se Aquele
que nos amou até doar sua vida por nós, Aquele que convida todo ser humano a aproximar-se
d’Ele com confiança.
É este o grande mistério que Maria nos confia esta manhã,
convidando-nos a voltar-nos a seu Filho. Com efeito, é significativo que, no momento
da primeira aparição a Bernadette, no início do encontro, Maria faça o sinal da Cruz.
Não é um simples sinal. Bernadete recebe de Maria a iniciação aos mistérios da fé.
De certa forma, o sinal da Cruz é a síntese de nossa fé, porque nos diz o quanto Deus
nos amou; nos diz que no mundo, existe um amor mais forte do que a morte, mais forte
do que nossas fraquezas e dos nosso pecados. A força do amor é mais forte do que o
mal que nos ameaça. É o mistério da universalidade do amor de Deus pelos homens que
Maria veio revelar aqui, em Lourdes. Ela convida todos os homens de boa vontade, todos
os que sofrem no coração e no corpo, a elevar os olhos para a Cruz de Jesus, para
encontrar a fonte da vida, a fonte da salvação.
A Igreja recebeu a missão
de mostrar a todos este rosto de um Deus que ama, manifestado em Jesus Cristo. Nós
saberemos compreender que a nossa dignidade de Filhos de Deus, ofuscada pelo pecado,
nos é restituída no Crucificado do Gólgota? Dirijamos os nossos olhares a Cristo.
É Ele que nos libertará para amar como Ele nos ama e para construir um mundo reconciliado.
Porque nesta Cruz, Jesus assumiu para si o peso de todos os sofrimentos e injustiças
da humanidade. Ele sofreu todas as humilhações e as discriminações, as torturas que
em tantas regiões do mundo sofrem ainda nossos irmãos e irmãs, por amor a Cristo.
Nos os confiamos a Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, presente aos pés da Cruz.
Para
acolher em nossas vidas esta Cruz gloriosa, a celebração do Jubileu das aparições
de Nossa Senhora de Lourdes nos faz entrar em um caminho de fé e de conversão. Hoje,
Maria vem a nós para nos indicar os caminhos da renovação da vida de nossas comunidades
e de cada um de nós. Acolhendo o seu Filho, que Ela nos apresenta, nos imergimos em
uma fonte viva em que a fé pode encontrar um novo vigor, em que a Igreja pode se fortalecer
para proclamar, sempre com mais audácia, o mistério de Cristo. Jesus, nascido de Maria,
é Filho de Deus, único salvador de todos os homens, que vive e age em sua Igreja e
no mundo. A Igreja é convidada em todos os lugares do mundo a proclamar esta única
mensagem e convidar os homens a acolhê-lo mediante uma autêntica conversão do coração.
Esta missão, que Jesus Cristo confiou a seus discípulos, recebe aqui, por ocasião
deste Jubileu, um novo estímulo. Que, depois dos evangelizadores de seu país, o espírito
missionário que animou tantos homens e mulheres da França ao longo dos séculos, seja
ainda seu orgulho e seu compromisso!
Seguindo o percurso jubilar nas pegadas
de Bernadette, o essencial da mensagem de Lourdes nos é recordado. Bernadette é a
filha mais velha de uma família muito pobre, que não tinha conhecimentos e nem bens,
e é de saúde frágil. Maria a escolhe para transmitir a sua mensagem de conversão,
de oração e de penitência, em plena sintonia com a palavra de Jesus: “Eu te bendigo
Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos
e as revelaste aos pequenos”. (MT 11, 25)
No seu caminho espiritual, os cristãos
também são chamados a fazer frutificar a graça de seu batismo, a nutrir-se de Eucaristia,
a unir na oração a força para testemunhar e ser solidários com todos os seus irmãos
em humanidade. É, portanto, uma verdadeira catequese que nos é proposta sob o olhar
de Maria. Deixemos que a Virgem instrua também nós, e nos guie no caminho que conduz
ao reino de seu Filho!
Prosseguindo em sua catequese, a ‘bela Senhora’ revela
seu nome a Bernadette: “Eu sou a Imaculada Conceição”. Maria revela-lhe assim a graça
extraordinária que recebeu de Deus, a de ter sido concebida sem pecado, porque “olhou
para a humildade de sua serva” (Lucas 1, 48). Maria é esta mulher de nossa terra,
que se submeteu inteiramente a Deus, e recebeu d’Ele o privilégio de dar a vida humana
a seu eterno Filho! “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”
(Lucas 1,38). Esta é a beleza transfigurada, a imagem da nova humanidade. Apresentando-se
assim numa dependência total de Deus, Maria expressa na realidade uma atitude de plena
liberdade, fundada no pleno reconhecimento de sua plena dignidade. Este privilégio
se refere também a nós, porque nos revela a nossa dignidade de homens e mulheres,
certamente marcados pelo pecado, mas salvos pela esperança, esperança que nos permite
enfrentar a nossa vida cotidiana. É a estrada que Maria abre também ao homem. Submeter-se
completamente a Deus é encontrar o caminho da verdadeira liberdade, porque dirigindo-se
a Deus, o homem se torna ele mesmo, encontra a sua vocação original de pessoa criada
à sua imagem e semelhança.
Caros irmãos e irmãs, a vocação primária do Santuário
de Lourdes é ser lugar de encontro com Deus em oração, e um lugar de serviço aos irmãos,
principalmente pela acolhida aos doentes, aos pobres e a todas as pessoas que sofrem.
Neste lugar, Maria vem a nós como a Mãe, sempre disponível às necessidades de seus
filhos. Através da luz que emana de sua face, é a misericórdia de Deus que transparece.
Deixemo-nos tocar por seu olhar: ele nos diz que somos todos amados por Deus, nunca
abandonados por Ele! Maria vem lembrar-nos que a oração, intensa e humilde, confiante
e perseverante, deve ter um lugar central em nossa vida cristã. A oração é indispensável
para acolher a força de Cristo. “Quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando
a situação apresenta todas as características duma emergência e parece impelir unicamente
para a ação” (Deus Caritas Est, 36). Deixar-se absorver pelas atividades pode fazer
a oração perder a sua especificidade cristã e sua verdadeira eficácia. A oração do
terço, tão querida a Bernadette e aos peregrinos de Lourdes, concentra em si a profundidade
da mensagem evangélica e introduz a contemplação da face de Cristo. Nesta oração dos
humildes, nós podemos haurir graças abundantes.
A presença dos jovens em Lordes
é também uma realidade importante. Caros amigos, aqui presentes esta manhã em torno
da Cruz do Dia Mundial da Juventude, quando Maria recebeu a visita do Anjo, era uma
jovem donzela de Nazaré, que conduzia a vida simples e corajosa, como as mulheres
de sua aldeia. E se o olhar de Deus pousou de modo particular sobre ela, fiando-se
dela, Maria quer dizer-vos também que nenhum de vós é indiferente para Deus. Ele pousa
seu olhar amoroso sobre cada um de vós, e vos chama a uma vida repleta de sentido.
Não vos deixeis desencorajar diante das dificuldades! Maria perturbou-se com o anúncio
do anjo, que veio lhe dizer que ela iria se tornar a Mãe do Salvador. Ela sentia o
quanto era fraca diante da onipotência de Deus. Ela dizia o seu ‘sim’ sem hesitar.
Graças a seu ‘sim’, a salvação entrou no mundo, mudando assim a história da humanidade.
Também vós, caros jovens, não tenhais medo de dizer ‘sim’ ao chamamento do Senhor
quando Ele vos convida a segui-Lo. Respondei generosamente ao Senhor! Só Ele pode
satisfazer as aspirações mais profundas de vosso coração. Numerosos, viestes a Lourdes
para um serviço atento e generoso ao lado dos doentes ou de outros peregrinos, colocando-vos
assim nas pegadas de vosso servidor. O serviço prestado aos irmãos abre o coração
e os torna disponíveis. No silêncio da oração, seja Maria a vossa pessoa de confiança,
ela que soube falar a Bernadete respeitando-a e confiando nela. Maria ajude os que
são chamados ao matrimônio a descobrirem a beleza de um amor verdadeiro e profundo,
vivido como dom recíproco e fiel! Aos que entre vós, que Ele chama a segui-Lo na vocação
religiosa, gostaria de recordar novamente toda a felicidade que há em oferecer totalmente
a própria vida a serviço de Deus e dos homens. Sejam as famílias e as comunidades
cristãs lugares onde possam nascer e amadurecer vocações sólidas a serviço da Igreja
e do mundo!
A mensagem de Maria é uma mensagem de esperança para todos os homens
e mulheres de nosso tempo, independentemente do país de onde provenha. Apraz-me invocar
Maria como estrela da esperança. “Nas estradas de nossa vida, tão freqüentemente sombrias,
ela é uma luz de esperança que nos ilumina e orienta em nosso caminho. Mediante o
seu ‘sim’, mediante o dom generoso de si mesma, abriu as portas do nosso mundo e de
nossa história e convida-nos a viver como ela como uma esperança invencível, rejeitando
escutar aqueles que nos consideram prisioneiros do fato. Ela nos acompanha com sua
presença materna em meio aos acontecimentos da vida das pessoas, das famílias e das
nações. Felizes os homens e as mulheres que depositam sua confiança n’Aquele que,
no momento de oferecer Sua vida pela nossa salvação, nos deu Sua mãe para que fosse
nossa Mãe.
Caros irmãos e irmãs, nesta terra da França, a Mãe do Senhor é venerada
em inúmeros Santuários, que manifestam assim a fé transmitida de geração em geração.
Celebrada na sua Assunção, ela é a amada padroeira de vosso país. Seja honrada com
fervor em cada uma de vossas famílias, em vossas comunidades religiosas e em vossas
paróquias. Vele Maria por todos os habitantes de vosso país, e pelos peregrinos que
vieram numerosos de outros países para celebrar este Jubileu. Seja para todos a Mãe
que circunda de atenção os seus filhos, seja nas alegrias como nas provações. Santa
Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, ensina-nos a crer, a esperar e a amar contigo. Indica-nos
o caminho para o reino em teu Filho Jesus! Estrela do mar, brilha sobre nós e guia-nos
em nosso caminho!"